A América de quem agora vive em Portugal

O duelo da década está prestes a ter a sua última ronda: Hillary Clinton vs. Donald Trump. Americanos ligados a Portugal explicam ao ECO as suas visões políticas e económicas que marcam as eleições.

“As pessoas vão ter comigo e perguntam o que se está a passar na América”. E o que se está a passar? Vista da Europa, em particular de Portugal, é uma América em mutação. Porquê? Frustração do impasse em Washington, responde Charles Buchanan, empresário que criou a Systemic Sphere. Foi esse bloqueio do Partido Republicano a Barack Obama durante oito aos e a consequente inércia da política americana que trouxeram Donald Trump: “Radical, extremista, um perigo para a presidência dos EUA”, classifica.

“Se Donald Trump ganhar, ficarei em Portugal até ao resto da minha vida e desisto do meu país [risos]. Já é demasiado”, confessa, ao ECO, o americano que já vive em Portugal há décadas. A explicação de Buchanan fala de ingenuidade para explicar o apoio a Trump: “Isto reflete a ignorância do povo americano por não perceber quais são as implicações das políticas de Trump”.

“Se Donald Trump ganhar, ficarei em Portugal até ao resto da minha vida e desisto do meu país [risos]. Já é demasiado.

Charles Buchanan

Ex-presidente da FLAD

E essas implicações são, em grande parte, económicas e internacionais. Charles Buchanan votou em Obama e já deu o seu voto, antecipadamente, em Hillary Clinton, candidata que, acredita, trará uma política de continuidade, mesmo rejeitando o TTIP: “Ela vai ter equipa capaz de enfrentar os desafios”, considera o ex-presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD).

Clinton transpira confiança. Mas o mesmo não se pode dizer da imprevisibilidade da estrela de TV: “Donald Trump é um enigma e os mercados odeiam a incerteza, o que a Presidência dele iria certamente trazer”, considera o professor Dana Redford, envolvido no mundo empresarial português. O presidente da Portugal Entrepreneurship Education Platform (PEEP) considera que a nomeação de Trump para candidato republicano já está a afetar a perceção no exterior, “mas será ainda mais afetada se ele ganhar”, afirma ao ECO.

Donald Trump é um enigma e os mercados odeiam a incerteza, o que a Presidência dele iria certamente trazer.

Dana Redford

Presidente da Portugal Entrepreneurship Education Platform

O professor norte-americano refere uma sondagem recente para se perceber a impopularidade de Trump fora dos Estados Unidos: “Em 45 países, Hillary Clinton ganharia as eleições a Donald Trump com a maioria dos votos, exceto na Rússia”, afirma, citando o estudo pela WIN/Gallup que entrevistou 50 mil pessoas. E há um dado curioso: em Portugal, Trump só teria 5% votos face aos 85% de Clinton.

Sondagens à parte, são muitos os desafios que quem chegar à Casa Branca vai ter de enfrentar: os desempregados de longa duração, a dívida dos estudantes do Ensino Superior, as empresas norte-americanas que se deslocam para outros países e até o Obama Care. A nível internacional, os conflitos armados e a intervenção americana não só têm consequências na geopolítica como na economia mundial. Falta saber quem os vai enfrentar como POTUS (President of the United States ou, em português, Presidente dos Estados Unidos).

O Orçamento de quem vê os EUA de Portugal

São mais de sete mil quilómetros. É esta a distância que separa Portugal dos Estados Unidos. No entanto, como em qualquer país do Mundo, esta eleição importa pela forma como afetará o comércio internacional. Mas é ainda mais importante para os americanos à volta do mundo, como os que se instalaram em Portugal para fazer negócios, promover o empreendedorismo ou fortalecer as ligações em os dois países separados pelo Oceano Atlântico.

É o caso de Dana Redford, dedicado à inovação e empreendedorismo, que pede mais dinheiro no Orçamento para a educação e a investigação científica e médica. Ao ECO, Redford explica que no Orçamento americano existem cinco áreas principais: programas de saúde (25%), segurança social (24%), defesa (16%), programas de apoio social (10%) e juros com a dívida (6%).

