Novo Banco: Seis mil milhões? É “exagerado”
O Lone Star promete pôr o Novo Banco a dar seis mil milhões à economia, dos quais quatro mil milhões às PME. Mas será que este valor não é exagerado? O fundo pode estar com mais olhos que barriga.
O Lone Star está cada vez mais perto de ficar com o Novo Banco. Já tinha a melhor proposta, agora tem o apoio do Banco de Portugal para ser o candidato eleito para comprar o banco de transição depois de um processo negocial em que o fundo norte-americano foi lançando o seu “charme”. Fez já várias promessas: desde manter o banco inteiro, até pô-lo a dar crédito de seis mil milhões de euros à economia, todos os anos. Quanto? Seis mil milhões, num contexto em que todo o setor se retrai. Será plausível, ou o Lone Star está com mais olhos que barriga?
Para demonstrar ao Governo que tem boas intenções para o banco de transição, convidou empresas portuguesas a assumirem uma posição no capital da instituição no âmbito do processo de aquisição do banco de resolução. Um banco a quem as pequenas e médias empresas (PME) recorrem quando querem um empréstimo. “É um banco com uma ligação forte ao setor de empresas. Por isso, será um banco que tenderá a recuperar mais rapidamente do que a média com a melhoria da economia portuguesa”, explica a fonte do setor, lembrando que há bem pouco tempo a carteira correspondia a quase um quarto de todo o crédito cedido às PME.
"De acordo com o plano de negócio do Lone Star, o banco vai disponibilizar mais de seis mil milhões de euros em novos empréstimos por ano aos clientes portugueses, incluindo quatro mil milhões de euros a pequenas e médias empresas”
Nesta carta enviada às empresas, há um número que salta à vista: seis mil milhões de euros. É este o montante que o fundo quer que o Novo Banco ceda por ano a empresas nacionais — o banco fechou 2016 com mais de 22% de quota de mercado no segmento de empresas e negócios. “De acordo com o plano de negócio do Lone Star, o banco vai disponibilizar mais de seis mil milhões de euros em novos empréstimos por ano aos clientes portugueses, incluindo quatro mil milhões de euros a pequenas e médias empresas”, lê-se na carta do fundo norte-americano.
Mas como é que o fundo chegou a este valor? Questionado pelo ECO, o Lone Star diz não querer dar mais detalhes sobre o plano de negócios nesta fase. Mas deixa claro que são seis mil milhões de novo crédito. E não de stock de crédito – um indicador que tem vindo a cair desde que o Novo Banco foi criado. Em 2014, o saldo de crédito a empresas era de 28 mil milhões, valor que caiu para 25 mil milhões em 2015.
Segundo os dados do Banco de Portugal, apesar do ritmo de quebra dos novos empréstimos a empresas estar a abrandar, a realidade é que continua a cair — encolhendo cada vez mais o financiamento à economia. A última vez que o novo crédito cedido às empresas cresceu foi em 2012. Desde então, a tendência foi de queda: passou de 45 mil milhões de euros para os 29 mil milhões no total de 2016. E é neste contexto, que o Lone Star promete conceder mais dinheiro. Muito mais.
Novo crédito cedido às empresas cai desde 2013
Mais olhos que barriga
É difícil imaginar que o Novo Banco conceda seis mil milhões de euros em novo financiamento à economia, dizem os especialistas consultados pelo ECO. Fonte do setor diz que o montante previsto pela Lone Star é “manifestamente exagerado”, considerando os dados do Banco de Portugal. “O crédito concedido a PME no ano de 2016 foi de 17,6 mil milhões de euros, pelo que a quota do Novo Banco (mantendo esse valor) seria de 22%”, explica a fonte ao ECO, um valor que parece ser elevado no atual contexto.
Mas tudo depende da dinâmica de crescimento do mercado. “Se olharmos para todo o crédito a empresas concedido em 2016 em Portugal (29,8 mil milhões de euros), os mesmos seis mil milhões de euros correspondem a cerca de 20%, o que sendo ainda muito elevado começa a ser equacionável. Se admitirmos que a nova concessão de crédito total a empresas (PMEs e grandes empresas) regressa gradualmente à média dos anos 2011-2015 (média anual de 25 a 28 mil milhões de euros no mercado) essa quota seria na casa de 14% a 15% o que já me parece exequível“, refere o especialista do setor bancário.
"Esse valor parece ser elevado no atual contexto (sobretudo se se referir apenas a PMEs), mas dependendo da dinâmica de crescimento do mercado (e admitindo que este regresse gradualmente a valores médios mais próximos de períodos anteriores) isso pode vir a ser admissível sim”
Ou seja, “esse valor parece ser elevado no atual contexto (sobretudo se se referir apenas a PMEs), mas dependendo da dinâmica de crescimento do mercado (e admitindo que este regresse gradualmente a valores médios mais próximos de períodos anteriores) isso pode vir a ser admissível sim”, remata o mesmo especialista ao ECO.
Filipe Garcia, da IMF, concorda. O economista diz que “temos assistido a uma menor procura por crédito, e isso é ainda mais notório nas empresas com melhor perfil de risco“. Uma procura fraca que pode estar a inverter-se. Segundo dados do Banco de Portugal, os últimos três meses de 2016 foram marcados por um aumento da procura de crédito junto de alguns dos principais bancos nacionais, uma tendência que deverá ter continuidade no trimestre corrente. Mas não será fácil chegar aos seis mil milhões prometidos pelo Lone Star. Isto vai exigir sacrifícios, tanto “ao nível das margens do banco ou nos critérios de risco”, conclui.
CGD e BCP. Outros bancos, o mesmo problema
Esta queda na concessão de novo crédito é transversal a todo o setor financeiro, o que tem levado à redução do saldo do crédito à economia. A Caixa Geral de Depósitos (CGD), outra das referências na cedência de empréstimos às PME, tem registado uma redução no stock dos créditos a empresas: passou de cerca de 30 mil milhões em 2014 para 29 mil milhões em 2015 (os dados consolidados mais recentes disponibilizados pelo banco estatal). Então e no BCP? O mesmo. O banco liderado por Nuno Amado acompanha esta tendência. Entre 2014 e 2015, os empréstimos às empresas portuguesas registaram uma quebra de mais de mil milhões de euros.
Queda do crédito não é exclusiva do Novo Banco
A redução dos empréstimos às sociedades não financeiras é transversal às diversas classes de dimensão e às empresas públicas e privadas, segundo dados do Banco de Portugal. O saldo passou de 86 mil milhões no final de 2014 para 77,9 mil milhões no final do ano passado, sendo esta evolução reflexo de um ritmo acelerado de amortização de empréstimos num contexto de taxas de juro muito baixas mas também de um travão na nova concessão de financiamento perante, primeiro, a falta de liquidez, depois, a quebra na procura por parte das empresas.
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