Vêm aí previsões pessimistas de Bruxelas? Carta sugere que sim
As projeções da Comissão Europeia para a evolução do saldo estrutural português deverão ser mais pessimistas do que as do Governo.
Esta quinta-feira, a Comissão Europeia prepara-se para apresentar as Previsões Económicas de primavera – um relatório fundamental para definir as recomendações de política económica e orçamental que os comissários aprovarão para cada país. E os primeiros sinais, no que diz respeito aos resultados do esforço de consolidação orçamental, apontam para projeções mais pessimistas do que as que o Governo português inscreveu no seu Programa de Estabilidade.
Na semana passada, Mário Centeno, ministro das Finanças, juntou-se aos homólogos de Espanha, Itália e França e os quatro enviaram uma carta para o vice-presidente da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, e para o comissário para os Assuntos Económicos e Financeiros, Pierre Moscovici.
Na missiva, noticiada pela Bloomberg e depois avançada na íntegra pelo Dinheiro Vivo, os líderes criticam a metodologia utilizada pela Comissão Europeia para calcular o PIB potencial – um indicador não observável e que procura estimar qual será o potencial de crescimento subjacente de uma economia, excluindo os impactos do ciclo económico concreto que esta atravessa.
Os governantes defendem que o método de cálculo que está a ser usado por Bruxelas prejudica particularmente os países que atravessaram uma crise económico-financeira profunda e prolongada, não refletindo adequadamente os ganhos potenciais que advêm da implementação de reformas estruturais.
No final, pedem claramente aos comissários que tenham estes argumentos teóricos em conta nos planos dos próximos meses, que vão servir de base às recomendações de política económica e orçamental específicas para os diferentes países. O valor do PIB potencial é particularmente determinante para definir as políticas futuras: é com base nele que se calcula o saldo orçamental estrutural, um indicador chave para orientar a dimensão do esforço de consolidação (em tempos, sinónimo de austeridade em Portugal) que cada país precisa de fazer.
E é aqui que aquilo que parece uma mera questão teórica, digna de académicos, se transforma num debate com implicações no dia-a-dia dos cidadãos. O ECO sabe que o Governo seguiu as regras de Bruxelas para desenhar o seu Programa de Estabilidade, mas apenas no que diz respeito às do Procedimento por Défices Excessivos.
Traduzindo, quando o documento português diz “refira-se que o cálculo do produto potencial segue a metodologia da Comissão Europeia” estará, na verdade, apenas a referir-se às regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento que ajudam a identificar o que são medidas extraordinárias com impacto no défice, e a excluí-las das contas.
Mas quanto ao modo de estimação do próprio produto potencial, uma fonte próxima do Executivo garantiu ao ECO que as Finanças estão a usar a sua metodologia. Ou seja, não é uma divergência na aplicação de regras comunitárias, mas antes uma diferença de métodos econométricos.
“Não há nenhum mecanismo que assegure uma sincronização com a estimativas da Comissão”, confirma outra fonte próxima do Executivo, ao ECO. No final das contas, a evolução que o Governo português estima para o saldo estrutural nos próximos anos sai mais otimista do que a de Bruxelas, porque os vários PIB potenciais que o Executivo está a assumir para Portugal são mais elevados.
Aliás, quando avaliou o esboço de Orçamento do Estado para 2017, a Comissão Europeia calculou que com as medidas identificadas o saldo estrutural ficaria inalterado face a 2016 e pediu ao Governo português que intensificasse o esforço de consolidação, de forma a cumprir a correção de 0,6 pontos percentuais. No Programa de Estabilidade, o Governo português aponta para uma correção de apenas 0,3 pontos percentuais este ano.
É por isto que o Governo estará a antecipar que os números de Bruxelas serão menos favoráveis do que os seus, sabe o ECO. É esta a expectativa também de um perito em contas públicas e de uma fonte próxima do Governo, que preferiram não ser identificadas, mas que garantiram que a leitura que faziam da carta era esta. E não é que com a carta os quatro ministros das Finanças acreditem poder mudar, na prática, alguma coisa nas Previsões de primavera que serão apresentadas já na quinta-feira.
Nas nossas avaliações a Comissão Europeia aplica as regras e a metodologia que foram definidas de comum acordo por todos os Estados-membros para assegurar que todos são tratados da mesma forma.
Aliás, a reação de Bruxelas à missiva foi perentória: “Nas nossas avaliações a CE aplica as regras e metodologia que foram acordadas de comum acordo por todos os Estados-membros para assegurar que todos são tratados da mesma forma”, disse a porta-voz Annika Breidthardt, repetindo a garantia que já tinha dado ao ECO de que a Comissão vai responder.
Porém, este documento, como explicou outra fonte próxima do Governo ao ECO, serve para manter elevada a pressão sobre a Comissão Europeia para mudar a metodologia. Este é um diálogo que tem vindo a ser feito desde que o Executivo socialista assumiu funções e apresentou o seu primeiro esboço de Orçamento do Estado (na altura para 2016) à Comissão Europeia.
Conforme explicou outra fonte ao ECO, o debate fica sempre mais aceso no âmbito dos Orçamentos do Estado do que no contexto dos Programas de Estabilidade. Como o Programa de Estabilidade projeta números para um horizonte temporal, os dados utilizados vão incorporando as melhorias económicas dos anos seguintes, num efeito de arrastamento. Já no âmbito do Orçamento do Estado, como se trata de projetar o PIB potencial para um único exercício, o PIB potencial é calculado com base em exercícios que ainda estão muito afetados pela crise económica e financeira, resultando num enviesamento conservador dos números.
Apesar desta divergência nos números do saldo estrutural dos próximos anos, a saída de Portugal do Procedimento por Défices Excessivos está bem encaminhada. Depois de Moscovici ter dito que a Comissão deverá tomar a decisão em breve, e de o Governo vir reafirmando essa expectativa, este domingo o comentador Marques Mendes disse ter informação de que a saída será anunciada pelo Executivo no final deste mês.
Contactada, a Comissão Europeia remeteu para os comentários da porta-voz Annika Breidthardt e declinou fazer mais comentários sobre os motivos que terão levado os países a enviar a missiva. O Ministério das Finanças também não fez comentários.
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