Criado em meados de 2018, o OutPerform permite aos departamentos fixar objetivos a cada três meses e com feedback obrigatório. O resultado? Melhor comunicação e visão do caminho a seguir.
Paulo Rosado costuma repetir que sempre quis trabalhar num sítio que não fosse chato. O CEO e cofundador da OutSystems desenhou o unicórnio, não à sua semelhança mas à imagem do seu trabalho de sonho.
“Manifesta-se, em primeiro lugar, num grande respeito pelas pessoas. E respeito neste contexto é dar voz. Somos uma empresa em que cada um que entra pela porta tem algo a dizer, a acrescentar. Não queremos executantes, queremos pessoas que façam genuinamente parte da equipa, que percebam os problemas que a empresa tem para tentar resolver. E por isso somos muito transparentes na partilha dos problemas e objetivos e pedimos a todos que pensem, que deem ideias, que contribuam, que discordem ou que concordem. Essa é uma coisa que existe desde o dia 1 e que permanece até agora”, explica Alexandra Monteiro, vice presidente de People (reporta ao CEO e está responsável pela área de pessoas global), e desde 2011 na OutSystems.
Fundada em 2001, em Lisboa, a empresa comemorou o primeiro ano como unicórnio em junho, denominação atribuída a empresas avaliadas em mais de 1.000 milhões de dólares. A “chegada” ao estatuto foi comunicada a 5 de junho de 2018, dia em que a OutSystems anunciou uma ronda de investimento de 360 milhões feita pela Goldman Sachs e pela KKR, e reflete o crescimento que a empresa tem registado nos últimos anos.
Mas, como todas as estruturas em crescimento, há dores inerentes ao processo de passar de cinco para 1000 pessoas. Para começar, a empresa tem uma estrutura “muito pouco hierárquica e onde há grande informalidade” e esse, assegura Alexandra, talvez seja o ângulo mais valorizado pelas pessoas que entram. Mas enquanto que, quando a empresa era apenas os cinco fundadores, a missão fluía entre sonhos e objetivos, o cenário mudou.
Com sede em Atlanta, nos Estados Unidos, e uma carteira de clientes em todo o mundo entre os quais estão, entre outros, seguradoras, hospitais e bancos, na OutSystems trabalham 1.000 trabalhadores, 700 dos quais em Portugal.
“Entre desafiar e ser desafiado, as pessoas veem valor em estar num contexto onde sentem que, embora uma empresa que há 18 anos tinha cinco pessoas e agora tem 1.000, continua a haver espaço para mudar. E esse impacto é possível quando eu desafio uma ideia, uma forma de pensar. Esse desafio vai desde as pessoas que têm contacto com o CEO e o desafiam com estas ideias até às coisas mais pequenas do dia a dia que nós questionamos: porque é que estamos a fazer as coisas assim e, a partir daí, a melhor forma de ter o maior impacto possível”, detalha Eduardo Andrade, na empresa desde 2015.
É por cá, também, que trabalha a equipa dos recursos humanos que desenvolveu o programa com a mesma idade deste unicórnio: o seu nome de código é OutPerform.
“Pensámos o que queríamos como performance management model para a OutSystems. Sabíamos que era importante que houvesse uma experiência digital a acompanhar tudo e desenvolvemo-la internamente, que é muito mais interessante porque é completamente tailor made para aquilo que era a nossa ideologia e as nossas necessidades para o que queremos para o modelo de negócio”, detalha Alexandra.
Lançado em 2018, o OutPerform é aquilo a que Alexandra chama “uma lógica de mudar as rodas do carro sem parar o veículo”, que é como quem diz, a maneira de a equipa de recursos humanos ser parte da empresa e de, através de um processo, todos e cada um dos mil trabalhadores poderem encontrar, dentro da empresa, o seu propósito. Confuso? Não é para tanto. “O que acontece com um crescimento tão rápido sobretudo nos últimos três anos é que temos de estar sempre a reinventar-nos. Qual é a coisa que tem tornado isto possível? Uma abertura muito grande à mudança. Pessoas que sofrem com a mudança não se sentem bem neste tipo de contexto”, descreve a vice-presidente de People.
