Conheça o regime de reavaliação de ativos

  • Cristina Oliveira da Silva
  • 3 Novembro 2016

Decreto-lei foi publicado esta quinta-feira e entra em vigor amanhã.

As empresas vão poder reavaliar os seus ativos mas, para isso, terão de pagar 14% sobre o valor da diferença. O diploma que enquadra este regime facultativo entra em vigor esta sexta-feira e as empresas têm até 15 de dezembro para pagar a primeira parcela. Conheça o regime.

Que ativos podem ser abrangidos?

De forma genérica, os ativos fixos tangíveis e as propriedades de investimento. O primeiro caso corresponde a “uma classe contabilística que agrupa os ativos com natureza corpórea e que são usados como auxílio à produção ou à atividade da empresa”, explica Miguel Puim, da EY, dando o exemplo: “maquinaria, edifícios fabris, computadores”.

Propriedades de investimento são “bens imóveis, portanto, terrenos ou edifícios que são detidos pela empresa para atividade de rentabilização através de arrendamento ou venda”, indica ainda o fiscalista.

O decreto-lei também abrange os ativos de natureza corpórea afetos a contratos de concessão.

Porém, há pormenores a ter em conta. Desde logo, só são abrangidos ativos que têm pela frente uma vida útil superior a cinco anos, de acordo com a “tabela fiscal que indica a vida útil dos bens”, sublinha Miguel Puim. Caso contrário, têm de contar com uma “vida técnica de, ainda, pelo menos cinco anos”, remata.

Fora deste regime de reavaliação ficam, por exemplo, os elementos com custo de aquisição ou produção abaixo de 15 mil euros e bens que não sejam depreciáveis ou amortizáveis. É o caso de “obras de arte”, indica Renato Carreira, da Deloitte, ou de “viaturas que excedam um determinado valor”, exemplifica Miguel Puim.

Sendo feita a reavaliação, esta tem de incidir sobre todos os elementos da mesma classe de ativos do estabelecimento. O decreto-lei elenca aquilo que considera ser algumas classes de ativos: “edifícios e outras construções”, “instalações”, “máquinas, aparelhos e ferramentas”, “mobiliário e suportes fixos”, entre outros.

A reavaliação reporta a 31 de dezembro de 2015, se o período de tributação coincidir com o ano civil.

Como é feita a reavaliação?

Aplicando-se os coeficientes de atualização correspondentes aos anos a que reportam os valores base da reavaliação. “Estão publicados os coeficientes de desvalorização da moeda e é sobre o valor líquido que os bens têm que vou aplicar estas taxas”, indica Renato Carreira.

Há no entanto um limite máximo: o valor líquido do bem reavaliado não pode exceder o do valor de mercado.

No caso de elementos ainda não reavaliados — que serão a maioria já que o regime anterior é antigo, explica o partner da Deloitte — os valores a reavaliar são os custos de aquisição ou de produção. Se o ativo já tiver sido reavaliado, o montante a avaliar agora é aquele que se obteve da última apreciação.

Qual a contrapartida?

Para aderir ao programa, as empresas ou empresários em nome individual com contabilidade organizada têm de pagar, em três anos, uma tributação autónoma especial equivalente a 14% do valor da reserva de avaliação, ou seja, da diferença entre o valor inicial do ativo e aquele que resulta da avaliação.

Um terço destes 14% deve ser pago já até 15 de dezembro. O valor restante é pago, em partes iguais, até 15 de dezembro de 2017 e 2018.

Para Renato Carreira, o período de adesão é “limitativo”, porque as empresas têm de fazer “as contas todas, obter autorizações e pagar um terço” num período curto. “É pouco tempo para a decisão”, diz.

A crítica estende-se a Miguel Puim, que recorda que neste prazo as empresas têm de “entregar uma declaração que ainda não está publicada e pagar a primeira tranche de tributação autónoma”.

E se o valor de reserva for superior a um milhão de euros?

Neste caso em concreto, os valores máximos de reavaliação e o período de vida útil remanescente dos ativos “devem ser determinados com base em avaliação efetuada por entidade externa idónea e confirmados mediante relatório de um revisor oficial de contas independente“, lê-se no decreto-lei.

Qual a vantagem de aderir ao regime?

Antes de mais, a empresa paga, em três anos, 14% sobre o valor da reserva de avaliação. Mas esse valor é depois convertido em poupança a partir de 2019 (por referência ao exercício de 2018).

Como? Os fiscalistas explicam. Olhando para um bem “cujo valor fiscal passou de 100 para 110” depois da reavaliação, “terá uma reserva de reavaliação de 10, que a empresa vai poder utilizar como gasto fiscal enquanto depreciação, ou seja, a empresa dividirá os 10 pela vida útil remanescente do bem e utiliza-os como uma parcela a reduzir ao lucro tributável” naqueles anos, refere Miguel Puim. Por outras palavras, encolhe a base sobre a qual incide o IRC (ou IRS no caso de empresários em nome individual). A empresa paga então 14% sobre esta parcela, mas depois esta deixa de contar para efeitos de pagamento de IRC, poupando mais do que o montante gasto.

