Brexit: Chegou o Artigo 50. O que significa?
O processo começa oficialmente na próxima semana. De um lado o Reino Unido com a Escócia a espreitar para Bruxelas. Do outro lado uma União Europeia com um livro branco na mesa. Quais são as regras?
Desde que tomou posse que a primeira meta da primeira-ministra britânica era acionar o Artigo 50. Só a partir de dia 29 de março é que se começa a negociar o futuro da relação entre o Reino Unido e a União Europeia. Os cinco pontos do Tratado de Lisboa, assinado em 2007, dão as linhas gerais para o divórcio. De um lado, o advogado britânico, o secretário de Estado para o Brexit, David Davis. Do outro lado, o advogado europeu, o representante da Comissão Europeia para as negociações do Brexit, Michel Barnier.
Ambos vão ter de cumprir, da quarta-feira da próxima semana em diante, o que está escrito e aprovado pelos Estados-membros no artigo 50º do Tratado de Lisboa. No ano em que celebra o 60º aniversário (desde o Tratado de Roma de 1957), a União Europeia tem em mãos o primeiro processo de saída de um Estado-membro. Antes de 2007, o divórcio com a UE nem estava previsto, mas bastou passar dez anos para que essa possibilidade fosse concretizada.
Eis o que resulta deste texto:
- Qualquer Estado-membro, tal como decidiram os eleitores britânicos a 23 de junho de 2016, pode sair da União Europeia, atendendo às “normas constitucionais”;
- Após feita a decisão, cabe ao Estado-membro notificar o Conselho Europeu sobre essa intenção, o que vai acontecer a 29 de março;
- As condições de saída são depois negociadas pela Comissão Europeia e o acordo final tem de ser deliberado por maioria qualificada no Conselho Europeu, além de necessitar previamente da aprovação do Parlamento Europeu;
- O prazo estipulado para chegar a um acordo — para não existir o perigo de um vazio — são dois anos. Depois dessa data ou da entrada em vigor de um acordo, os tratados europeus deixam de ser aplicáveis ao Estado-membro em causa, ainda que o Conselho Europeu possa prorrogar esse prazo se houver unanimidade;
- O próprio Estado-membro que aciona a sua saída não pode participar nas votações do Conselho Europeu a que lhe digam respeito;
- Caso o Estado queira voltar a fazer parte da União Europeia terá de passar pelo mesmo processo que os restantes países passam quando pedem a adesão. Não existe forma (prevista) para fazer stop ao Artigo 50.
As regras são breves e deixam em aberto o modo como as negociações são feitas. Contudo, até abril de 2019, o acordo tem de estar fechado, salvo uma exceção aprovada por unanimidade. Está tudo apostos para começar a negociar e, pelas notícias que vão saindo diariamente na imprensa britânica, o Governo de Theresa May tem já vários planos e muitas declarações em vários âmbitos. Apesar do lado da União Europeia a prudência ter sido maior, há uma coisa certa: vem aí um hard Brexit.
Se é para sair, é mesmo para sair. Essa é a vontade de May que quer cumprir à risca o resultado do referendo que David Cameron convocou. Ainda assim, o significado de um hard Brexit deixa em aberto matérias mais sensíveis como a nova relação comercial — que envolve o atual mercado único europeu e uma série de interesses económicos –, a livre circulação de pessoas (principalmente a situação dos cidadãos europeus que estão no Reino Unido, mas também vice-versa) e a praça financeira da City.
Ao mesmo tempo, May já fez e deve continuar a fazer contactos fora da União Europeia para conseguir acordos comerciais que compensem uma potencial perda da atual livre circulação de bens. Foi o caso da visita da primeira-ministra à Índia e aos Estados Unidos, mercados com muitos milhões de potenciais clientes. O Reino Unido poderá fazer estes acordos, mas apenas depois de sair oficialmente da UE, altura em que também os acordos comerciais da União deixam de se aplicar aos britânicos.
Até internamente os vários ministérios terão um trabalho para colmatar a perda de legislação assim que a saída da UE se efetivar, não só os tratados como as diretivas. O Telegraph escreve até que se espera uma “avalanche” de legislação — nas áreas da saúde e segurança, serviços financeiros ou emprego — assim que a lei europeia deixar de se aplicar. Contudo, também pode existir o caso de o acordo conter um período de transição onde a aplicação das leis comunitárias continue a acontecer temporariamente.
As eleições nos Estados-membros são também determinantes para o processo de negociação. Na Holanda o poder continuou no partido maioritário do Governo em funções, mas a extrema-direita eurocética ficou em segundo lugar. As eleições em abril e no final do ano de dois pesos pesados da UE, a França e a Alemanha, respetivamente, serão cruciais para perceber quem vão ser os líderes europeus dos Estados-membros mais influentes a negociar com Theresa May.
No final, será necessária uma maioria qualificada no Conselho Europeu para que o acordo do Brexit fique com o carimbo de aprovado: isso significa que pelo menos 72% dos membros do Conselho — englobando pelo menos 65% da população total da União Europeia — têm de votar a favor, sem contar com os britânicos.
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