Pensava que o PDE era complicado de perceber? Prepare-se para o que aí vem

  • Margarida Peixoto
  • 24 Março 2017

As regras do Procedimento por Défices Excessivos já são complexas: usam indicadores que não existem e dão pano para mangas. Mas se Portugal sair mesmo do PDE, o que aí vem é ainda mais confuso.

Acha as regras do Procedimento por Défices Excessivos (PDE) — o programa corretivo da Comissão Europeia que obriga Portugal a ter um défice abaixo de 3% — complicadas? Então prepare-se: se Portugal sair mesmo do PDE, as regras para o défice, a dívida e a despesa pública serão ainda mais difíceis de acompanhar.

Esta sexta-feira o Instituto Nacional de Estatística divulga a sua primeira estimativa do défice orçamental de 2016. O número será determinante para convencer a Comissão Europeia a fechar o Procedimento por Défices Excessivos, que abriu a Portugal em 2009. O limite de Bruxelas é um défice de 2,5% do PIB e o Governo tem apontado para um “resultado não superior a 2,1%”. Se o resultado apurado pela autoridade estatística for bom, Portugal fica bem colocado para sair do PDE. E entrar em todo um novo conjunto de regras.

Até agora, o país tem estado obrigado a reduzir o défice para menos de 3% do PIB e corrigir o saldo orçamental estrutural — que desconta os efeitos do ciclo e as medidas extraordinárias — a um ritmo de 0,6 pontos percentuais ao ano. Por causa dos impactos do ciclo, a Comissão foi suavizando as metas e dando mais tempo para que fossem cumpridas. Por isso, na prática, o país não cumpriu estes ritmos de correção do défice, com a autorização de Bruxelas.

Só estes dois critérios têm dado pano para mangas, como mostraram as negociações entre o ministro das Finanças, Mário Centeno, e as autoridades comunitárias no âmbito do Orçamento do Estado para 2017.

Por estar dentro deste procedimento, Portugal não tem sido sujeito a regras relativas à dívida: o Conselho Europeu tem deixado recomendações e orientações, mas não um valor específico de redução. Se se confirmar a saída do PDE, o país fica sujeito a um nível de vigilância menor, mas continua a ter de cumprir um conjunto de regras de finanças públicas. E não são mais fáceis de acompanhar.

Conforme explicou o Conselho de Finanças Públicas em 2014, quando ainda se desconhecia que o Banif teria de ser sujeito a uma medida de resolução e se assumia a possibilidade de Portugal sair do PDE em 2015, assim que o país passar para o braço preventivo do Pacto de Estabilidade e crescimento, fica sujeito a três tipos de controlo: orçamental, de dívida e de despesa pública. Preparado?

Controlo orçamental

Aqui mantém-se o que já estava em vigor durante o PDE. O país não pode superar os 3% do PIB de défice, descontando eventuais ajudas à banca, e tem de caminhar para o objetivo de médio prazo. No caso português significa caminhar para um excedente orçamental estrutural de 0,25% do PIB, a um ritmo de melhoria de 0,6 pontos percentuais por ano. Este objetivo foi revisto em 2015 e é válido para o período de 2017 a 2019. Portugal ficou com o segundo objetivo de médio prazo mais exigente, logo a seguir à Eslovénia, que tem como meta 0,3% do PIB.

O resultado final depende do ponto de partida — se se confirmar o valor esperado pelo Ministério das Finanças no OE2017, respeitar a melhoria de 0,6 pontos por ano significa colocar o saldo num excedente em 2019. Mas se a Comissão Europeia estiver mais próxima do número que será apurado pelo Instituto Nacional de Estatística e pelo Eurostat, em 2019 Portugal continua com um défice estrutural, mesmo que cumpra esta regra.

Em 2015 Portugal não conseguiu baixar o défice estrutural e em 2016 este indicador terá ficado inalterado — o que mostra a dificuldade que o país tem tido em melhorar o número. Uma coisa é certa: Portugal terá implementar medidas de consolidação ainda durante vários anos até atingir o objetivo. O próximo gráfico mostra os valores mínimos exigidos para o saldo estrutural, consoante os diferentes pontos de partida.

Fonte: Ministério das Finanças, Comissão Europeia, ECO

Regra da dívida

Apesar de sair do braço corretivo do Pacto de Estabilidade e Crescimento, Portugal não vai ficar já sujeito à regra de redução da dívida do Tratado Orçamental — a que obriga a reduzir 1/20 do valor que excede os 60% de dívida sobre o PIB, por ano. Como em 2011, quando esta regra foi introduzida pelas autoridades comunitárias, o país já estava sob Procedimento por Défices Excessivos (tinha sido aberto em 2009) Portugal goza de um período transitório de três anos.

E é aqui que tudo se complica. Neste período transitório, aplica-se a regra menos exigente das seguintes três:

  1. Ajustamento linear mínimo calculado com base no passado (2017-2019);
  2. Ajustamento linear mínimo calculado com base no futuro (2019-2021);
  3. Ajustamento linear mínimo corrigido do ciclo (é calculado com base nos anos de 2017-2019, mas é feito um ajustamento de acordo com o PIB potencial).

Primeiro: o que é o ajustamento linear mínimo? É o ajustamento mínimo que será necessário fazer à dívida para que esta não suba. Para calcular este valor, assume-se que o saldo orçamental estrutural conseguido no ano de saída do PDE (no caso português, assumindo a previsão de Inverno da Comissão Europeia, um défice de 2,2%) fica inalterado nos três anos seguintes. Depois, calcula-se a média desse desvio. É este número que vai corresponder ao ajustamento mínimo exigido.

Para saber se o país cumpriu a regra da dívida, basta que numa daquelas três formas de cálculo (passado, futuro e corrigido do ciclo) tenha conseguido o valor mínimo de ajustamento na dívida.

Pode acontecer que para cumprir este valor de ajustamento mínimo na dívida seja exigido, no final das contas, um esforço menor de contenção orçamental do que o exigido por via da regra do Objetivo de Médio Prazo. Neste caso, o que conta é o ajustamento mínimo para o OMP (os 0,6 pontos percentuais) porque cumprindo-se esta regra, a da dívida fica também automaticamente respeitada.

Regra da despesa

A regra de despesa tem de ser observada a partir do ano em que o país já não está no Procedimento por Défices Excessivos — assumindo que Portugal sai, será a partir de 2017. De acordo com esta regra, o crescimento da despesa fica sujeito a um limite. Para apurar qual é o limite, deve ter-se em conta três parâmetros:

  1. O agregado de despesa relevante. Não são todos os gastos públicos que contam para esta regra. Há que descontar as despesas com juros; as relativas a programas da União Europeia (UE) inteiramente cobertas por receitas e fundos da UE; os gastos não discricionários com subsídios de desemprego; e as despesas de investimento do ano presente. Depois, soma-se a média da despesa de investimento dos últimos quatro anos.
  2. A taxa de referência de médio prazo para o crescimento do PIB potencial.
  3. A margem de convergência para países que ainda não atingiram o Objetivo de Médio Prazo.

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