A Nova SBE tem uma equipa dedicada à promoção da empregabilidade de pessoas com deficiência. Em seis anos muito mudou, mas a coordenadora diz que continua a ser difícil passar do compromisso à ação.
Jorge estava desempregado. Depois de ter trabalhado, primeiro, num museu e, depois, numa biblioteca, estava à procura de uma nova oportunidade. Essa (ainda) não é uma tarefa fácil para quem, como ele, tem uma deficiência. Mas Jorge conseguiu um estágio numa clínica dentária que, em oito meses, se tornou num contrato de trabalho e, com isso, acabou por transformar a própria empresa que o acolheu.
O relato é feito pelo diretor de recursos humanos das Clínicas Santa Madalena. Ao início, conta, ter o Jorge na equipa significou ter de parar por um bocadinho para perceber de que modo era preciso apoiá-lo. Mas, pouco a pouco, esse hábito transformou-se numa preocupação de todos os elementos da equipa entre si. “Faz-nos perceber que não somos máquinas“, comenta Miguel Fernandes Homem.
A integração de Jorge tem também aumentado a satisfação dos que trabalham na clínica, porque percebem que estão ao serviço de uma empresa que se preocupa com as pessoas, acrescenta.
E tem também transformado o modo como a clínica olha para os seus utentes: “o facto de o termos connosco permite-nos antecipar situações que possamos ter com pacientes [diversos]. Termos uma pessoa com necessidades diferentes ajuda-nos a descentrar“, sublinha.
Já recrutámos mais uma pessoa com deficiência. O objetivo é, em todas as clínicas onde seja possível, ter, pelo menos, uma pessoa com estas características.
Depois do sucesso da integração de Jorge, outra das 21 clínicas dessa rede recrutou uma pessoa com deficiência. O objetivo é continuar a abrir portas, adianta o diretor de recursos humanos.
Entretanto, as Clínicas Santa Madalena juntaram-se também ao Inclusive Community Forum (ICF), uma iniciativa dinamizada pela Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE) com vista a promover a empregabilidade das pessoas com deficiência, que atua junta dos empregadores, mas também dos candidatos.
Entre os 65 empregadores portugueses que já assinaram o compromisso com a inclusão no âmbito desta iniciativa estão, por exemplo, além das Clínicas Santa Madalena, a Nos, a CUF, a Sérvulo e o banco Santander.
Aliás, o manager de talento e diversidade do Santander explica ao ECO que é importante ter esse compromisso, porque “obriga” a ter um recrutamento inclusivo, sendo que de outro modo a pressão de ter de encontrar talento com certa celeridade poderia levar a optar por trabalhadores sem deficiência.
“Recrutar talento com deficiência exige mais tempo. É preciso ir às escolas, às universidades ou até contratar pessoas especializadas para isso. Quando se tem pressão, por vezes é mais fácil ir ao talento sem deficiência“, confessa Fernando Vieira.
“O ICF não nos arranja candidatos”, ressalva o responsável. Mas é um “agregador de vontades”, de experiências e de pessoas, que acaba por agilizar a integração destas pessoas. “Junta famílias, pessoas com deficiência, empresas. Neste momento, junta quase 70 empresas. Posso perguntar: o que fizeram nesse processo? Têm alguém para me indicar? As redes ajudam a que [o recrutamento de pessoas com deficiência] seja agilizado“, declara o manager.
Inclusão, pura e dura, é quando garantimos que estas pessoas [com deficiência] têm as mesmas condições de progressão e mobilidade do que as demais.
Fernando Vieira deixa, porém, um alerta: inclusão “pura e dura” não é só recrutar. É também garantir que “estas pessoas têm as mesmas condições de progressão e mobilidade“.
Exemplo disso é o caso de Joana. Formou-se em Línguas e Literaturas. Primeiro, fez uma licenciatura e, depois, uma pós-graduação. No Santander começou a trabalhar na área de sustentabilidade, mas viu “hipóteses de crescer” e de mobilidade. “Aproveitei“, conta sorridente ao ECO a profissional que hoje trabalha na área da comunicação desse banco.
“Quando fiquei efetiva, o presidente fez questão de ligar a dizer que não era um favor, mas era fruto do trabalho“, lembra Joana, que também já deu o seu testemunho no âmbito ICF.
“Pode ter um efeito multiplicador muito grande, espero eu, noutras empresas, e eventualmente para jovens com deficiência que estejam em busca do primeiro emprego. Ter esta capacidade de partilhar a nossa história, ter este fórum, acho que é muito importante“, salienta.
Um “clube” de empresas para abraçar a diversidade
Nascido em 2018, o Inclusive Community Forum surgiu pelas mãos de uma faculdade (a Nova SBE), mas a partir do desafio de um gestor (Rui Diniz, hoje CEO da Cuf). Quem o recorda é a coordenadora desse programa, Margarida Castro Caldas: “Rui Diniz desafiou a Nova SBE a montar o ICF com o objetivo de pensar em soluções com escala para as pessoas com deficiência”, adianta.