Ao investir em educação e investigação, os EUA fariam “render o capital humano e a inovação que faz a América crescer”. “É interessante que ambos os candidatos reconheçam que os 2% atualmente gastos em infraestruturas têm de aumentar”, considera. Redford defende que esta é a base para que depois exista mais investimento privado e um retorno económico que faça o PIB crescer.

É interessante que ambos os candidatos reconheçam que os 2% atualmente gastos em infraestruturas têm de aumentar.

Dana Redford

Presidente da Portugal Entrepreneurship Education Platform

A mesma opinião tem o diretor de Wealth Management do banco BiG em Portugal. Peter Rodrigues afirma ao ECO que “as estradas e linhas de comboio são essenciais para melhorar os acessos do país”. Além disso, Rodrigues refere que a estabilidade do regime fiscal é essencial para que as empresas continuem a investir e a contratar pessoas.

Por outro lado, Peter Rodrigues critica a política protecionista de Donald Trump que pode “afetar o crescimento e a balança comercial a nível mundial”, apesar de considerar que “as exportações e importações não tenham uma importância tão expressiva na economia norte-americana como na economia europeia”. “Penso que não é do interesse das empresas perder acesso aos mercados internacionais, pelo que é importante que a postura política e económica não se torne muito protecionista”, explica ao ECO.

Penso que não é do interesse das empresas perder acesso aos mercados internacionais, pelo que é importante que a postura política e económica não se torne muito protecionista.

Peter Rodrigues

Diretor de Wealth Management do banco BiG

Também crítico das políticas protecionistas é Jonathan Hutchison, consultor independente da Hutchison & Associates (empresa de consultadoria), que até há pouco tempo fazia de Portugal a sua casa. O norte-americano afirma ao ECO que esse tipo de políticas não são compatíveis com os tempos modernos. “Apoio no geral a liberalização das políticas de comércio por acreditar que reflete a realidade de interligação global”, explica.

Não tem dúvidas de que existem “ganhadores e perdedores”, mas essa “é a natureza do capitalismo”. No entanto, defende que assuntos relacionados com direitos humanos e gestão dos recursos ambientais devem ser tidos em conta nos novos acordos comerciais que se estabeleçam.

Jonathan Hutchison quer que o Governo gaste menos em defesa para que possa investir mais em infraestruturas que “melhorem a qualidade de vida dos americanos, criem prosperidade e reduzam a tensão social”. Em causa estão investimentos em educação — assim menos dinheiro “será preciso para prisões ou segurança pública”, diz –, transportes energias ou gestão dos recursos hídricos.

O que une Portugal aos Estados Unidos da América?

Portugal tem muito a ganhar com a economia norte-americana. É que o saldo da balança comercial entre os dois países está, este ano, favorável para a economia portuguesa em mais de mil milhões de euros. Os dados do INE revelam que, no entanto, as trocas comerciais caíram mais de 12% entre janeiro e agosto.

Contributo dos EUA para o Crescimento do Comércio Internacional de Bens português

contributo-dos-eua-para-o-crescimento-01-01
Fonte: INE/AICEP

Os dados do Instituto Nacional de Estatística revelam que as 2.853 empresas portuguesas presentes no mercado norte-americano, segundo uma compilação feita pela AICEP, vendem principalmente combustíveis e químicos. Estes dois produtos representam quase um terço do total das vendas. Dos EUA chegam a Portugal veículos, máquinas e aparelhos.

Evolução do número de empresas portuguesas que exporta para os EUA

exportadoresparaoseua-01
Fonte: INE/AICEP

Ao ECO, o Embaixador dos EUA em Portugal, não tem dúvidas: a relação comercial entre os dois países continuará igual. “O comércio e o investimento entre Portugal e os Estados Unidos continuarão a ser uma prioridade máxima para o governo norte-americano”, afirma Robert Sherman. Prioridade essa que é bilateral e pode continuar a representar “uma grande oportunidade para empresas americanas e portuguesas que procuram investir ou fazer negócio do outro lado do Atlântico”, considera.

