Senhor juiz de instrução Carlos Alexandre: o tribunal não é o Parlamento
Sou frontalmente contra o facto de jornalistas serem constantemente chamados à Justiça para explicar as consecutivas fugas de informação de matéria reservada ao segredo de Justiça.
“O segredo de justiça morre no inquérito”. Pela primeira vez, ontem, no Parlamento, o primeiro-ministro veio falar, “picado” por André Ventura (who else?) sobre a alegada violação do segredo de justiça ao publicar as suas respostas no âmbito do processo de Tancos. Essas mesmas questões que, horas antes, foram sendo divulgadas a conta gotas pela comunicação social. Alguma comunicação social em primeira mão, como habitualmente.
Desde já, faço uma declaração de interesses (não vá ser chacinada em massa pela minha classe profissional): sou frontalmente contra o facto de jornalistas serem constantemente chamados à Justiça para explicar as consecutivas fugas de informação de matéria reservada ao segredo de Justiça. Já o disse em sede própria em todas as (muitas e incontáveis) vezes que fui chamada a responder como arguida por esse alegado crime.
Tal como sou contra (obviamente) o revelar as nossas fontes de informação. Mas não sou contra – ou não seria porque o tempo verbal tem de ser adequado a uma questão que é meramente hipotética – que a Justiça procure com verdadeiro afinco quem viola esse mesmo segredo de Justiça. Porque, convenhamos, num registo de escola primária: para escrevermos o que escrevemos, alguém tem de nos dizer. Os factos (raramente desmentidos) não são inventados. It takes two to tango.
Voltemos ao início porque não quero fugir ao que por estes dias tem matutado a minha consciência, alérgica à hipocrisia. Este caso concreto tem uma particularidade: logo após a divulgação por António Costa na página do Governo dessas 100 perguntas e respostas, a comunicação social fez saber que o senhor juiz de instrução mais famoso dos tribunais (que alegadamente não quer ser famoso) incitou o Ministério Público a investigar o chefe do Executivo por violação do segredo de Justiça ao publicar parte dos autos do já polémico, por si só, processo de Tancos.
Ora, estando a opinião pública – e diria o próprio juiz – na ignorância de quem terá dado essa mesma informação aos jornalistas, porque não demonstrar a mesma preocupação e rapidez de reação pela prática desse crime hediondo horas antes, senhor juiz de instrução Carlos Alexandre? E em todas as inúmeras vezes que tem sido violado nos processos que acompanha? A Justiça tem dois pesos e duas medidas, costuma dizer-se. E o que isso significa? Que os poderosos/ricos e com cargos de relevância recebem da Justiça uma benevolência extra face ao comum dos mortais. Mas neste caso, diria, notamos uma tendência diametrialmente oposta. Os tribunais são o Parlamento? Não, ainda não. Um juiz é um político? Não.
É que, não contente com a reação do Ministério Público da primeira instância, que se declarou incompetente para avaliar esta matéria, Carlos Alexandre na passada sexta-feira à noite, volta a estar nos holofotes – que diz que detesta – e incita o Supremo Tribunal de Justiça a investigar esta alegada violação do segredo de Justiça. E como se tornou pública essa mesma informação? Pela comunicação social, mais uma vez. A questão que se coloca é: fala-se de promiscuidade de jornalistas e fontes há décadas. Na área da política, da economia e… na Justiça? Em que ficamos? Continuemos a assobiar para o lado. No pasa nada.
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