Segundo a mesma, ao criar este programa, a faculdade percebeu que havia, no que diz respeito à empregabilidade destas pessoas, obstáculos em três níveis: nas próprias pessoas (nas suas competências e predisposição) e nas suas famílias, nas empresas e no mercado de trabalho.
“Nas empresas, havia um desconhecimento enorme. Havia alguma vontade [em recrutar], mas não sabiam como fazer”, sublinha Margarida Castro Caldas.
Foi assim que surgiu o compromisso com a inclusão, um pacto que, entretanto, já foi assinado por 65 empresas, de variados setores (além das áreas já referidas — banca e saúde –, há também signatárias do setor tecnológico e dos seguros, por exemplo).
Inclusive Community Forum
– Empresas signatárias do compromisso com inclusão: 65
– Sessões de sensibilização: 26 em 22 empresas
“É um documento onde as empresas se comprometem em contratar colaboradores com deficiência. Comprometem-se a implementar medidas e adaptações internamente que lhes permita dar este passo de contratar pessoas com deficiência”, adianta a coordenadora.
Uma das principais vantagens desse compromisso, frisa a mesma, é os empregadores poderem partilhar entre si as suas experiências. “Neste tema não há concorrência. As empresas querem ajudar-se umas às outras. Temos encontros entre as empresas todas duas vezes por ano (ou seja, semestralmente). É de facto um momento que as empresas valorizam muito, precisamente por terem a noção de que não estão sozinhas”, salienta Margarida Castro Caldas.
A maior dificuldade é passar do compromisso à ação. Temos visto uma evolução, mas gostávamos que houvesse mais. Ainda falta muito conhecimento, muita sensibilização.
Além disso, o ICF promove sessões de sensibilização junto das equipas de recursos humanos e das lideranças (já foram dinamizadas 26 dessas sessões em 22 empresas). E a Nova SBE conta com uma formação de executivos em diversidade e inclusão, que inclui a área da integração de pessoas com deficiência, destaca a coordenadora.
Apesar dos avanços que têm sido feitos, Margarida Castro Caldas admite que há ainda caminho a ser feito. “As empresas querem muito, comprometem-se. A maior dificuldade é passar do compromisso à ação. Temos visto uma evolução, mas gostávamos que houvesse mais. Ainda falta muito conhecimento, muita sensibilização. Só fazendo é que se vai reconhecendo o valor de fazer. Por isso é preciso dar o primeiro passo”, entende a coordenadora.
Preparar os candidatos
A inclusão das pessoas com deficiência não se esgota na sensibilização das empresas. É preciso preparar os candidatos para as oportunidades que estão disponíveis no mercado de trabalho, sendo que ainda há um desencontro considerável entre a oferta e a procura.
“Do lado das pessoas com deficiência, temos a consciência de que muitas vezes faltam as competências que as empresas precisam. Muitas vezes as empresas dizem que precisam de candidatos que falem inglês, que saibam de tecnologias de informação”, realça a Margarida Castro Caldas.
Por isso, a Nova SBE, no âmbito do ICF, tem promovido também ações de capacitação das pessoas com deficiência nas competências “mais quentes”, nomeadamente inglês, competências tecnológicas e soft skills.
Além disso, o Inclusive Community Forum inclui um programa que junta estudantes universitários (sem deficiência) e jovens com deficiência em pares na preparação para o mercado de trabalho, durante três meses.
“Sentimos que a inclusão só acontece se trabalharmos em conjunto com todos. Os alunos universitários são os líderes de amanhã. Portanto, ao mesmo tempo que preparamos as pessoas para o mercado de trabalho, sensibilizamos aqueles que vão ser os líderes. Criam-se amizades que são muito importantes“, declara a coordenadora do ICF, referindo-se ao programa “Peer 2 peer”.
Peer 2 peer
– 136 alunos do ensino superior
– 130 jovens adultos com deficiência
– Seis instituições de ensino superior, entre Lisboa e Porto
Até ao momento, quase centena e meia de jovens com deficiência já beneficiaram deste programa. A par de 136 alunos do ensino superior de seis instituições diferentes, preparam-se, assim, para entrar no mercado de trabalho, e quiçá para replicar o caminho de sucesso de Jorge e de Joana.
Por agora, o desejo desta última é o de que estes vários programas do ICF continuem, mas deixem de ser necessários. “Que já se tenha desmistificado tanto [a integração de pessoas com deficiência no mercado de trabalho] que não se tenha de tentar abrir as mentalidades das pessoas e das empresas“, almeja Joana.
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Inclusão pode transformar as empresas, mas “falta passar do compromisso à ação”
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