Salvámos a banca. A banca vai salvar-nos?

Marcelo foi a uma plantação de tomates nas Lezírias, mas resistiu à tentação de atirar um aos banqueiros. Esta segunda-feira reúnem-se seis presidentes: um da República e cinco dos maiores bancos.

O que é um banco? Para o poeta americano Robert Frost, “um banco é um estabelecimento que nos empresta um guarda-chuva num dia de sol e nos pede de volta quando começa a chover”. Por estes dias de chuva, o receio de muitos é que a banca, para proteger o balanço, esteja a dificultar o acesso ao dinheiro, seja a empresas, seja a particulares.

Este receio é partilhado por Marcelo Rebelo de Sousa que esta segunda-feira vai juntar, em conference call, os presidente dos cinco maiores bancos — Caixa, BCP, Novo Banco, Santander Totta e BPI. Mas Marcelo já nos disse o que vai dizer aos banqueiros.

Este sábado, o Presidente foi visitar uma produção de tomates na Lezíria Grande, e foi de Vila Franca de Xira que deixou este recado aos banqueiros: “De algum modo, esta é uma ocasião de retribuir aos portugueses aquilo que nós fizemos“.

Marcelo Rebelo de Sousa teve, como sempre, uma posição sóbria, sem hostilizar a banca, ainda que deixando um recado claro: os bancos foram ajudados no passado recente e agora chegou a vez de retribuírem. Uma mão lava a outra, em linguagem cristã. Uma mão empresta à outra, em linguagem financeira.

O Presidente da República foi a uma produção de tomates e resistiu à tentação fácil de atirar tomates aos banqueiros como fez, por exemplo, Rui Rio. O líder do PSD fez na semana passada um discurso bastante inflamado contra os bancos: “se a banca apresentar lucros avultados em 2020 e 2021, isso será uma vergonha e uma ingratidão para com os portugueses”.

Apresentar prejuízos no final do ano não deveria ser um objetivo e um fim em si mesmo. Até porque da última vez que isso aconteceu adivinhe quem teve de ir socorrer a banca? Se levantou o dedo, acertou. Foi você, caro leitor e contribuinte.

Nesta altura, como diz Marcelo, “é muito popular bater na banca”, até porque o país tem um problema mal resolvido com o setor: segundo números do Tribunal de Contas, de 2008 a 2018, o Estado injetou 25,5 mil milhões de euros na banca (18,3 mil milhões líquidos dos reembolsos dos CoCos). E quando olhamos para aqueles banqueiros que, muitas vezes de uma forma criminosa, arruinaram o sistema financeiro, não há um único que esteja preso. Oliveira e Costa do BPN, o primeiro banco a receber ajuda pública, morreu sem ter cumprido um único dia de cadeia dos 15 anos a que foi condenado. Já para não falar de outros, como Ricardo Salgado, que ainda nem sequer foram levados a Tribunal.

Esses sim, merecem que lhes sejam atirados tomates. Não devemos tomar a parte pelo todo. Ramalho não é Salgado, Maya não é Jardim Gonçalves, Paulo Macedo não é Armando Vara, Teixeira dos Santos não é Oliveira e Costa. Dito isto, o que podem fazer os bancos para ajudarem e responderem ao apelo de Marcelo?

1. Cobrar juros patrióticos

Não precisam necessariamente de ter prejuízos, como exige Rui Rio, só que também não precisam de enriquecer à custa das linhas de crédito com garantias públicas. Por exemplo, na linha de crédito de 3 mil milhões lançada pelo Estado, as empresas têm de suportar quatro custos:

a) Uma taxa juro fixa ou variável (que está negativa em quase todos os prazos);

b) À taxa é adicionado um spread que varia de 1% a 1,5%, de acordo com o prazo do empréstimo e o risco do cliente;

c) Os bancos também podem cobrar ao cliente uma comissão de gestão/acompanhamento anual de até 0,5% sobre o montante de financiamento em dívida;

d) E, finalmente, a empresa terá ainda de suportar uma comissão pela garantia mútua (um sistema mutualista com acionistas públicos e privados) que, no caso das small & mid caps pode chegar a 1,745%.

Isto pode atirar os juros para valores acima dos 3%. É um valor absurdo nesta altura. Os custos a) e d) não dependem da banca, mas o b) e o c) sim. Em relação ao spread, não faz sentido que a banca dele abdique, até porque é a margem de negócio e permite diferenciar os empréstimos em função da maturidade e do risco cliente. Em relação à comissão de gestão, bem que a banca dela podia abdicar, em nome da tal “retribuição” pedida por Marcelo. Sobraria um juro mais simpático e comportável para as empresas, chamemo-lo de juro patriótico.

2) Evitar limpar o balanço com garantias públicas

É outra das tentações da banca nesta altura. Usar as linhas de crédito com garantias públicas para reduzir a exposição creditícia que as empresas já tinham antes da crise e que estava a pesar no balanço. As linhas de crédito com garantias do Estado apenas devem servir para apoiar empresas que estejam a enfrentar dificuldades no presente por causa do Covid-19 e não para sanear créditos duvidosos dados no passado.

3) Não distribuir dividendos

Mais do que uma decisão de gestão financeira, é uma questão de ética. Se os bancos conseguirem lucros em excesso, devem retê-los no balanço e usá-los como colateral para ir buscar mais liquidez ao Banco Central Europeu para emprestar às empresas.

Marcelo, na tal visita que fez às Lezírias, elogiou o bom exemplo de alguns bancos que já decidiram cancelar os dividendos: “precisamos de pegar nesse dinheiro e investir na economia portuguesa. Eu acho que isso obviamente é uma decisão muito sensata, muito sensata”.

Nesta altura, a banca não devia estar a trabalhar para remunerar os acionistas, mas a trabalhar pelo país e para as empresas. Não é patriotismo, é sobrevivência. Se as empresas explodem, a banca implode.

4) Renegociar o timing das garantias no Novo Banco

Sensato nesta altura seria também o Governo sentar-se à mesa com os norte-americanos do Lone Star para renegociar o sistema de garantias públicas que vai levar à injeção de mais 1.037 milhões de euros no Novo Banco ainda este ano, dos quais 850 milhões virão diretamente do Orçamento do Estado.

O Novo Banco, apesar de o poder fazer até 2026, tem estado a vender ativos tóxicos a uma velocidade acelerada para poder limpar o balanço e aproveitar até ao último cêntimo os 3,89 mil milhões de euros de garantia pública do mecanismo de capital contingente. Faz sentido nesta altura, em que o Estado precisa de dinheiro para reforçar apoios sociais, estar a injetar milhões no Novo Banco? Quem responder que sim, também merece que lhe seja atirado um tomate.

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