Sardinha no pão chega a cinco euros nos Santos Populares. “Já penso duas vezes em comer nos arraiais”

Arraiais de Santo António voltam a encher as ruas de Lisboa, mas os preços da sardinha ou da cerveja começam a retrair o consumo dos locais. No Porto, o Mercado do Bolhão já prepara o São João.

Com a chegada dos Santos Populares, as ruas enchem-se de manjericos, com o cheiro a sardinha a pairar no ar. Num ano em que as festas voltam a acontecer sem quaisquer restrições por causa da pandemia, os portugueses notam uma forte subida nos preços. A sardinha no pão chega a atingir os cinco euros — o que “já faz pensar duas vezes” em comprar — e a cerveja vende-se por quatro euros em alguns locais, ainda que outros tenham mantido os preços do ano passado. Ainda assim, os arraiais continuam a estar cheios e há fila para as banquinhas que vendem bifanas e cerveja, numa mistura de locais e turistas que começam a aderir às festas.

Este ano, a festa na Praça da Alegria começou logo no dia 26 de maio, conta Fábio, do Quiosque Alegria, numa das pausas do atendimento ao público, que se junta nas mesas do jardim. “Já vai fazer duas semanas e está sempre cheio”, indica, sendo que estão abertos todos os dias desde as 9h30 até à meia-noite e à sexta, sábado e domingo até à 1h da manhã.

Santos populares na Praça da Alegria - 05JUN23
Junho é sinónimo de festa a céu aberto. Na Praça da Alegria, a festa começou nos últimos dias de maio. Hugo Amaral/ECO

Natural do Porto e a viver em Lisboa, há quatro anos, defende que “o que aumentou foi derivado à inflação”. Destaca as bebidas alcoólicas, nomeadamente as bebidas brancas e a cerveja, notando que “neste momento está caro”. Segundo o INE, a inflação desacelerou para 4% em maio, mas tal deveu-se em grande parte ao efeito de base e ao IVA Zero. Além disso, o índice referente aos produtos alimentares não transformados ainda se situa nos 8,9%.

Apesar disso, Joana, que trabalha no mesmo quiosque há seis anos, salienta que o preço não mudou. “Temos faturado bastante bem. Aqui na praça temos de manter o mesmo valor, não podemos ir muito longe do valor da concorrência”, relata ao ECO. “Tentamos manter os mesmos preços”, reitera, mas admite que alguns subiram mesmo. “Não muito, mas, por exemplo, aqui uma caneca a cinco euros é mais cara do que na Graça ou Alfama, mas aqui o convívio também é diferente”, acrescenta.

Neste local, duas sardinhas no pão, com pimento, custam cinco euros. O mesmo preço de uma bifana, enquanto o caldo verde sai a 3,5 euros. Já na banca do lado, a sardinha, entremeada e bifana no pão também custam cinco euros, com o caldo verde a subir para quatro euros e uma dose de caracóis a ficar por dez euros.

Nesta banca, a grelha está mesmo em lugar de destaque. Carlos Francisco, gerente do Psicológico, já faz os Santos aqui “há uns cinco ou seis anos”. “Há muito turista, mas o nosso arraial é sempre mais familiar. Assamos a sardinha à frente do cliente, é um verdadeiro arraial. Não temos coisas que não sejam típicas”, afirma, esforçando-se para se fazer ouvir por cima do som da grelha e da música que sai das colunas no coreto.

Santos populares na Praça da Alegria - 05JUN23
Carlos Francisco e uma mista grelhada prestes a sair para a mesa. Hugo Amaral/ECO

A única coisa que foge ao habitual é o porco no espeto, que “recebe” quem entra na praça pela lateral direita, embora seja uma iguaria “já instalada cinco anos”. Mesmo assim, o prato que está a sair mais é a sardinha, que “sempre foi a número 1”, mas “tem de ser a saltar na grelha não pode ser de outra maneira”. Quanto aos preços, garante que “está o mesmo que já tinha no ano passado, não foi mudado”.

Tal não acontece em todo o lado. Maria Santos, 28 anos, conta ao ECO que na Graça pagou quatro euros por uma cerveja e mais um euro pelo copo, que acabou por não ir devolver. Esta é outra novidade que se espalhou pelos Santos Populares: os copos reutilizáveis são outro acrescento à conta, que agora está maior. No arraial desta zona de Lisboa havia lugar à devolução; o que não acontece em locais como o Arraial de Santa Engrácia — onde uma imperial pequena custa dois euros e uma grande sobre o preço — ou no de Campolide.

