Fixar a taxa do crédito da casa para toda a vida? Apostar pelo seguro sai muito caro
Diferença entre os juros no crédito de taxa fixa e variável é grande, mas há outros fatores a desaconselhar fixar a taxa. Custos administrativos e histórico dos juros estão entre os principais.
Trocar o incerto pelo certo. Esta é uma das bandeiras usadas pelos bancos para convencer os clientes a contratarem crédito à habitação de taxa fixa em vez de variável. Têm sido vários os bancos a procurar direcionar clientes rumo a esse produto, oferecendo algo que até agora não era muito habitual: fixar a taxa de juro do empréstimo por 30 anos. Mas será que compensa apostar pelo seguro durante um prazo de tempo tão longo?
O tema ganhou relevo sobretudo desde que, recentemente, o BPI relançou a sua solução de crédito à habitação de taxa fixa a 30 anos e outros dois grandes bancos se lançaram nesta oferta. Mas em específico, a Caixa Geral de Depósitos (CGD) e o Novo Banco que no início deste ano começaram a disponibilizar crédito à habitação de taxa fixa a 30 anos. Para além desses três bancos, o único a permitir esticar a fixação da taxa de juro do empréstimo da casa por um prazo tão prolongado é o Bankinter, enquanto o Montepio fica-se pelos 25 anos.
A taxa fixa, por tradição, não é uma solução muito privilegiada pelos portugueses. O último Relatório de Acompanhamento dos Mercados Bancários de Retalho do banco de Portugal, mostra que em 2017 o grosso dos empréstimos concedidos para a compra de casa era de taxa variável — 81,3% –, enquanto os contratos de taxa mista e fixa representavam 16,9% e 1,8%, respetivamente. A realidade nacional é muito distinta do resto da Europa, onde o crédito à habitação de taxa fixa é que impera.
Menos de 2% dos contratos de crédito da casa foi de taxa fixa em 2017
Fonte: Banco de Portugal
“Verificamos que no último ano/ano e meio que, perante a inversão de tendência da Euribor nos mercados, os bancos têm procurado capitalizar esta alteração e aproveitar os receios que os consumidores têm de que estas taxas historicamente baixas não se se mantenham durante muito mais tempo, para vender o produto de taxa fixa“, diz Nuno Rico, economista da Deco, para contextualizar a recente aposta dos bancos na promoção dos empréstimos para habitação a taxa fixa.
"Perante a inversão de tendência da Euribor nos mercados, os bancos têm procurado capitalizar esta alteração e aproveitar os receios que os consumidores têm de que estas taxas historicamente baixas não se se mantenham durante muito mais tempo, para vender o produto de taxa fixa.”
“Não é à toa que são os bancos a tentar colocar esta alternativa da taxa fixa no mercado e não tanto o mercado a pedir a solução”, diz Filipe Garcia, presidente da IMF. O economista esclarece que optar por fixar a taxa é uma solução em que “a prestação é significativamente mais alta no imediato“, o que é benéfico para os bancos. “É verdade que as taxas de juro estão em níveis que podem ser considerados relativamente baixos, mas a diferença entre a taxa fixa e a variável é bastante significativa“, alerta assim.
Juros negativos — taxa variável mais atrativa
Os empréstimos para a compra de casa a taxa variável beneficiam dos níveis historicamente reduzidos, e negativos, dos indexantes. A Euribor a 12 meses, por exemplo, a taxa mais utilizada nos novos créditos à habitação em Portugal está nos -0,108%. Ao mesmo tempo, os bancos apresentam spreads cada vez mais baixos. As margens mínimas que cobram na hora de dar crédito cabem no intervalo entre 1% e 1,50%. Tal implica que a taxa final acaba por ser mais baixa quando comparada com os empréstimos a taxa fixa.
"É verdade que as taxas de juro estão em níveis que podem ser considerados relativamente baixos, mas a diferença entre a taxa fixa e a variável é bastante significativa.”
Numa análise mais em detalhe das soluções de crédito de taxa fixa a 30 anos atualmente disponíveis verifica-se isso mesmo. A CGD, por exemplo oferece uma taxa de juro anual nominal a partir de 2,85% e até um máximo de 6,6% num crédito de taxa fixa a 30 anos. Um crédito indexado à Euribor a 12 meses que beneficie do spread mínimo da Caixa — 1,3% — fica com uma taxa final de 1,186%. Ou seja, bastante abaixo da solução de taxa fixa.
