Só quer internet em casa? Pague também a TV

No final do semestre, existiam 4,15 milhões de assinantes de TV paga e 4,15 milhões de subscritores de pacotes de comunicações. Não é coincidência: se quer ter net em casa, o melhor é pagar televisão.

Se eu quiser só ter internet em casa e prescindir da televisão e do velho telefone, terei de optar por uma das poucas ofertas deste tipo no mercado. Por exemplo, o serviço “internet fixa pronta a usar” da NOS, com uma mensalidade de 24,99 euros e velocidade de download de 30 Mbps (megabits por segundo).

No entanto, por apenas mais seis euros por mês, consigo contratar à mesma operadora um pacote bem mais robusto, com três serviços incluídos: a mesma internet fixa de 30 Mbps, um telefone com minutos suficientes para estar 50 horas em chamada e uma assinatura de televisão com 120 canais, sem box.

Trata-se de um verdadeiro custo de oportunidade: por apenas mais 72 euros anuais, fico com a casa apetrechada para uma ou outra chamada telefónica que venha a ser necessária, uma ou outra partida de futebol que valha a pena ver e a imprescindível internet que uso para trabalhar e até para as chamadas do Zoom e do WhatsApp.

Além disso, em ambos os casos, sou praticamente forçado a aceitar uma fidelização de 24 meses, que posso apenas contornar pagando algumas centenas de euros por um conjunto de “benefícios” que, no mínimo, é pouco transparente.

A proposta de valor para ter só internet em casa é fraca e, naturalmente, a situação não se limita à NOS. Aliás, tanto quanto sei, esta operadora foi a primeira a permitir pagar apenas internet fixa, caso opte mesmo por não dar os 72 euros adicionais ao longo do ano.

Mais recentemente, a MEO criou também uma oferta de características e preço semelhante, mas está “enterrada” num PDF que pode ser descarregado no site da operadora. Já a Vodafone, até onde foi possível apurar, não parece dispor de um serviço singular de internet fixa, pelo menos de forma clara no seu site.

Já terá compreendido onde quero chegar. Ainda assim, olhemos agora para os dados disponíveis. Por um lado, serviços de streaming como a Netflix, que exigem apenas um ecrã e uma ligação à internet, têm disparado em popularidade em Portugal. Entre fevereiro e abril, estas plataformas angariaram perto de 800 mil subscritores no país, num total de assinantes que ascende a 2,58 milhões, segundo um barómetro da Marktest.

Por outro lado, as assinaturas de televisão paga continuam a bater recordes trimestre após trimestre: eram 3,9 milhões no final de 2018, 4 milhões no final de 2019 e 4,2 milhões no final do terceiro trimestre de 2020. Só neste último trimestre, 167 mil famílias passaram a assinar televisão paga, o maior crescimento anual em termos absolutos desde o final de 2015, apontou a Anacom esta semana.

O caso é paradigmático: numa altura em que o streaming nunca foi tão popular, nove em cada dez famílias portuguesas têm televisão paga em casa. E porquê? Porque da mesma forma que havia 4,15 assinantes de TV paga no final do primeiro semestre, havia também 4,15 milhões de subscritores de pacotes de serviços, as chamadas “ofertas convergentes”, segundo outro relatório da Anacom.

Os dois números não são uma coincidência: os pacotes de triple play, a partir dos quais a TV está incluída, dominam o mercado em Portugal, porque são também os que apresentam a melhor proposta de valor para os consumidores portugueses – a imprescindível internet, com a televisão e o velho telefone por atacado. Ou seja, no geral, quem tem uma assinatura de TV em casa, tem também pelo menos outro serviço associado a um pacote de telecomunicações. Muito provavelmente, dois.

Não é isto uma crítica concreta à TV ou ao telefone, este último ainda essencial para muitos cidadãos que, tal como os meus avós, não prescindem do telefone fixo. É, sim, um apontamento sobre a pouca flexibilidade que estas ofertas agregadas conferem aos consumidores, apesar de haver procura mais do que suficiente no mercado para justificar serviços a la carte com preços que realmente façam sentido.

As condições oferecidas pelas principais operadoras não permitem que compense só ter internet em casa, como muitos portugueses gostariam. Isso ficou patente num estudo da plataforma ComparaJá, divulgado em maio e também noticiado pelo ECO.

Os consumidores teriam a ganhar em ter maior flexibilidade, podendo, assim, subscrever os serviços que realmente querem e valorizam. Quem não vê TV não tem de ser forçado a pagar o serviço. E mesmo quem vê, pode, ainda assim, optar pela TDT, que é pública e gratuita, além de que os canais de maior audiência já podem ser legalmente vistos online, nas plataformas das próprias estações, como acontece com a emissão da TVI24 e da RTP3, ou a da SIC Notícias na sua nova plataforma Opto.

Importa notar que o mercado português segue em contraciclo nesta matéria. Enquanto Portugal regista recordes trimestrais de assinantes de TV paga, outros mercados internacionais estão em franca contração.

É o que acontece, por exemplo, nos EUA. Só no primeiro trimestre deste ano, os principais fornecedores de TV por subscrição terão perdido 2,1 milhões de subscritores, mais do dobro da perda líquida registada no mesmo período de 2019, segundo dados do Leichtman Research Group, citados pela Deadline. Mais: a eMarketer estima mesmo que um total de 6,6 milhões de lares norte-americanos prescindam da TV paga em 2020, um recorde absoluto na tendência de “cortar o cabo”.

O tema merece reflexão e a transposição do Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, que tem de ser concluída pelo Governo português até ao próximo dia 21 de dezembro, pode ser a ocasião ideal para encarar esta situação. Sobre ele, contudo, ainda pouco se sabe. Mesmo faltando pouco mais de uma semana para o fim do prazo.

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