Já na Praça da Alegria, Joana aceita os copos que têm o patrocínio da Sagres, mas admite que “às vezes a logística é complicada.Mas as pessoas vêm devolver, aqui fizemos a parte dos vales e das senhas”, diz, apontando para um conjunto de papéis coloridos que facilitam o processo. No entanto, “os copos são iguais em todo o lado, por isso até podem ter pago noutro lado e estamos a tirar do nosso”, lamenta.

No Arraial de Santa Engrácia, além dos copos (até para beber uma ginjinha é preciso pagar por eles), também o prato para a bifana é cobrado, como conta Luís. Ali, a sardinha estava a 2,5 euros, o que considerou caro. Se fosse meia dúzia eram nove euros e à dúzia subia para 15 eurps. Apesar de se manter verdade que à dúzia é mais barato, neste caso é mais caro do que o habitual.

Santos populares na Praça da Alegria - 05JUN23
Sardinha e imperial (em copo reutilizável), um clássico dos santos populares.Hugo Amaral/ECO

Inês Lopes conta ao ECO que foi ao arraial no coreto de Carnide e encontrou imperiais entre 1,5 e dois euros, bifanas a quatro euros e caldo verde a três euros. Apesar de não se lembrar do valor o ano passado, admite que o preço da cerveja é “exagerado para um arraial“. A jovem de 25 anos admite que “não dá para aproveitar o mês de Santos sem preocupar com o dinheiro”. Já Paulo Gonçalves foi a Alfama, onde uma sardinha no pão e uma imperial lhe custaram cinco euros. “Já penso duas vezes em voltar a comer uma sardinha no pão”, sublinha.

António Oliveira foi uma das pessoas que passou pela Praça da Alegria, mas acabou por seguir para o Miradouro de São Pedro de Alcântara, onde ia tocar Quim Barreiros, por considerar que os preços eram caros neste local. Ali, onde as barraquinhas que habitualmente já costumam encher o local se transformaram para os Santos Populares, não há sardinhas à vista.

Para quem prefere carne ao peixe, na Madragoa, tanto a entremeada como as febras custam três euros. Na Praça da Alegria, as bifanas saíram a cinco euros. No entanto, nem toda a gente considera este preço exagerado. Para Lynn e Stewart, um casal de Jersey, a maior das Ilhas do Canal, sentado num dos bancos corridos a comer uma dose de sardinhas, aponta que estes preços “são bastante baixos”. “Onde vivemos é muito mais elevado”, acrescentam.

Ainda que alguns turistas “ainda fiquem um bocadinho receosos a provar as sardinhas e bifanas”, como diz Joana, esse não é o caso de Lynn e Stewart. Até porque já estão habituados a estes sabores: onde moram, há vários madeirenses que costumam fazer churrascos deste tipo, contam, ao entardecer na Praça da Alegria.

Já Sonja, uma artista da Etiópia que vive em Lisboa há quatro anos, salienta que a “comida está mais cara”. No ano passado, “havia sardinhas a 3,5 euros e hoje são cinco”. “Mas é normal, depois do Covid-19 as pessoas precisam de fazer dinheiro”, atira, enquanto abana o pé ao som de Amália.

A maioria dos ingredientes utilizados nestes pratos típicos está incluída no cabaz do IVA Zero, um conjunto de mais de 40 bens essenciais que passaram a ter, temporariamente, isenção de IVA. É o caso da sardinha e da carne de porco, bem como o pão ou os ingredientes da saladinha a acompanhar: tomate, cebola e alface, e também o azeite para temperar.

Olhando para os supermercados, o quilo da sardinha fresca ronda os cinco euros. No Continente Online, a sardinha fresca está a 4,99 euros o quilo, sendo que a unidade custa 40 cêntimos. Já no Pingo Doce, segundo a página do Mercadão, o preço é de 5,65 euros por quilo. No Auchan há sardinha fresca a 5,65 euros o quilo, mas também sardinha fresca inteira a 4,99 euros o quilo.

Na Praça da Alegria há ainda uma banquinha de farturas, chamada Carlitos. Enquanto frita a massa, Carmo conta ao ECO que, como as festas este ano começaram mais cedo, “ainda não teve aquela afluência habitual”. Mas “na véspera do feriado, aí sim vai encher”, vaticina. Mesmo com a inflação, mantiveram o preço, ainda que “as pessoas achem sempre caro”, conta.

