E se o Sporting não conseguir emitir dívida?

Jogadores com salários em falta, fornecedores e banca com pagamentos em risco. Se o Sporting falhar a emissão de dívida, Bruno de Carvalho terá de enfrentar muito mais do que uma crise diretiva.

Bruno de Carvalho arrisca-se a enfrentar uma crise financeira em Alvalade.Nuno Fox/Lusa

Se o empréstimo obrigacionista do Sporting não avançar, Bruno de Carvalho arrisca-se a enfrentar muito mais do que uma crise diretiva. A SAD leonina dificilmente terá como pagar salários dos seus trabalhadores e colaboradores, incluindo dos jogadores. Não haverá dinheiro para fazer face a encargos imediatos como faturas da luz e da água, por exemplo. E banca e Estado também poderão fazer parte da lista de “lesados do Sporting”.

Mas estas serão apenas consequências mais imediatas caso a emissão de dívida de 15 milhões permaneça na gaveta. Outras consequências poderão passar pela venda de ativos ao desbarato ou pela entrada de investidores abutres. Enquanto o prospeto desta operação continua parado na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) devido à turbulência que tem afetado a vida do clube nos últimos dias, este parece ser um cenário bem real. É que a vida continua e há contas para pagar.

“Em abril último, a direção da SAD do Sporting aludia a este empréstimo como respondendo a necessidades decorrentes da dívida e de tesouraria. A tesouraria está afeta à liquidez mais imediata de uma entidade e serve para cumprir com as obrigações de curto prazo perante terceiros”, explica o professor de Economia da Universidade do Minho, Paulo Reis Mourão, especialista em finanças desportivas.

“Serão afetados por uma falta de liquidez de tesouraria os fornecedores de bens e serviços priorizados e em segunda ordem (por exemplo, fornecedores com o prazo de pagamento em atraso há dois e três meses), mas sobretudo funcionários e colaboradores e, em última análise, entidades bancárias e o próprio Estado nos impostos devidos no horizonte do momento crítico”, acrescenta.

Serão afetados por uma falta de liquidez de tesouraria os fornecedores de bens e serviços priorizados e em segunda ordem (por exemplo, fornecedores com o prazo de pagamento em atraso há dois e três meses), mas sobretudo funcionários e colaboradores e, em última análise, entidades bancárias e o próprio Estado nos impostos devidos no horizonte do momento crítico.

Paulo Reis Mourão

Professor de Economia da Universidade do Minho

Talvez por isso se perceba aquilo que tem sido a dramatização das declarações de Bruno de Carvalho a propósito da convocação de uma assembleia geral extraordinária com vista à sua destituição.

Houve quem achasse uma chantagem da parte do presidente leonino quando disse, a 24 de maio, que o “agendamento precipitado de uma assembleia com o propósito de discutir a continuidade do atual conselho diretivo trava de imediato o lançamento do empréstimo obrigacionista, sem o qual o clube e a SAD deixarão de ter capacidade para fazer face a compromissos imediatos“.

Porém, fonte oficial do clube havia adiantado ao Correio da Manhã que essa chantagem de incumprimento pode ser mais do que simples bluff. Isto porque os salários de junho e pagamentos à banca e fornecedores se encontram totalmente dependentes desta emissão obrigacionista. E esta quarta-feira o administrador que negou que o Sporting estava em risco de insolvência abandonou a SAD

Este problema de falta de dinheiro traz um outro consigo. Sem dinheiro, a SAD vê-se obrigada a vender os anéis à pressa e com desconto para evitar o default a todo o custo.

Não me espantaria que no próximo setembro estejamos a concluir que o Sporting perdeu mais de 50% do potencial de transferências previsto no último março“, diz Reis Mourão. “O mercado de transferências não tem pena dos clubes e vai aproveitar a situação em seu favor. Imagine-se que alguém precisa de vender a casa para liquidar dívidas maiores. Obviamente que, a menos que encontre um comprador piedoso, os agentes imobiliários vão aproveitar-se da urgência“, sublinha este especialista em finanças desportivas.

Que futuro?

O Sporting já pediu para adiar seis meses o reembolso de 35 milhões de euros por manifesta falta de capacidade de se financiar hoje em dia no mercado num clima de alta instabilidade. Assim, em novembro próximo, quando estiver a vencer o prazo deste empréstimo, a SAD vai colocar um outro no mesmo montante para proceder ao chamado roll over da dívida, em que substitui um empréstimo por outro. Mas a que custo?

Adiar o reembolso “obviamente obriga a uma reflexão maior destes detentores de capital para um segundo investimento no Sporting”, considera o professor de Economia. E talvez os 6,25% de taxa de juro que pagou naquela emissão sejam agora insuficientes para voltar convencer os investidores.

Posto isto, o futuro encaminha-se para uma indefinição no seio de um dos três maiores clubes portugueses “e, em última análise, uma eternização da situação empobrecerá a indústria desportiva profissional do nosso país”, diz Reis Mourão.

No caso do Sporting, o docente minhoto acredita que “vários desenhos de direção estejam decerto suportados por investidores e grupos de financiamento”. Mas o académico lembra-se muito bem como se costuma desenrolar a história quando uma crise se abate sobre empresas ou país. “E as Finanças desportivas estão recheadas destes especuladores que há muito reservaram estadia perto de Alvalade“, conta Reis Mourão.

Por outras palavras, há quem queira aproveitar-se da carcaça do leão.

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