Queremos o fim do português como língua tecnológica e de inovação?

Portugal, nomeadamente a nossa classe política, tem de abandonar esta atitude de enaltecer publicamente a nossa língua, as suas virtudes e potencialidades, e depois, nos corredores dar-lhe facadas.

Celebra-se hoje o Dia Mundial da Língua Portuguesa. Tristemente, no que respeita à tecnologia e inovação, a língua portuguesa não tem motivos para celebrar. E Portugal, que dá o nome à língua mais falada no hemisfério sul e que a nível global é partilhada por mais de 260 milhões de pessoas, tem razões adicionais para envergonhar-se, já que de entre os oito países de língua oficial portuguesa, é o único que, voluntariamente, abandonou a língua portuguesa como língua da inovação e da tecnologia.

Este é um processo com muitos anos, com avanços e recuos, que culminou com a decisão do Governo de Portugal secundado pelo Parlamento, de aceitar a implementação de um sistema europeu de patentes (que pretende instituir a chamada “patente europeia de efeito unitário”, isto é, uma patente europeia, que passa a ser automaticamente válida para todos os estados-membros participantes), que risca a língua Portuguesa.

Ora, se uma patente – que descreve, através de palavras e desenhos, como é feita e funciona uma invenção – estiver protegida em Portugal e apenas for acessível em língua inglesa, francesa ou alemã, como se partilha inovação e ciência? Para patentes válidas em Portugal, não se pode aceitar que termine a exigência de que estejam disponíveis em Português. É muito bom que todos saibamos inglês técnico – foi durante o Governo de José Sócrates, especialista em technical english, como muitos se lembrarão, que esta opção foi iniciada – mas a realidade das nossas empresas, sobretudo PME’s, deveria obrigar o legislador a manter a exigência do texto das patentes em português.

As traduções de patentes asseguram a democratização da inovação, garantindo que a dinâmica da inovação científica e tecnológica entra no nosso vocabulário e o enriquece. Se queremos o português como língua que potencie a inovação e a tecnologia, capaz de gerar valor económico, então não abdiquemos de exigir que patentes válidas em Portugal, estejam em Português. Não lutar pela língua portuguesa é uma barreira que se cria no acesso à tecnologia e inovação. É Portugal a desistir da valorização da sua língua, ao contrário do que fizeram países como Espanha, Hungria ou Polónia que protegeram a sua língua e o seu tecido empresarial.

Os sucessivos governos de Portugal da última década abdicaram desta luta, não compreendendo que, ao fazê-lo, estamos a vedar o acesso a conhecimento aos portugueses – e a todos os cidadãos que falam português, incluindo os oriundos da CPLP –, a diminuir-lhes as oportunidades de acederem às invenções e à inovação e a oferecer aos “países grandes” um reforço do seu status quo.

E não se venha com a “narrativa” dos custos de tradução. O “custo” da tradução é residual para quem vai obter um exclusivo económico e um monopólio por 20 anos, sendo essencial para o acesso à tecnologia e à inovação que proporciona aos empresários portugueses.

Mas, apesar de tudo, há uma boa notícia. Ainda vamos a tempo de corrigir esta opção errada, que vem de 2010, e de promover a valorização efetiva da língua portuguesa como língua de inovação, de ciência e de tecnologia. Por ironia do destino, o Reino Unido, por causa do brexit, e a Alemanha, por reservas do Tribunal Constitucional alemão, comprometeram a entrada em vigor do sistema e com necessidade de nova negociação política. Esta é a oportunidade para Portugal ou mudar o sistema ou sair do mesmo.

Portugal, nomeadamente a nossa classe política, tem de abandonar esta atitude de enaltecer publicamente a nossa língua, as suas virtudes e potencialidades, e depois, nos corredores do poder e da negociação política, dar-lhe facadas e desconsiderá-la. A prática tem de bater com o discurso. Portugal deve lutar e exigir que o sistema da “patente europeia de efeito unitário”, respeite e valorize a Língua Portuguesa. E qualquer que seja o futuro desse sistema que respeite todas as línguas. Porque, como referiu Humberto Eco, “a língua da Europa é a tradução”.

  • Colunista convidado. Advogado, sócio da JEDC – JE Dias Costa e presidente do Grupo Português da Associação Internacional para a Proteção da Propriedade Intelectual

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