UTAO: reavaliação de ativos é como o Estado financiar-se a 15% de juros

  • Margarida Peixoto e Cristina Oliveira da Silva
  • 12 Julho 2017

UTAO avaliou o impacto do regime de reavaliação de ativos e concluiu que beneficiou sobretudo cinco empresas, com especial destaque para a EDP, que representou metade do programa.

O regime de reavaliação de ativos foi criado para ajudar as empresas a reduzir o seu endividamento, no âmbito do Programa Recapitalizar. Mas na prática, diz a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), este regime equivale ao Estado financiar-se junto das empresas a um juro de 15%. A conclusão consta de um relatório de avaliação aos impactos da medida, distribuído esta quarta-feira aos deputados da comissão de orçamento e finanças.

“Na hipótese de os fluxos subjacentes a este programa serem equiparados aos de um instrumento financeiro, poderá concluir-se que a reavaliação de ativos equivale a um financiamento do Estado a uma taxa que pode atingir valores superiores a 15%,” lê-se no documento, a que o ECO teve acesso.

Já do ponto de vista das empresas, este programa foi o mesmo que investir o dinheiro numa aplicação financeira com taxas de juro que podem atingir 15,5%.

Mas há um ponto fundamental: este benefício acabou por ser atribuído a um conjunto muito restrito de empresas, com especial destaque para uma única entidade — a EDP.

O caso específico da EDP

“O número de empresas que aderiram ao programa é residual, quando comparado com o universo de empresas potencialmente abrangidas, e a distribuição é bastante assimétrica, com apenas cinco empresas representando cerca de dois terços do valor total reavaliado,” notam os peritos do Parlamento.

Por isso, “o facto de ter aderido apenas um conjunto muito pouco significativo de empresas, coloca dúvidas quanto ao cumprimento dos objetivos deste programa, nomeadamente ao nível da melhoria dos capitais próprios das empresas portuguesas“, diz a UTAO. No entanto, acrescenta, há “algumas poucas empresas que poderão vir a beneficiar consideravelmente, nomeadamente se se vier a confirmar a sua expectativa quanto aos lucros futuros.”

Em números concretos, beneficiaram deste regime apenas 183 empresas, o equivalente a 0,016% do universo potencial e 0,085% do conjunto de empresas que apresentaram lucros no exercício. Mas uma única empresa, a EDP, foi responsável por cerca de metade do valor total das reavaliações e da coleta fiscal conseguida através da tributação autónoma.

O facto de ter aderido apenas um conjunto muito pouco significativo de empresas, coloca dúvidas quanto ao cumprimento dos objetivos deste programa, nomeadamente ao nível da melhoria dos capitais próprios das empresas portuguesas.

UTAO

Análise do Impacto Orçamental da Reavaliação de Ativos

Consultando o relatório e contas da empresa, a UTAO verificou que 1.185 milhões de euros de valor reavaliado, de um total de 2.300,8 milhões, dizem respeito à EDP. Por conta desta reavaliação, a empresa pagará 165 milhões de euros de impostos, entre 2016 e 2018. Mas no futuro, a EDP tem direito a uma redução de 339 milhões de euros na sua fatura fiscal. Ou seja, o regime de reavaliação de ativos dará à EDP um benefício fiscal líquido de 174 milhões de euros, partindo do princípio que a empresa terá lucros para abater este benefício.

Em março, a presidente do CDS, Assunção Cristas, acusou o Governo de dar uma “borla fiscal” às grandes empresas, apontando nomeadamente para a “vantagem” de 174 milhões de euros que a EDP conseguia com a reavaliação de ativos. Um valor que a UTAO vem agora confirmar.

Mas há mais: o facto de a reavaliação de ativos ter sido para efeitos fiscais e não contabilísticos levou a que a base de incidência da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) não tivesse alterações. Caso contrário, a EDP aderido teria pago mais 10 milhões de euros de CESE em 2017.

Governo perde 242 milhões de euros, no mínimo

Ao todo, a UTAO estima uma perda de 242 milhões de euros (este é o valor atualizado líquido, com referência a 2016), na melhor das hipóteses. Este impacto resulta de uma receita acumulada de 312 milhões de euros nos primeiros três anos e de uma despesa fiscal prevista de 555 milhões de euros nos oito anos seguintes.

Mas esta é uma “hipótese relativamente conservadora”, alertam os peritos, uma vez que se considerou a menor majoração e o período máximo de amortização de oitos anos. Na pior das hipóteses, com um período de amortização de cinco anos, a perda atualizada líquida atinge 268 milhões de euros. Neste caso, o custo de financiamento passa dos 15,5% para 21,2%.

Esta estimativa de custos difere de forma significativa do impacto calculado pelo Ministério das Finanças. Nas contas do Governo, o custo atualizado líquido da medida é de 63,5 milhões de euros, o que corresponde a um custo de financiamento de 7,9%. Este exercício compara diretamente com a hipótese mais conservadora da UTAO.

O exercício disponibilizado pelo Ministério das Finanças considerou apenas a taxa de IRC de 21%, uma opção incompleta que contribuiu para minorar o efeito global negativo para o Estado.

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Análise do Impacto Orçamental da Reavaliação de Ativos

Como é que isto se justifica? Primeiro, há alguma diferença nas hipóteses assumidas. Mas a “principal diferença resulta do facto de o Ministério das Finanças não ter considerado o efeito na despesa fiscal futura que decorre da aplicação da derrama estadual, da derrama municipal e dos respetivos efeitos de majoração,” explica o relatório.

Ou seja, enquanto o Ministério considerou apenas a taxa de 21% de IRC, a UTAO considerou uma taxa global entre 29,5% e 31%, incluindo IRC, derramas e majoração. Os peritos consideram a opção do Governo “incompleta” e como tendo contribuído “para minorar o efeito global negativo para o Estado.” Uma omissão que a EDP não cometeu.

Regime ajuda o défice esta legislatura. Prejudica na próxima

“Na perspetiva do Estado, foi possível obter uma receita fiscal imediata, concentrando o impacto positivo sobre as contas públicas no triénio 2016-2018, embora com potencial impacto negativo nos anos subsequentes,” diz a UTAO. Mas será o efeito relevante? A UTAO fez as contas.

Impacto na contabilidade que importa a Bruxelas

Nota: Para o período entre 2017 e 2021 utilizou-se o PIB nominal que consta no Programa de Estabilidade 2017-2021 do Ministério das Finanças. A partir de 2022, considerou-se um crescimento do PIB nominal de 3,8% ao ano (igual ao previsto para 2021). Fonte: Ministério das Finanças e cálculos da UTAO

Conforme mostram os cálculos dos especialistas em contas públicas, nos primeiros três anos a tributação autónoma especial garante ao Estado uma coleta fiscal de 107 milhões de euros. Mas nos anos seguintes poderá esperar-se uma quebra na receita fiscal — por via dos benefícios — na ordem dos 85 milhões de euros ao ano.

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