Como é que o Orçamento entrou e como vai sair do Parlamento?

  • Marta Santos Silva
  • 27 Novembro 2017

Seja através de concordância dentro da Geringonça, seja com coligações "negativas", seja com a abstenção de um lado que deixa passar medidas do outro, os partidos aprovaram as suas mudanças ao OE2018.

Esta segunda-feira será aprovado no Parlamento o Orçamento do Estado para 2018, na sua versão final que já incorpora as alterações propostas e aprovadas pelos partidos. O PSD e o CDS deverão votar contra, enquanto os partidos do acordo parlamentar de esquerda vão, à partida, aprovar o texto final que vai determinar a ação do Governo e as contas públicas no próximo ano. Como sai o Orçamento do período de discussão na Assembleia da República? Segundo o ministro das Finanças, “melhor do que antes”.

Para Mário Centeno, a discussão no Parlamento enriqueceu o documento original do Governo. “O Orçamento que temos para executar em 2018 é um orçamento de rigor, robusto, de apoio à economia, de apoio às famílias, de melhoria dos serviços públicos e seguramente todo o Governo se revê no Orçamento”, afirmou este sábado à agência Lusa. O ministro das Finanças considerou ainda que existe “um enorme consenso em torno das principais medidas” a implementar. Mas que medidas são essas — ou melhor, quais as novidades?

O Governo tinha proposto um novo imposto apelidado “imposto do sal”, que taxaria a 80 cêntimos por quilo as bolachas, biscoitos, batatas fritas e flocos de cereais que tivessem mais de um grama de sal por cada 100 gramas. Na proposta do Governo previa-se um rendimento de 30 milhões de euros anuais que seriam consignados ao Serviço Nacional de Saúde. No entanto, os partidos não permitiram a inscrição deste imposto na versão final: uma proposta do CDS-PP de deixar cair este imposto teve voto favorável da direita que ganhou poder com a decisão dos comunistas de se absterem — assim, mesmo com o voto contra do PS e do BE, o imposto ficou de fora.

No entanto, uma proposta do PCP foi aprovada para procurar promover hábitos alimentares saudades. O Governo terá de aprovar, em 2018, um “plano de metas de redução da quantidade de açúcar, sal e ácidos gordos trans presentes nos alimentos embalados e refeições pré-confecionadas ou fornecidas em refeitório até 2020”, proposta que teve voto positivo unânime.

Já a proposta do PAN de incluir o leite achocolatado nas bebidas taxadas pelo imposto do açúcar sobre as bebidas não foi aprovada, mesmo com os exemplos que o deputado único do partido, André Silva, decidiu trazer para o Parlamento — as garrafas de Ice Tea, Coca-Cola e leite achocolatado marcadas com o seu conteúdo de açúcar, com a terceira claramente superior, não foram suficientes para convencer o Parlamento a incluir este tipo de leite no chamado fat tax introduzido no ano passado.

André Silva, PAN
O deputado André Silva, do PAN, trouxe embalagens para ilustrar a proposta do seu partido.DR
  • Cativações ficam mais controladas

Propostas vindas da esquerda, inclusive do Partido Socialista, vão limitar a ação do Governo no campo das cativações em 2018, após os dados das cativações feitas pela equipa de Mário Centeno terem causado confusão à esquerda e direita do Parlamento. O PS propôs (e viu aprovada) uma norma travão que limitará as cativações inicias a 90% das aplicadas em 2017.

Do lado do Bloco de Esquerda veio uma proposta, aprovada com os votos favoráveis da direita e os votos contra do PCP e do PS, para obrigar o Governo a apresentar informações das cativações à Assembleia da República. Na Lei de Enquadramento Orçamental deverá passar a ler-se que “os montantes das verbas sujeitas a cativação em cada programa orçamental, por classificação orgânica e funcional, discriminada por serviços integrados e serviços e fundos autónomos” passem a acompanhar as propostas de lei do OE.

  • Segurança Social com mais folga

O Parlamento aprovou o aumento extraordinário das pensões que o Governo previa na sua proposta de OE para 2018, mas não se ficou por aí. A proposta do Bloco de Esquerda, que retira a condicionante da idade ao Complemento Solidário para Idosos (CSI) no caso daqueles que passaram à reforma a partir de 2014, também foi aprovada parcialmente. Esta medida tem como objetivo compensar os “lesados de Mota Soares”, como lhes chama o deputado José Soeiro — pessoas que passaram à reforma antecipada com cortes agravados enquanto Pedro Mota Soares era ministro do Trabalho do Governo de Passos Coelho.

