PIB: com que lente quer ver 2016?
O crescimento económico foi assimétrico ao longo do ano passado. E isso dá pano para mangas. Ou números para todos os gostos. Porque não há uns mais verdadeiros do que outros, o ECO mostra-lhe todos.
O comportamento da economia portuguesa em 2016 dá números para todos os gostos. Há uma análise em que o país parece a caminho de um progresso cor-de-rosa, mas há outra que evidencia as dificuldades sentidas ao longo do ano passado. O Governo tem-se esforçado por ver o lado mais simpático da moeda, enquanto a oposição tem feito questão de sublinhar o mais negro. Mas porque não há um sem o outro, e porque os dois são verdadeiros, o ECO conta-lhe a história completa.
“A aceleração do PIB está ancorada em sinais positivos para o futuro. O investimento teve o principal contributo, com um crescimento homólogo de 2,6% e de 5% face ao terceiro trimestre”, fez questão de frisar o Ministério das Finanças, esta quarta-feira, em reação aos dados revelados sobre o crescimento económico do ano passado, pelo INE.
"A aceleração do PIB está ancorada em sinais positivos para o futuro. O investimento teve o principal contributo (…).”
Mas o que diz o boletim? “O investimento diminuiu 0,9% em termos reais, em 2016, após ter registado um aumento de 4,6% no ano anterior”. O Governo está a mentir? Não. Mas não é contraditório? Parece, mas não é.
"O investimento diminuiu 0,9% em termos reais, em 2016, após ter registado um aumento de 4,6% no ano anterior.”
No conjunto de 2016, o investimento teve um comportamento claramente negativo, quando comparado com 2015. Mas se a análise for feita trimestre a trimestre, verifica-se que a segunda metade do ano evidencia uma recuperação. Qual é o dado mais correto? São os dois. Os dados anuais trazem uma leitura mais fiel quando se trata de avaliar o que aconteceu no ano passado. Lá porque a segunda metade do ano foi melhor do que a primeira, não quer dizer que a parte má do ano não tenha acontecido.
Contudo, os dados trimestrais ajudam a ver a tendência. Mostram que há uma boa base para 2017 e reforçam as projeções assumidas pelo Governo para desenhar o Orçamento do Estado do próximo ano.
Esta dualidade na análise do investimento é uma característica comum aos outros motores da economia. Se olharmos para as exportações, importações e consumo privado identificamos o mesmo tipo de leitura. Uma análise anual que mostra que o desempenho de 2016 ficou aquém, em média, do que o verificado em 2015. Mas uma análise trimestral que aponta para uma segunda metade do ano muito melhor do que a primeira metade, e também genericamente superior à atividade que se registava na segunda metade de 2015.
O próximo gráfico mostra essa duplicidade: pode selecionar o período temporal em que quer analisar os dados e ver 2016 a vermelho, ou a verde. Basta clicar em cima da legenda para modelar o gráfico a seu gosto.
Investimento: a Construção explica
Voltando ainda ao investimento, verifica-se que é o segmento da Construção que explica os números. Na análise anual, este foi o setor que deu um contributo maior para a redução da formação bruta de capital fixo. O segmento de Máquinas e Equipamentos também contribuiu negativamente e aqui destaca-se o impacto da venda de equipamento militar à Roménia. Foram 112 milhões de euros que melhoraram os números das exportações, mas que as regras do sistema europeu de contas ditam que sejam simultaneamente classificados como um desinvestimento.
Na análise trimestral, verifica-se que foi precisamente a Construção que recuperou no final do ano passado. Se se olhar à formação bruta de capital fixo (que desconta as aquisições líquidas de cessões de objetos de valor e dá uma leitura mais apurada do investimento) verifica-se até um aumento homólogo de 3,9%, o mais elevado desde o segundo trimestre de 2015.
Exportações: turismo foi a estrela
Em termos anuais, as exportações abrandaram o ritmo face a 2015. O INE revela que cresceram 4,4% em 2016, quando no ano anterior o aumento tinha sido de 6,1%. Este abrandamento foi comum tanto às exportações de bens, como de serviços. O setor do turismo destacou-se pela positiva — o INE nota que acelerou — mas não foi o suficiente para contrabalançar o fraco desempenho dos restantes segmentos.
Já na análise trimestral verifica-se um quarto trimestre a acelerar em todos os segmentos. As exportações de bens aceleraram 6,6% (mais 0,8 pontos do que no trimestre anterior) e as de serviços cresceram 5,9% (mais 0,9 pontos do que nos três meses anteriores). Também aqui o turismo aparece como destaque positivo: as exportações de serviços só cresceram mais depressa por causa deste setor, já que os outros tipos de serviços até desaceleraram.
Importações: à boleia do investimento e consumo
O comportamento das importações foi um reflexo do comportamento do investimento e do consumo privado. Em termos anuais, como estas duas rubricas tiveram um desempenho mais fraco do que em 2015 (o investimento caiu e o consumo privado desacelerou), as importações acabaram por evoluir mais devagar. Como consequência, o saldo externo de bens e serviços melhorou significativamente no ano passado, tendo subido para 1,2% do PIB.
Já na análise trimestral como o investimento recuperou e o consumo privado acelerou, as importações foram arrastadas. Desta forma o contributo da procura externa líquida para o crescimento do PIB ficou prejudicado e o saldo externo de bens e serviços caiu para 0,7%, depois e ter atingido 1,1% no quarto trimestre de 2015.
Consumo: compra de bens duradouros regressa
No conjunto de 2016, o consumo privado abrandou para 2,3%, depois de ter crescido 2,6% em 2015. Este abrandamento foi comum tanto nos bens duradouros, como nos não duradouros. Estes resultados parecem contrastar com a política de devolução de rendimentos seguida pelo Governo de António Costa. Mas a análise trimestral ajuda a identificar os impactos verificados no final do ano.
No último trimestre de 2016 o consumo de bens duradouros por parte das famílias registou um “crescimento intenso”, nota o INE, frisando que a aquisição de automóveis deu um contributo forte para a variação de 12,5%. Este valor fica bem acima do aumento de 7,2% que tinha ido registado no quarto trimestre de 2015. O consumo de bens não duradouros, ainda assim, também acelerou.
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