Sujeição ao IMI e IMT das barragens do Douro Internacional

O leitor conhece alguma empresa que tenha em curso um negócio complexo e beneficie do privilégio de uma declaração de dois membros do Governo, asseverando que não são devidos impostos?

Em duas ocasiões distintas o Governo, através do Senhor Ministro do Ambiente e da Ação Climática (MAAC) e o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF), anunciou que as barragens do Douro Internacional não estão sujeitas ao IMI nem ao IMT porque são, segunda alegam bens do domínio público. O SEAF utilizou ainda o argumento de que se trata de bens de interesse público.

Estas afirmações poderão ser um pouco inusuais, dado que não é normal ouvir-se um governante excluir a aplicação da lei fiscal num contrato entre privados. A quem compete verificar se os impostos são devidos ou não é à Autoridade Tributária e Aduaneira e, para que esta instituição funcione sem ser condicionada pela tutela política, teria sido prudente estes membros do Governo manterem prudente silêncio.

Acresce ainda que o MAAC afirmou na Assembleia da República, na audição na Comissão de Ambiente, no dia 27 de janeiro, que não conhecia os contratos de transmissão das concessões daquelas barragens. Se não conhecia, como é que sabe que não devem pagar impostos, nem IMI nem IMT?

Sou porém de opinião que ambos esses impostos dão devidos.

Vejamos. Os edifícios e construções das barragens foram erguidos pela atual EDP e, nos termos da concessão de 1954, embora tenham sido construídos em bens do domínio público, são bens privados e estavam inscritos no balanço da EDP até 17/12/2020, data em que foram vendidos, estando agora no balanço da sociedade adquirente.

São do domínio público os terrenos, que foram expropriados para a construção da barragem. São também do domínio público as águas do rio que são utilizadas para a produção da energia elétrica. É também público o licenciamento do direito à utilização desses imóveis para a produção hidroelétrica. Esses direitos foram conferidos à REN pelo Estado, que por sua vez os transmitiu ou subconcessionou à EDP.

Mas o facto de o direito à utilização dos bens para a produção de energia ser um direito de caráter público, não significa que esses mesmos bens sejam públicos. Eles são privados, mas o seu titular, que é a EDP, só os pode utilizar mediante um licenciamento e uma concessão

Esses edifícios e construções das barragens são bens privados. O que é público é o direito à sua utilização. Por exemplo, o no n.º 1 do artigo 91.º, do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, que fala nas “empresas titulares dos centros electroprodutores”.

Do mesmo modo, o artigo 75.º da Lei da Água estabelece que são “infraestruturas hidráulicas públicas aquelas cuja titularidade pertença a pessoas coletivas públicas ou a sociedade por elas dominadas” E acrescenta que são privadas “aquelas cuja titularidade pertença a entidades privadas”.

É certo que existe uma decisão arbitral que defende que as barragens são bens dominiais, mas nela ignora-se, estranhamente, toda a legislação anteriormente citada, que teria sido essencial para uma boa decisão. Ignora também que os centros eletroprodutores estão no balanço das concessionárias que são deles titulares e não no cadastro de bens públicos, como erradamente se afirma. Confunde bens dominiais (que não pagam o IMI e que, neste caso, são as águas do rio e os terrenos) com bens de interesse público. Finalmente, esquece que a declaração de interesse público teve como objeto a construção das barragens e se destinou a permitir a expropriação dos terrenos. E embora a decisão cite o contrato de concessão (que não é de 1944, como erradamente se refere na decisão, mas de 1954), ele não foi analisado, dado que dele consta expressamente e sem margem para dúvidas, que o titular dessas construções era a EDP.

A titularidade privada está prevista no n.º 5 da cláusula 7.ª do contrato de concessão, onde se estabelece que EDP detém “a titularidade” dos bens afetos ao estabelecimento da concessão, que não pertençam ao Estado. As barragens e as outras infraestruturas integrantes do centro electroprodutor que se encontram implantadas no domínio público do Estado e que hajam sido construídas pela concessionária, só revertem para o Estado no fim da concessão (n.º 2 da cláusula 7.ª e cláusula 36). Essa titularidade privada da EDP está consagrada no próprio contrato de concessão originário, de 1954.

Ao contrário do que diz o SEAF, não é a classificação de um bem privado como sendo de interesse público que impede a sujeição ao imposto. É a sua passagem ao domínio público, que ocorrerá na data do final da concessão, quando, nos termos do contrato de concessão (cláusula 36), as infraestruturas passarem para o domínio público e para a posse do Estado

Até lá, sendo bens privados, que estão no ativo de empresas privadas, são prédios sujeitos ao IMI. O artigo 2.º do CIMI estabelece que são prédios sujeitos ao imposto qualquer construção “desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva”, o que acontece neste caso. Mais ainda. O Código do IMI, na parte final desta norma, especifica, que a sujeição ocorre mesmo nos casos em que as construções estão implantadas em terrenos do domínio público, como é o caso das barragens.

Do mesmo modo, ao contrário do afirmado, é também devido IMT pelas transmissões desses imóveis. Este imposto é devido por ambas as transmissões A EDP era sua titular e agora o titular é outra empresa.

Permitam-me uma última pergunta: O leitor conhece alguma empresa que tenha em curso um negócio complexo e beneficie do privilégio de uma declaração de dois membros do Governo, asseverando que não são devidos impostos?

  • Colunista convidado. Antigo subdirector geral da Autoridade Tributária

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