Os deputados do Bloco de Esquerda Catarina Martins, Mariana Mortágua e Pedro Filipe Soares participaram nos debates do Orçamento na Assembleia da República.PAULA NUNES / ECO

Do lado do desemprego, as propostas do PCP e do Bloco de Esquerda foram aprovadas para fazer cair o corte de 10% que ainda abrange alguns subsídios de desemprego. O corte que se aplica aos subsídios de desemprego atribuídos há mais de 180 dias já tinha caído para as prestações de valor mais baixo, impedindo que estas pudessem resvalar para um montante inferior ao Indexante dos Apoios Sociais. A direita absteve-se na votação destas propostas.

  • Recibos verdes veem (menos) mudanças no regime fiscal

O regime simplificado de IRS, utilizado principalmente por trabalhadores independentes apelidados de ‘recibos verdes’, foi alterado por uma proposta dos socialistas que fez com que sejam mitigados os efeitos da proposta original do Governo. Desde logo, o regime não se vai aplicar aos agricultores e pequenos comerciantes, como reivindicaram desde o início partidos, incluindo o CDS-PP.

Além disso, o regime simplificado passa de facto a pedir aos trabalhadores que justifiquem parte das suas despesas — 15%, uma versão menos exigente do que a apresentada inicialmente pelo Executivo. Atualmente, o fisco considera como despesa 25% do rendimento dos trabalhadores independentes (65% no caso de alojamento local) mas no futuro será necessário apresentar faturas para conseguir a atual dedução máxima, uma obrigação que abrange contribuintes com rendimentos superiores a cerca de 27 mil euros. Nestes 15% é desde logo contabilizada uma dedução automática de 4.014 euros. Depois podem ser apresentadas todas as despesas com pessoal, rendas, encargos com imóveis e outros gastos, como “materiais de consumo corrente, eletricidade, água, transportes e comunicações e rendas”, entre outros.

  • Derrama fiscal para maiores empresas sobe mesmo

O PCP conseguiu apoio do PS para aumentar a derrama fiscal dos 7% para os 9% para as empresas com lucros anuais superiores a 35 milhões de euros. Para os comunistas, é a correção de uma “injustiça fiscal”, deixando as grandes empresas de ser especificamente beneficiadas.

Más há consequências: a subida da derrama estadual para as empresas com maiores lucros poderá retirar 45 milhões de euros aos resultados das cotadas da bolsa portuguesa no próximo ano, de acordo com as estimativas do banco de investimento Haitong.

  • Acabam os duodécimos no privado

O pagamento do subsídio de Natal em duodécimos termina para o setor privado, após o CDS se ter juntado à esquerda para aprovar uma proposta do PCP que remove a possibilidade de os trabalhadores do setor privado continuarem a receber metade dos subsídios repartidos mensalmente ao longo do ano. No entanto, apesar de ter votado duas vezes a favor da medida, o CDS é contra o fim da possibilidade de escolha do trabalhador, como esclareceram numa declaração de voto.

O CDS votou a favor do fim dos duodécimos mas esclareceu a decisão numa declaração de voto.Paula Nunes / ECO

O CDS explicou, na declaração entregue com o seu voto afirmativo, que a possibilidade da escolha do trabalhador de receber os subsídios como melhor pretendesse não deveria depender de uma decisão tomada anualmente pelo Parlamento, mas sim estar inscrita no Código do Trabalho. Assim, o CDS pretende “apresentar na Assembleia da República uma iniciativa legislativa que reveja o código do Trabalho, com o objetivo de consagrar a possibilidade de escolha da forma de pagamento destes subsídios em diálogo social entre a entidade empregadora e o trabalhador”.

  • Lista de offshores volta a incluir três territórios removidos

Mais uma abstenção da esquerda que fez valer as intenções da direita: quando o Bloco decidiu não votar a favor nem contra a proposta do CDS-PP de reintroduzir os territórios da Ilha de Man, Jersey e Uruguai na lista negra de paraísos fiscais de Portugal, deu poder ao PSD e ao CDS para aprovar a proposta por cima das rejeições socialista e comunista.

Assim, fica inutilizada a portaria do ministro das Finanças, Mário Centeno, que retirava estes três territórios da lista de países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada que são mais favoráveis.

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