Um orçamento com mais Estado na economia
Face ao Plano de Estabilidade, este OE aumenta o peso do Estado na economia e, ao fazê-lo, aumenta também o risco das contas públicas em caso de abrandamento ou recessão económica.
A proposta de Orçamento do Estado para 2018 marca uma ligeira mudança de planos face ao plano de estabilidade 2017-2021 apresentado há cerca de meio ano. Prevê mais receita corrente (que aumenta 0,3 pontos percentuais do PIB face ao plano de estabilidade). Prevê mais despesa corrente (que aumenta outros 0,3 pontos percentuais). Mas, curiosamente, prevê o mesmo défice e menos dívida (que diminui 0,7 pontos percentuais no OE 2018 face ao plano de estabilidade). É uma espécie de alquimia das contas públicas e que pode correr mal, porque o exercício vai à boleia de uma economia a crescer um bocadinho acima do que estava previsto no plano de estabilidade, e sobretudo de uma factura com juros que hoje se prevê substancialmente mais baixa do que há seis meses, mas que é ainda instável.
Segundo a proposta de OE2018, o PIB vai crescer em termos reais 2,2% em 2018 (contra uma estimativa que no plano de estabilidade era de 1,9%) e a despesa com juros representará 3,6% do PIB (contra 4,0% do PIB). Mas no balanço, tudo considerado, o OE2018 é um orçamento que, face ao Plano de Estabilidade, aumenta o peso do Estado na economia e, ao fazê-lo, aumenta também o risco de deterioração das contas públicas em caso de abrandamento ou recessão económica.
Atendendo às notícias que foram sendo pré-anunciadas nos últimos dias, a remodelação do IRS acaba por surpreender ligeiramente ao contemplar o aumento da taxa média de IRS para rendimentos anuais colectáveis entre 36.856 e 40.522 euros. Ou seja, onde antes apenas rendimentos colectáveis superiores a 40.522 euros (e até 80.640 euros) pagavam uma taxa média de IRS de 37,6%, agora esta mesma taxa média de IRS já será paga por agregados que aufiram rendimentos colectáveis a partir de 36.856 euros (p.61 da proposta de OE2018).
Na prática, há um aumento da progressividade a partir de um patamar de rendimento inferior ao que vigorava anteriormente e que em parte suporta a redução de IRS a pagar pelos que estão nos escalões inferiores. Trata-se de uma alteração que reforça a (já extraordinária) progressividade do imposto em Portugal e isto é mau. Diria mesmo que não havia necessidade.
Do mesmo modo, surpreende também que não se tenha aumentado, conforme foi amplamente antecipado, o limite de isenção de IVA para trabalhadores por conta própria de 10.000 para 20.000 euros. Para além de uma ajuda e de uma simplificação, representaria um incentivo à incorporação na economia formal.
Por fim, é infeliz que não esteja ainda excluída a possibilidade de a derrama estadual em sede de IRC poder vir a aumentar – ao que parece a sua aprovação ocorrerá na discussão de especialidade –, o que a acontecer representaria uma lamentável cedência do executivo ao BE e ao PCP na sua obstinação contra o grande capital (e mais um prego no defunto acordo de regime no IRC).
Do lado da despesa, a poupança em juros, o congelamento nominal de alguns consumos intermédios e o exercício de revisão de despesa pública (finalmente divulgado com algum detalhe, aleluia!) serão cruciais a fim de equilibrar o aumento de outros gastos.
Entre as rubricas da despesa que mais aumentarão não há surpresas. Falamos aqui do descongelamento das carreiras na função pública e da actualização extraordinária de pensões. No entanto, relativamente às carreiras, há que questionar a compatibilidade entre a medida de descongelamento (que acrescenta despesa pública) e o valor da despesa com pessoal (que no exercício, em percentagem do PIB, diminui).
Sendo certo que o valor da despesa com pessoal aumenta em termos nominais (e, portanto, o decréscimo em percentagem do PIB tem a ver com o próprio crescimento do PIB e não com uma redução nominal da massa salarial), a verdade é que cada vez mais, desde instituições externas até alguns economistas afectos ao quadrante político do PS, muitos vão questionando o Governo nesta matéria. Além disso, em 2018 haverá mais um elemento de dúvida: o critério de duas saídas por cada nova entrada (2 por 1), não tendo sido atingido em 2017, será substituído por uma nova regra de 3 por 2. Um critério menos ambicioso e que provavelmente também não será atingido.
Ao invés, no que diz respeito ao investimento público a ambição nota-se; vamos agora ver se é a sério ou se, a exemplo de 2016 e 2017, é apenas para entreter.
O OE2018 representa a continuidade do de 2017. Tem medidas contraditórias. É isso que o torna difícil de caracterizar. Não se percebe para que lado cai a balança. O exemplo das empresas é paradigmático: fala-se no programa capitalizar e nas vantagens de investir em Portugal, ao mesmo tempo que se prossegue a avenida de taxar sectores específicos da economia sem se perceber qual a racionalidade entre os tributos que diferentes sectores pagam. Outrora a banca, a energia e sector farmacêutico, hoje também os fornecedores de dispositivos médicos – para ajudar com o SNS. E isto sem esquecer a derrama de IRC que também deverá aumentar, ou ainda os impostos especiais sobre o consumo (incluindo agora um imposto sobre alimentos com alto teor de sal) que de igual modo continuam a aumentar.
Assim, no meio desta confusão e da falta de nexo entre as medidas, Portugal seguirá navegando à bolina até ao dia em que o vento deixar de soprar a favor. Nessa altura, o défice voltará a aumentar e a dívida provavelmente também. É o que dá meter mais Estado numa economia frágil como a portuguesa: quando a conjuntura é boa, faz-se de modo tranquilo; quando a conjuntura fica adversa é um ‘vê se te avias’. Cristaliza-se a despesa. Num país como o nosso, que precisa de andar depressa para apanhar os outros, dispensar-se-ia um maior peso do Estado. Mas, face às perspectivas de há seis meses, é precisamente isso que o OE2018 faz.
Nota: Por opção própria, a autora não escreve segundo o novo acordo ortográfico
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