Entre desafiar e ser desafiado, as pessoas veem valor em estar num contexto onde sentem que, embora uma empresa que há 18 anos tinha cinco pessoas e agora tem 1.000, continua a haver espaço para mudar.
Mas não é só para garantir que as pessoas não perdem o foco que o OutPerform foi criado; também para aproveitar o processo. “É muito importante a noção de caminho, que o líder saiba mostrar essa luz, essa direção e essa ideia de sucesso. O que estamos a fazer, e porque é que estamos a fazer. Esse percurso é feito pela estrutura de gestão mas depois é preciso, de facto, uma atenção às pessoas. Acreditamos que isso é forma de viver, porque a organização são organismos de pessoas. E isso é ainda mais importante num contexto de tecnologia porque quase toda a gente tem uma oferta na empresa ao lado, há muita procura. E essa aposta para garantir que os melhores decidem aceitar as ofertas e que as pessoas ficam e não decidem sair, tem de ser através desse investimento de ser um colaborador OutSystems”, diz.
Assim, para além de investir em contexto, em formação e apostar em crescimento e em oportunidades, a equipa de Pessoas da OutSystems decidiu reforçar as hipóteses de as equipas darem e receberem feedback.
Negócio vs pessoas
Uma enorme imersão. Completa sintonia entre o negócio e as equipas. “O OutPerform nasce de não querermos ser uma equipa de recursos humanos que acontece ao lado do negócio. Há muitas empresas onde o trabalho e o negócio acontecem, e depois há a camada de processos de recursos humanos, com templates e processos que têm de ser cumpridos. O que quisemos fazer foi garantir que o processo de recursos humanos era uma coisa útil e em completa sintonia com o que está a acontecer nas equipas e no negócio”, explica Alexandra. Tudo porque, estando a OutSystems assente em princípios de agile, tudo é feito em espaços mais curtos de tempo numa lógica de experimentação, falha, melhoria, falha.
“Somos uma empresa orientada à transparência, à comunicação e à colaboração, por isso eu não falo só com o meu chefe e com a minha equipa mas com pares e num ambiente informal mas muito colaborativo. O que o OutPerform desafia é um caminho de trabalho – ao bom trabalho chamamos bom desempenho. Há um calendário trimestral de algumas rotinas que acreditamos que podem fazer a diferença”.
O processo começa, assim, no início de cada trimestre, com a definição de objetivos para aquele período e discussão dos mesmos com o manager. “Cada equipa define os seus objetivos e nós coordenamos o programa”, explica Alexandra. À medida que o trimestre acontece, as equipas vão-se aproximando (ou não) dos objetivos definidos.
"Gosta deste esquema quem está na vida num processo de melhoria contínua.”
“Há sempre qualquer coisa que podias fazer melhor por isso segue-se um segundo momento, que pedimos mesmo que aconteça com o manager, a que chamamos de momento feedback. Serve para conversar sobre as competências e comportamentos que podemos trabalhar, e ver se o manager pode ajudar à passagem para o próximo nível de desempenho”, acrescenta. Esta fase, que acontece sensivelmente a meio do trimestre, valida ainda mais as bases do programa, assente num desenvolvimento gradual mas num curto espaço de tempo e não a olhar para um longínquo plano anual de treino. “Quando acaba o trimestre, em conjunto com o manager, olhamos para os resultados e celebramos se correu bem. Repetindo este ciclo todos os trimestres, acaba por haver uma sintonia quase perfeita entre um programa de recursos humanos mas o trabalho real que está a ser feito, porque os objetivos são a mesma ferramenta e cascata que vem do CEO”, assinala Alexandra, sublinhando que sendo o feedback feito nos mesmos moldes e face a objetivos muito concretos, o processo se simplifica: garante-se que o trabalho acontece e que as ferramentas de recursos humanos ajudam a que o “trabalhinho”, como gosta de referir, “aconteça melhor e mais bem feito”.
Mas monitorizar constantemente a progressão – e a atividade dos trabalhadores – não aumenta a pressão sobre eles?