Quota dos EUA no Comércio Internacional de Bens português

posicao-e-quota-dos-eua-01-01
Fonte: INE/AICEP

Independentemente do resultado das eleições desta terça-feira, “a política externa norte-americana deve manter-se de forma constante em relação a Portugal”. A convicção do embaixador é que a “aliança e amizade de longa data” continue, “tal como tem acontecido em eleições passadas, e isto aplica-se também às nossas relações comerciais”.

Quota de Portugal no Comércio Internacional de Bens dos EUA

posicao-e-quota-01
Fonte: ITC – International Trade Centre / AICEP

O mesmo se aplica ao “valor estratégico” que os EUA reconhecem a base aérea das Lajes. Robert Sherman diz existir empenho em manter a presença norte-americana “permanente”. “A nossa parceria com Portugal continua a ser robusta em várias áreas, incluindo a paz e a segurança internacional, os direitos humanos, os desafios sociais comuns, a aplicação da lei, a ciência e a tecnologia, e o comércio e o investimento”, elenca ao ECO.

Uma eleição em chamas

As eleições presidenciais nos Estados Unidos não passam despercebidas de ninguém. Na primeira terça-feira depois da primeira segunda-feira de novembro, os americanos já sabem que têm de ir às urnas. A polémica natural numa disputa política inflamou-se este ano com um foco em escândalos, notícias do passado e ataques pessoais entre os candidatos.

“Alguma da retórica da campanha tem sido particularmente intensa e pessoal, e não reflete os objetivos da nossa política externa, nem os nossos próprios valores enquanto Americanos”, considera o Embaixador dos EUA em Portugal. Ao ECO, Robert Sherman, reconhece que “é difícil perceber” essa crispação e que “alguns líderes estrangeiros têm manifestado preocupação em relação ao tom da retórica da campanha nos EUA”.

“As campanhas políticas nos EUA muitas vezes incluem publicidade negativa, usada pelos candidatos para retratar os seus opositores de forma pejorativa, uma estratégica que tem mostrado ter efeitos concretos na influência da opinião pública”, explica Sherman. Essa “forma implacável” de disputar as eleições é reflexo da “liberdade de expressão e a crença inabalável que temos na democracia”, considera. Contudo, Robert Sherman mantém-se “firmemente confiante de que as nossas instituições democráticas irão continuar a prosperar independentemente de qualquer eleição ou concurso político”.

As campanhas políticas nos EUA muitas vezes incluem publicidade negativa, usada pelos candidatos para retratar os seus opositores de forma pejorativa, uma estratégica que tem mostrado ter efeitos concretos na influência da opinião pública.

Robert Sherman

Embaixador dos EUA em Portugal

Apesar do discurso inflamado destas eleições, este é um sistema político com centenas de anos, tal como nos conta a Presidente do American Club of Lisbon, um grupo de americanos que se reúne na capital portuguesa. Mariana Abrantes explica que “o sistema eleitoral é o mesmo há 200 anos praticamente, mesmo as fórmulas de apuramento de vencedores. Os americanos sabem que na terça-feira depois da primeira segunda-feira de novembro é o dia eleitoral de dois em dois anos. Têm isso nas suas agendas”.

A tendência destas eleições tem sido o registo de novos eleitores. “Vai haver uma grande afluência às urnas por eleitores novos. Podem não ser jovens. Podem ser pessoas que nunca tinham votado”, prevê Mariana Abrantes. A portuguesa — que mantém contacto permanente com americanos — avisa que o suspense não está exatamente nestas eleições, mas nos resultados do Congresso e Senado. “Esta eleição é sui generis. Uma das grandes dúvidas que está aqui é o efeito em cadeia [nas outras eleições]”, afirma ao ECO.

Esta eleição expôs o nível de podridão intelectual que existe no eleitorado americano.

Jonathan Hutchison

Consultor independente da Hutchison & Associates

“Verdadeiramente deplorável” – é assim que Jonathan Hutchison classifica o tom da campanha eleitoral. “Pessoalmente, acho que esta eleição expôs o nível de podridão intelectual que existe no eleitorado americano. Só nos faz parecer estúdios e nada sofisticados”, confessa ao ECO. Para Hutchison este é o reflexo do falhanço educacional nos EUA e a “relutância em ter uma visão mais ampla dos assuntos, desafios e soluções”.