Já no que respeita ao BPI, as taxas exigidas nesse prazo variam entre 2,95% e 5,5%. Aplicando a mesma lógica ao exemplo da CGD, fixar a taxa de juro neste caso sai mais caro. A mesma realidade observa-se no Bankinter. O banco espanhol, apresenta uma oferta de taxa fixa em que o juro resulta da soma à taxa swap a 30 de um spread que varia entre um mínimo de 1% e um máximo de 2,45% (o mesmo leque de spreads que usa no crédito a taxa variável). Tendo em conta que esse swap está atualmente em 1,24%, a taxa final oscilará entre um mínimo de 2,24% e um máximo de 3,69%. No caso do Novo Banco essa avaliação é mais difícil de fazer, já que a taxa de juro final resulta de uma taxa fixa que é determinada pelo banco a que é somado um spread de um intervalo entre 1,25% a 5,0%.
A principal mais-valia de optar por fixar a taxa é a garantia de que os encargos com a prestação da casa não se alteram ao longo do empréstimo. Segundo os especialistas, quem privilegie essa segurança poderá não importar-se de pagar essa diferença. “Permite planificar a vida financeira de forma mais precisa e, naturalmente, cobre o risco de subida da taxa de juro no longo prazo”, lembra Filipe Garcia. Contudo, o economista defende que “nesta fase a taxa variável parece mais atrativa, sendo que o cliente poderá, a todo o momento, negociar com o banco a passagem para taxa fixa num momento posterior”.
História não joga a favor de fixar a taxa
O facto é que o rumo esperado para os juros de referência é no sentido ascendente, algo que os indexantes já começam a sinalizar. Mas pelo menos até ao próximo ano, não é de esperar uma mexida nos juros de referência, sendo que o mercado antevê subidas muito graduais das taxas nos próximos anos.
"De acordo com os nossos cálculos verificámos que dificilmente iria compensar optar pela taxa fixa, mesmo que optássemos pelos 30 anos.”
Certo é que a história também não joga muito a favor dos empréstimos de taxa fixa. “Das análises que temos feito a este produto, concluímos que as ofertas que existem em Portugal não são muito competitivas até ao momento”, diz Nuno Rico, socorrendo-se de uma análise publicada recentemente pela Dinheiro & Direitos que se focou no histórico da Euribor a seis meses desde 1999.
“Tendo em conta o diferencial que era pedido num produto de taxa fixa face à taxa variável, de acordo com os nossos cálculos verificámos que dificilmente iria compensar optar pela taxa fixa, mesmo que optássemos pelos 30 anos”, diz Nuno Rico.
Segundo essa análise, a média da Euribor a seis meses entre 1999 e 2017 era de 2,07%. “Ora, tendo em consideração o que normalmente pedem nos contratos de taxas fixas, à exceção de dois períodos 2001-2002 e 2006-2008 em que teria compensado ter optado pela taxa fixa, nos restantes não teria compensado”, justifica.
Falta de transparência e custos administrativos pesam na taxa fixa
Mas há mais fatores que jogam contra optar por soluções de crédito à habitação de taxa fixa. A ausência de uniformização do método usado no cálculo dessa taxa é uma delas. Isto porque ao contrário do que acontece com as taxas de juro variáveis que são usadas nos contratos de crédito à habitação, que estão claramente definidas por lei (devem resultar da média das Euribor do mês anterior, acrescidas do spread contratado), no caso das taxas fixas tal não acontece.
“Está praticamente à liberdade dos critérios dos bancos a sua determinação. Temos desde taxas fixadas a nível administrativo pelos bancos, como taxas que dependem das taxas swap no mercado acrescidas de um spread e temos bancos que consideram ainda outras taxas. Portanto, não há uma regra que permita que haja uma oferta comparável”, afirma Nuno Rico. Esta opinião é partilhada por Filipe Garcia que salienta que “o pricing com taxa variável acrescido de spread é muito mais transparente porque se sabe o que é a taxa e o que é o spread“.
"O pricing com taxa variável acrescido de spread é muito mais transparente porque se sabe o que é a taxa e o que é o spread.”
Contra a taxa de juro fixa jogam ainda os custos administrativos associados às amortizações antecipadas de crédito à habitação. O cliente paga ao banco 2% do valor a amortizar no caso dos empréstimos de taxa fixa, enquanto nos de taxa variável esse encargo está limitado a um teto de 0,5%. Numa amortização de 50 mil euros, por exemplo, essa diferença pesa no bolso do cliente. Num crédito de taxa variável, esse custo administrativo é de 250 euros. No crédito de taxa fixa sobe para mil euros.
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