Além disto, também há majorações que tentam colocar em pé de igualdade a poupança, em termos percentuais, de empresas com lucros distintos. Atualmente, além da taxa de IRC (21%), as empresas podem estar sujeitas a derrama municipal (até 1,5%) e estadual (entre 3 e 7%), consoante os lucros. Podem então pagar entre 21% e 29,5%.

Portanto, a poupança das empresas seria “tanto maior quanto maior o lucro”, sublinha Renato Carreira. Para colmatar esta diferença, o decreto-lei introduz majorações.

Uma empresa que não tem derrama estadual beneficia da redução do lucro tributável resultante da reavaliação e ainda conta com uma redução adicional de 7%. Estão previstas majorações intermédias, de 5,5% e 3%, para empresas no primeiro e segundo escalão de derrama estadual. “Estamos a atenuar, mas não a neutralizar, o efeito da derrama estadual no valor da poupança”, acrescenta Miguel Puim. Já Renato Carreira entende que esta cláusula neutraliza mesmo as diferenças.

“Se não houvesse esse mecanismo, no futuro uma pequena empresa só poupava 21% enquanto uma grande empresa poupava 21% mais 7%”, explica o partner da Deloitte. Portanto, as pequenas empresas podem “deduzir o valor da amortização acrescido de 7%”, continua. Esta salvaguarda faz com que “todas as empresas, pequena ou grande, tenham o mesmo benefício no futuro”, acrescenta.

O decreto-lei também permite que as empresas possam antecipar a poupança no caso de ativos com vida útil remanescente mais longa. Quando esta é superior a oito anos, a empresa pode “recuperar amortizações adicionais” nesse período, indica ainda Renato Carreira. Assim evita-se que a recuperação se estenda por muitos anos.

Contas feitas, os benefícios deste regime são colhidos ao longo de um período que varia entre cinco anos — período mínimo de vida útil remanescente dos ativos — e oito anos — porque o regime dá a opção de introduzir este limite, indica Miguel Puim. Os cinco anos começam a contar, na prática, em 2019 ainda que por referência ao ano de 2018.

Os elementos reavaliados têm de ser mantidos pela empresa?

Sim, durante cinco anos pelo menos. Ou se forem alienados, o valor tem de ser reinvestido em ativos fixos tangíveis ou propriedades de investimento — no conjunto, a empresa tem de manter os ativos por cinco anos.

Caso contrário, as empresas têm de “devolver os benefícios que tiveram”, diz Renato Carreira. E há uma penalização adicional de 30%

Que empresas têm vantagens em aderir a esta medida?

Só têm vantagens em aderir as empresas que pagam IRC e que tenham perspetiva de ter lucro tributável no futuro, dizem os especialistas.

“Vale a pena para empresas que tenham perspetivas de ter lucro tributável suficiente para acomodar o acréscimo de depreciações, porque só assim há benefício fiscal”, salienta Miguel Puim. Caso contrário, a empresa paga 14%, mas depois não vê o retorno.

Além disso, têm de ser empresas “com capacidade financeira para adiantar os 14% em três anos e só recuperar no futuro”, continua. Por fim, a empresa tem de perceber se “o perfil de ativos, pela sua antiguidade e pela vida remanescente dos bens, dá um benefício relevante”, alerta o fiscalista.

“Para a micro e pequena empresa é um regime pouco atrativo porque tem um impacto financeiro à cabeça e uma recuperação no futuro. Mas para empresas de média dimensão pode ser um regime interessante, e daí para cima certamente”, acrescenta Miguel Puim. “Mas não concordo com a ideia de que é um regime só para as grandes empresas“, conclui.

Renato Carreira avisa desde já que há decisores que “têm muitas dúvidas sobre o mérito de uma alteração destas” e sobre a própria estabilidade fiscal: “O que garante que daqui a uns anos não vem novo Governo — ou mesmo este — que diz que afinal as amortizações já não são totalmente aceites ou há tributação adicional especial?” O fiscalista adianta que “empresas com capacidade financeira para adiantar o dinheiro e com uma perspetiva estável de lucros no futuro estão a ponderar” aderir ao regime “mas algumas já decidiram não avançar pela incerteza que existe”.

Decididas a avançar ainda não ouvi nenhuma, que estão a ponderar, naturalmente que sim“, refere Renato Carreira. “Acho que vai ter um alcance limitado, não vai ser uma adesão generalizada”, remata.

O ministro das Finanças já disse a Bruxelas que está a contar com um encaixe de 125 milhões de euros por ano nas receitas fiscais por causa deste regime de reavaliação de ativos.

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