Santos populares na Praça da Alegria - 05JUN23
Aqui, os churros e farturas estão ao preço do ano passado.Hugo Amaral/ECO

Dentro dos arraiais, dos mais tradicionais aos novos formatos, há ainda a destacar um novo evento na capital. O Santos no Tejo, na Doca da Marinha, é um arraial onde é preciso entrar com bilhete, que custa 7,5 euros. Lá, uma cerveja pequena custa três euros e uma grande cinco euros, com o copo a custar também um euro. Existem várias opções de comida, que incluem piza, pão com chouriço e hambúrguer.

No Porto, já cheira a São João

No Porto, o São João só se festeja a 24 de junho, mas a cidade já começa a preparar-se para a noite mais longa do ano. No Mercado do Bolhão já cheira a manjerico, a playlist já é composta por marchas populares e algumas bancas já têm decoração alusiva à época. Sardinha assada, pimentos, broa, couve e os manjericos são alguns dos produtos que não podem faltar na maior festa popular da cidade Invicta.

A tradicional sardinha ainda não está “no ponto”, mas já são muitos os que a procuram. Um quilo custa sete euros, mas mais próximo do São João pode custar entre 10 a 15 euros o quilo. “Para já, a sardinha está dentro dos preços da época, na altura do São João fica sempre mais caro um bocadinho, mas o preço depende sempre da fartura que há de peixe”, conta Albina Ferreira.

Albina Ferreira junto da sua banca no mercado do Bolhão.Fátima Castro/ECO

A comerciante de 72 anos, que está no Mercado do Bolhão “quase desde que nasceu”, confessa que “mesmo no dia de São João a sardinha ainda não está no ponto” e que “só lá para meio de julho é que a sardinha começa a ficar boa”. A mãe de Albina já tinha uma banca de peixe no mercado e o negócio passou de geração em geração.

A sardinha tem de vir acompanhada da broa, seja de Valongo ou de Avintes. Custa 2,60 euros o quilo e o preço vai manter-se, independente dos Santos Populares. “O preço é o mesmo do ano passado, não subi preços nenhuns. Não aumento os preços por ser festa. Está igualzinho“, destaca Amélia Babo, 70 anos, que está no Bolhão há quatro décadas. A broa com mais saída é a de Avintes. “É uma loucura, é a broa que mais vendo”, diz com um sorriso a comerciante que herdou a banca da mãe, que trabalhou 60 anos no Bolhão.

“Caldo verde sem broa de Avintes não é caldo verde.”Fátima Castro/ECO

Amélia Babo diz que o “caldo verde sem broa de Avintes não é caldo verde”. Na banca de Ana Cardoso vendem-se legumes há meio século. A comerciante diz que no São João os legumes mais procurados são alface, pimento, couves, batatas e cebolas. Só nesta época diz que vende mais de cem quilos de couves, a 2,50 euros por quilo, mas a previsão é que aumente cinquenta cêntimos na altura das festas. “Se não vendermos cem quilos de couves para o caldo verde do São João não é nada”, remata Ana Cardoso.

O pimento verde está a 2,50 euros, enquanto o vermelho sobe para cinco euros por quilo. Ana Cardoso diz que para o São João é possível que os “preços baixem” e que, em comparação com o ano passado, “está dentro do mesmo preço”. Em relação à procura, diz que ainda não sente grande azáfama, mas também que “ainda é cedo”.

Ana Cardoso frisa que a “inflação não está relacionada com a Guerra da Ucrânia, mas sim com a produção. “Quando há pouca produção, os legumes estão caros; quando há muita produção ficam mais baratas”. Dá o exemplo do tomate, que chegou a custar quatro euros por quilo e que baixou agora para 2,50 euros — e a perspetiva é que baixe ainda mais. “Quando os nossos campos começam a dar muita fartura, os preços ficam mais baixos”, diz a comerciante, que trabalha no mercado desde os dez anos.

Carlos Cerqueira junto da sua banca onde vende plantas. Durante os santos populares, o manjerico ganha destaque.Fátima Castro/ECO

Também não foi difícil encontrar os manjericos. Bastou seguir o cheiro que pairava no ar. Entre um e 12 euros, Carlos Cerqueira vende manjericos para todos os gostos e carteiras. O comerciante de 72 anos conta que vende mais de 500 manjericos de um euro e cerca de 200 de três euros na altura do São João. E os “preços estão iguais ao ano passado” e vão manter-se. O comerciante, que herdou o negócio da mãe, está no Bolhão há 70 anos. Diz que veio para este mercado de “chupeta na boca”.

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