“Gosta deste esquema quem está na vida num processo de melhoria contínua”, analisa. “E quem vê o feedback como crescimento e até a exigência. Queremos ir mais longe, vai muito do espírito da história de empreendedorismo que aqui fizemos. Se olhar para o nosso CEO, a história dele é de ir sempre subindo o referencial de desempenho. É este mindset que não vê este tipo de programas como pressão mas como uma oportunidade de ir para o próximo nível. É não olhar à falha porque, se o comportamento for o certo, a perspetiva, a forma de estar, falhou-levantou. Pronto”.
E não se pense que entre os objetivos estão cenários de grande sonho ou sonhos quase intocáveis. Quanto mais concreto for, melhor. Eduardo explica que a metodologia usada pelo programa tem como pressupostos duas dimensões: objectives e key results. “Surgiu em 99 e começou por empresas tecnológicas – a Google é uma delas. Diz que o objective é onde quero ir. E os key results são os passos, como eu vou lá chegar. E a própria metodologia incentiva a que os objectives tenham nomes diferentes, sejam coisas que não se esquecem”, explica. Na OutSystems, por exemplo, há casos de trocadilhos, palavras de referência usadas ou situações que representam alguma coisa.
“São essencialmente objetivos que têm a ver com o que estamos mesmo a fazer. Por exemplo, melhorar o resultado no onboarding survey dos trabalhadores que entram neste trimestre, de 4 para 4,5. No marketing, aumentar o pipeline de potenciais clientes de 1.000 para 2.000. São coisas muito concretas”, diz, reforçando que muitos destes objetivos podem ser partilhados por vários departamentos. Caso da renovação da página de carreiras no site da empresa, por exemplo, partilhado pelos departamentos de recursos humanos e de marketing. “É essa noção de partilha que, de repente, nos dá a sensação de que não estamos a trabalhar cada um para a sua equipa mas em comunidade (…) E essa maneira de nos ver, de ser parte, é muito o nosso trabalho também. é ligar a pessoa e o que faz no seu dia a dia a um contexto maior, de maneira a não perder esse propósito”, salienta.
O que faz a OutSystems?
A OutSystems comercializa uma plataforma para desenvolvimento de software empresarial. Por isso, os clientes do unicórnio são empresas e, em particular, departamentos de IT, que usam a plataforma para acelerar o seu processo de desenvolvimento e entregarem aplicações que, por serem mais rapidamente desenvolvidas e facilmente customizáveis, servem mais diretamente as necessidades do negócio e dos utilizadores.
Pequeno livro de grandes regras
Surgiu como “reflexo” de um conjunto de coisas que já existiam e tornaram a OutSystems bem-sucedida, mas que nunca tinha sido sistematizadas. O Small book of the few big rules foi lançado pela primeira vez em 2014, é oferecido a todos os novos trabalhadores da empresa, discutido em sessões de recrutamento e está disponível, para todos, online.
“É o concretizar de uma série de coisas mas também tem uma parte que é criar educação, mostrar às pessoas comportamentos que são mesmo importantes para conseguirmos evoluir enquanto empresa”, conta Alexandra. Um exemplo? Perguntar “porquê?”. “Porque é que a empresa existe. Qual é o problema que está a resolver no mundo? Perguntar porque é que o meu chefe me está a pedir determinada coisa, ou conseguir ligar o meu trabalho ao que fazemos enquanto empresa e àquilo que são as dores do meu chefe. Não nos permitimos estar num contexto em que somos meramente executantes”, assinala.
Antes feito que perfeito
Mesmo trabalhando entre engenheiros, uma das skills que a OutSystems tenta desenvolver é o lado do pragmatismo. “Um engenheiro é uma pessoa de completude, de perfecionismo, de ir ao detalhe. E num contexto de mudança e de rapidez tem de haver sempre o mindset de saber qual é o mínimo que cria valor e que tem de ser entregue na perfeição mas também quais são as coisas que eu vou deixar cair, que não vou fazer. O pragmatismo de priorizar e de escolher só fazer algumas coisas por via de ser eficiente e rápido não é um comportamento natural para muitas pessoas”, assinala a responsável de pessoas da OutSystems.
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OutPerform. Como um unicórnio pede e usa o feedback para crescer
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