Prova dos 9: O défice da Madeira foi sete vezes superior ao dos Açores?

O PS e o primeiro-ministro acusaram o PSD/Madeira de prejudicar o défice nacional e de ter as contas desequilibradas, por oposição aos Açores de um Governo socialista. O ECO fez a Prova dos 9.

Montagem ECO.

Foi no final do debate quinzenal que o Partido Socialista introduziu o tema: as finanças públicas da Madeira deveriam ser uma preocupação para o PSD e penalizaram o défice nacional. O primeiro-ministro foi um dos atacantes. Em defesa, Miguel Albuquerque acusou-o de “confundir” a contabilidade pública com a contabilidade nacional, uma nuance que, pelo menos nos últimos anos, tem feito toda a diferença para a Madeira. Com as eleições regionais de 2019 da Madeira a aproximarem-se, o atual presidente do Governo Regional vê este ataque como uma “pré-campanha” do PS. Afinal, quem tem razão nos números?

A afirmação

Carlos César: A Madeira atingiu um défice de pelo menos sete vezes mais do que o dos Açores.

A acusação

No final do debate quinzenal desta quarta-feira, o PS introduziu um novo tema para criticar o “único governo do PSD que resta em Portugal”. Primeiro pela voz do presidente do PS e líder parlamentar, Carlos César, e depois pela voz de António Costa, primeiro-ministro. Ambos acusaram o atual presidente do Governo Regional da Madeira de ter as contas públicas desequilibradas, algo que só foi compensado por causa da “prudente execução financeira do Governo dos Açores e da maioria das autarquias locais”.

Costa falou em “desagradável surpresa” e “consequências negativas” para o país, revelando que o “desempenho orçamental do Governo da Madeira penalizou em uma décima o défice do setor público administrativo”. Já Carlos César acusou Miguel Albuquerque de deixar “faturas para pagar” no futuro e de ter um défice sete vezes superior ao dos Açores, região que o socialista já presidiu.

A resposta

Um dia depois, Miguel Albuquerque reagiu, acusando António Costa de confundir duas coisas — “o défice em termos de contabilidade pública e aquilo que não é o défice em termos de contabilidade administrativa [nacional]”. O presidente do Governo Regional assegurou que “a Madeira tem as suas contas controladas como é do conhecimento de todos e a declaração do primeiro-ministro ontem [quarta-feira] é a todos os títulos lamentável”.

“Desde a primeira hora nós dissemos que a agenda deste primeiro-ministro não era resolver os problemas da Madeira e dos madeirenses, mas desenvolver uma agenda política de tomada de poder na região a qualquer preço“, afirmou Albuquerque, referindo que o défice da região “é bastante baixo”, mas podia ser ainda mais caso “o Estado não estivesse a lucrar 12 milhões de euros por ano ao cobrar juros mais baixos do que a República se financia”. “Quem levou o país à bancarrota não foi o PSD, foi um Governo do PS do qual este primeiro-ministro fazia parte”, concluiu.

Os factos

Em finanças públicas existem duas óticas: a de contabilidade pública (ótica de caixa) e a de contabilidade nacional (ótica de compromisso) — esta última é a que conta para o apuramento do défice que interessa a Bruxelas e às instituições internacionais. No seu discurso Carlos César não foi claro sobre qual a ótica a que se referia. No entanto, neste momento, com base em dados públicos, só é possível saber o saldo global da Madeira em termos de contabilidade pública através dos dados da Direção-Geral do Orçamento (DGO) ou da Direção Regional do Orçamento e Tesouro.

Uma análise aos dados da DGO relativos ao ano de 2017 mostram que a Madeira registou um défice de 157,2 milhões de euros em contabilidade pública. Já os Açores tiveram um défice significativamente inferior, de 24,3 milhões de euros. Caso o presidente do PS se estivesse a referir a esta ótica não estaria totalmente correto: em contabilidade pública, o défice da Madeira é cerca de 6,4 vezes superior ao dos Açores e não “pelo menos sete vezes mais”.

Contudo, a contabilidade que realmente interessa é a nacional. A divulgação dos números nesta ótica é da responsabilidade do Instituto Nacional de Estatística (INE), que revelará os dados relativos a 2017 a 26 de março deste ano. Até lá, não é possível saber o défice da Madeira em contabilidade nacional e, assim, perceber se o primeiro-ministro tem razão quando diz que a Madeira penalizou em uma décima o défice nacional.

Uma análise aos números dos últimos anos entre a contabilidade pública e a contabilidade nacional permite perceber que, no caso da Madeira, os valores têm sido significativamente diferentes. Desde 2013 que em contabilidade pública a Madeira tem um défice, mas em contabilidade nacional esse número passa a ser um excedente orçamental. Ou seja, a contribuir para diminuir o défice nacional.

Diferença do saldo da Madeira em contabilidade pública e em contabilidade nacional

Fonte: Instituto Nacional de Estatística e Direção-Geral do Orçamento.

Porquê? Os boletins de execução orçamental da Madeira apontam a razão para essa discrepância: os pagamentos das dívidas de anos anteriores que, apesar de os valores saírem na ótica de caixa no ano em que são pagos, em ótica de compromisso esses pagamentos contaram para o défice em anos passados. De forma simples, pode-se dizer que esses pagamentos penalizam o défice em contabilidade pública, mas desaparecem em contabilidade nacional.

A mesma lógica aplica-se em 2017, segundo a Direção Regional do Orçamento e Tesouro: “A região termina o ano com um saldo global consolidado, em contabilidade pública, (…) deficitário em 157,2 milhões de euros. Contudo, se aos valores da execução orçamental consolidada excluirmos os pagamentos de dívidas de anos anteriores, que totalizaram 168,0 milhões de euros, verificamos que o saldo global é positivo em 11,1 milhões de euros”. A veracidade deste número, porém, só poderá ser verificada quando o INE divulgar o défice em contabilidade nacional.

Ainda assim, é possível verificar o que nos últimos anos tem acontecido à dicotomia entre a Madeira e os Açores apontada pelo Partido Socialista. Em contabilidade nacional, os Açores têm contribuído de forma negativa nos últimos anos para o défice nacional. Por outro lado, os dados do INE mostram que a Madeira tem contribuído de forma positiva para o défice nacional pelo menos desde 2013. Falta saber se isso acontecerá em 2017 também.

Evolução do défice da Madeira e do Açores em contabilidade nacional

Fonte: Instituto Nacional de Estatística.

Prova dos 9

Quem tem razão? Depende… A resposta só poderá mesmo ser dada pelo Instituto Nacional de Estatística, a 26 de março. Contudo, as diferenças entre a contabilidade pública e a contabilidade nacional das contas da Madeira nos últimos anos e o boletim de execução orçamental dos técnicos da Direção Regional do Orçamento e Tesouro indiciam que o saldo será positivo na ótica que interessa a Bruxelas.

Por outro lado, o histórico dos Açores aponta para que o défice registado em contabilidade pública se reflita em contabilidade nacional, contribuindo de forma negativa para o défice nacional. Mas só com os dados do INE é que poderá ser possível calcular a diferença entre os défices em contas nacionais entre a Madeira e os Açores e verificar se Carlos César tinha ou não razão.

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