Quem partilha desta opinião é Peter Rodrigues que critica a agressividade nos insultos. “A troca de insultos tem tirado o foco de temas muito importantes, como a economia e a defesa nacional, sobretudo num contexto de aparecimento do Estado Islâmico”, argumenta ao ECO.

Este assunto é, aliás, consensual entre os americanos em Portugal. Também o veterano Charles Buchanan refere que os media “são como tubarões, como um tanque de tubarões, que quando cheira sangue numa história vão mais longe porque os escândalo vendem”. Este efeito perverso, defende Buchanan, fez com que “os candidatos não falassem daquilo que é preciso que é a requalificação dos trabalhadores”. “As eleições só dão uma vista rápida da realidade. Apenas aquilo que é sensacionalista, que causa interesse imediato nas pessoas. Há muito mais para além disso”, remata.

Feitas as contas…

Esta terça-feira, quando a votação fechar, feitas as contas, um dos candidatos vai ascender a Presidente dos EUA. Mas quem trará melhores números para a economia? “As propostas do Donald Trump são tão radicais que podem ter um impacto mais negativo a curto prazo. A forma como ele fala dos parceiros, da NATO, entre outros, isso levanta muita incerteza do que a abordagem da Hillary. E a incerteza é sempre um ponto importante para a economia”, explica a também economista Mariana Abrantes.

“As propostas do Donald Trump são tão radicais que podem ter um impacto mais negativo a curto prazo.

Mariana Abrantes

Presidente do American Club of Lisbon

“A título pessoal, como economista, acho que a questão é muito complexa. Com mudanças económicas há perdedores e ganhadores. Não se pode ignorar os eleitores que perdem”, confessa Mariana Abrantes, referindo-se às consequências da globalização e dos acordos comerciais: existem trabalhadores que foram deixados para trás por não conseguirem “reciclar”.

Mais firmes no apoio a Clinton estão Charles Buchanan e Jonathan Hutchison. O consultor independente defende Hillary, apesar de reconhecer que existe uma dependência enorme do Congresso — que está “excessivamente disfuncional”, classifica –, seja quem for o próximo POTUS.

E a crítica a Trump é feroz: “Está a promover uma estratégia económica que favorece os mais ricos e presume que os ganhos dos ricos vão traduzir-se em benefícios para os que estão no espetro económico mais baixo. A história tem-nos mostrado que esta premissa é falsa”, argumenta Jonathan Hutchison.

Está a promover uma estratégia económica que favorece os mais ricos e presume que os ganhos dos ricos vão traduzir-se em benefícios para os que estão no espetro económico mais baixo. A história tem-nos mostrado que esta premissa é falsa.

Jonathan Hutchison

Os mercados acreditam (e preferem, podemos arriscar) na vitória Hillary Clinton [link], algo que se verificou assim que o escândalo dos emails e do FBI foi ressuscitado. De Sillicon Valley, por exemplo, apenas Peter Thiel tem apoiado Donald Trump de forma constante.

E as estrelas de televisão (onde o candidato republicano ganhou fama), cinema e música têm quase todas aparecido ao lado de Clinton em várias iniciativas de campanha. Contudo, existem dois portugueses, com quem o ECO falou [link], que contrariam a ideia de que só há americanos brancos e iliterados a votarem em Trump: são luso-americanos, têm estudos superiores, chegaram acarreiras de topo e apoiam Trump.

Mas quem votam são os americanos. São mais de 300 milhões que têm a decisão final nas suas mãos. Uma decisão que terá impacto nos mais de sete mil milhões habitantes do planeta Terra. Tal como no Brexit, pode haver surpresas e a expectativa permanece até ao último milésimo de segundo. Esta terça-feira de madrugada o Mundo vai dormir com um olho aberto.

Editado por Paulo Moutinho

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

A América de quem agora vive em Portugal

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião