O desemprego está a baixar em Portugal. E a precariedade no trabalho?
Num momento em que a taxa de desemprego continua a cair, as atenções viram-se para a qualidade do emprego criado. A precariedade é a mesma?
A precariedade no mercado de trabalho tem estado no centro do debate público: governo e partidos políticos esgrimem argumentos sobre se o recurso das empresas a vínculos precários é excessivo e como deve ser reduzido. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que no quarto trimestre de 2017 o peso dos contratos a prazo e falsos recibos verdes no total dos empregados por conta de outrem era precisamente o mesmo que no quarto trimestre de 2015: 22,2%. Quer isto dizer que o mercado de trabalho está igualmente precário? O ECO foi à procura de respostas.
A questão é complexa. Vale a pena recuar no tempo e olhar para os dados do INE numa perspetiva de longo prazo, para perceber como tem evoluído, no conjunto dos empregados por conta de outrem, o peso dos trabalhadores a termo e da prestação de serviços, que indicia falsos recibos verdes.
O que aconteceu desde 2011?
Fonte: INE
O gráfico usa apenas a série estatística iniciada em 2011 para que não haja problemas de comparabilidade dos números. Desde esse ano que o peso dos trabalhadores por conta de outrem sem vínculo permanente se mantém entre os 20,3% e os 23,1%. O que levanta a primeira questão: será este um dado estrutural da economia portuguesa? O Governo não só assume que sim, como admite que este traço se tem intensificado ao longo das duas últimas décadas.
Dificilmente poderemos não considerar esta característica do mercado de trabalho [peso excessivo dos contratos a prazo no total dos empregados por conta de outrem] em Portugal uma característica estrutural.
“Tendo em conta que existe em Portugal uma tendência de longo prazo para o crescimento da proporção de trabalhadores por conta de outrem com contratos de trabalho a prazo, e em níveis que são elevados comparativamente à média europeia, dificilmente poderemos não considerar esta característica do mercado de trabalho em Portugal uma característica estrutural,” respondeu fonte oficial do Ministério do Trabalho, ao ECO.
Mas, como mostra o gráfico, há uma uma exceção ao que parece ter sido a regra dos últimos sete anos: o primeiro trimestre de 2012. Nos primeiros três meses desse ano, o peso destes vínculos caiu para 19,8% — foi o valor mais baixo desde o início da série. Ora, este foi precisamente o ano de chumbo da crise económica nacional. Foi o ano em que a economia caiu 4%, em que Vítor Gaspar anunciou o “enorme aumento de impostos”, em que a taxa de desemprego disparou, atingindo o pico de 17,5% no primeiro trimestre de 2013.
A má notícia escondida atrás da descida deste indicador de precariedade é que muitos dos trabalhadores com vínculos não permanentes foram parar ao desemprego, numa altura em que até os trabalhadores nos quadros sentiam os seus empregos ameaçados pelo risco aumentado de falência das empresas. Assim, os números sugerem que, por si só, o peso destes vínculos menos estáveis (por comparação com os contratos sem termo) no total do emprego por conta de outrem não é uma boa medida da precariedade.
Estatisticamente, acontece com este indicador o que se verifica também noutros nos períodos recessivos: reagem ao contrário da realidade que entra pelos olhos dentro. Um exemplo é o que acontece com a média salarial: como os primeiros empregos a serem destruídos são os que têm vínculos mais frágeis e salários mais baixos, estatisticamente a média salarial de um país a atravessar uma crise aguda no mercado de trabalho até pode subir. Voltemos então ao início: o que é a precariedade?
O que é a precariedade?
A precariedade nas relações laborais resulta de várias condições: a rotatividade do mercado de trabalho, os baixos salários, o risco de o contrato terminar. E é um facto que estas características estão associadas aos contratos a prazo — pelo que o seu peso não deve ser ignorado quando o objetivo é avaliar a qualidade do emprego.
Ainda assim, há uma percentagem deste tipo de contratos que se pode justificar pela própria natureza do trabalho, indicam os economistas ouvidos pelo ECO, apontando para setores de atividade mais sujeitos a sazonalidade. Como mostram os dados do INE, uma parte relevante do emprego criado em 2017 foi nestes setores: por exemplo, a restauração e alojamento criou 29,1% do emprego no ano passado e a construção 11,6%.
Não tenho dúvidas de que há uma parte destes contratos que é normal que seja a prazo. Acho normal que o primeiro emprego corresponda a contratos a prazo e que as pessoas em empregos sazonais também tenham este tipo de vínculos
“Não tenho dúvidas de que há uma parte destes contratos que é normal que seja a prazo. Acho normal que o primeiro emprego corresponda a contratos a prazo e que as pessoas em empregos sazonais também tenham este tipo de vínculos”, defende Luís Aguiar-Conraria, economista e professor na Universidade do Minho.
“Há um aspeto estrutural que tem a ver com a composição setorial, se estivermos em setores onde a sazonalidade é maior, a contratação a prazo vai ser mais expressiva”, reforça João Cerejeira, economista especializado em mercado de trabalho. O professor adianta mesmo que “para a regulação do mercado de trabalho português, este é o valor normal da economia”.
Ainda assim, o Ministério do Trabalho nota que “mesmo setores como o turismo têm conseguido, felizmente, atenuar os padrões de sazonalidade observáveis”. E que, “sem prejuízo de realidades setoriais específicas”, tanto a lei laboral como o mercado de trabalho em Portugal “têm relevantes dimensões e instrumentos de flexibilidade que foram aprofundados nos últimos anos e que permitem às empresas ajustar os padrões de contratação e de gestão dos tempos de trabalho de acordo com as suas necessidades”.
Seja como for, os contratos a prazo acompanham o ciclo. Regressemos aos dados. Fazendo uma análise anual (que elimina a sazonalidade ao longo dos 12 meses) verifica-se que depois de um período de destruição de emprego e diminuição do peso deste tipo de contratação menos estável, registaram-se anos de subida do peso dos contratos a prazo e falsos recibos verdes. Esta tendência só foi interrompida em 2017, num momento e que a recuperação da economia ficou consolidada e a confiança se restabeleceu.
O que mostra a análise anual?
Fonte: INE
Aliás, era possível retirar a mesma conclusão sobre a tendência dos números utilizando os valores trimestrais. Se no gráfico anterior se anular a seleção das taxas de emprego e desemprego, a linha do peso passa a mostrar sensivelmente o mesmo desenho que se encontra no gráfico anual — fica apenas mais tremida.
“A contratação a prazo acaba por funcionar de forma pró-cíclica. Quando há uma crise económica, reduz-se. Quando há uma expansão, alarga-se”, explica João Cerejeira. “São os primeiros a ser contratados e os primeiros a ser despedidos”, concretiza o professor da Universidade do Minho.
A contratação a prazo acaba por funcionar de forma pró-cíclica. Quando há uma crise económica, reduz-se. Quando há uma expansão, alarga-se.
O Ministério do Trabalho opta por fazer uma análise considerando apenas os contratos a prazo — não soma os tais recibos verdes que se consideram subordinados — mas chega a uma conclusão idêntica. “Do mesmo modo que numa fase inicial da retoma do emprego no período pós-crise os contratos a prazo cresceram de modo mais acelerado do que os contratos sem termo, também durante a crise foram os contratos a prazo os mais penalizados”, garante fonte oficial, em respostas ao ECO.
E apresenta números para corroborar a conclusão: entre 2008 e 2013 os contratos a prazo caíram 13,9% e daí em diante, e até 2016, cresceram ao ritmo de 15,8% — acima do registado nos contratos permanentes. Já de 2016 para 2017 os contratos nos quadros aumentaram mais do que os a prazo, assegura o Executivo: 4,7% contra 3,3%.
Para se ter uma visão mais completa do que é a precariedade, poderá somar-se ainda os trabalhadores por conta própria isolados (isto é, que não são empregadores), assume o próprio Governo. De 2011 a 2014, o período de ajustamento da economia, estes trabalhadores diminuíram quase 16%, mostram os dados do INE.
E agora? O que fazer?
Quer isto dizer que não há nada a fazer? Não necessariamente. O próprio Governo assume que é preciso reduzir a segmentação do mercado de trabalho e diz que tem medidas para isso. “A proporção de contratos a prazo e outros contratos não permanentes no emprego por conta de outrem em Portugal é excessiva e ultrapassa de modo significativo a média europeia”, admite fonte oficial do ministério de Vieira da Silva.
Então qual é a meta? “A meta do Governo é reduzir essa proporção, promovendo a criação de emprego duradouro e de qualidade”, responde, evitando comprometer-se com um número para o peso desta forma de contratação no total dos empregados por conta de outrem.
"A proporção de contratos a prazo e outros contratos não permanentes no emprego por conta de outrem em Portugal é excessiva e ultrapassa de modo significativo a média europeia.”
O primeiro-ministro já anunciou que vai ser apresentada em breve a diferenciação da Taxa Social Única (TSU) consoante o tipo de contrato, com o objetivo de promover a contratação para os quadros. Já a Comissão Europeia argumenta que o Executivo deve reduzir a proteção dos contratos sem termo.
Se o Governo tornar mais cara e mais difícil a contratação a prazo, “aproxima os dois tipos de vínculo e deixa de haver tanta vantagem para as empresas a contratação a prazo”, antecipa João Cerejeira. O economista nota, contudo, que durante o período de ajustamento a opção recaiu pela redução dos custos das compensações por despedimento mas manteve-se o “custo jurídico”: “acho que devia ter sido o oposto; devia ter-se aumentado o custo monetário, até o número de dias por ano de serviço, e diminuído o custo jurídico, havendo mais certeza”.
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