Beatas, cuspir e urinar. Leis proíbem falta de civismo, mas têm pouco impacto
Regulamentos e leis prevêem multas a quem atire beatas para o chão, alimente pombos ou sacuda tapetes pela janela. Mas comportamentos persistem, no que pode ser um sinal de falta de fiscalização.
Atirar beatas para o chão, urinar ou cuspir na via pública, alimentar pombos, sacudir tapetes para a rua, azucrinar vizinhos com conversa e música a altos berros depois das 23h, ou obras a partir das 20h, deitar o lixo fora do contentor ou até fazer um churrasco na varanda… São vários os comportamentos que, com o passar do tempo, autoridades centrais ou municipais foram regulamentando para garantir a convivência em sociedade. Contudo, e apesar da multiplicação de leis e regulamentos, muitos destes (maus) hábitos resistem. Alguns até porque já foram vistos como uma “cruzada humanitária”.
Esta quarta-feira a Assembleia da República irá votar uma nova proposta para regulamentar mais um destes hábitos que resistem. O partido Pessoas-Animais-Natureza traz ao Parlamento um projeto-lei que visa definir o fim que deve ser dado às pontas de cigarros, propondo a proibição a nível nacional de mandar as beatas para a via pública.
Além de penalizações aos fumadores que atirem as pontas de cigarros para o chão, o projeto-lei do PAN quer responsabilizar também restaurantes ou bares, que devem ser obrigados a disponibilizar cinzeiros à porta dos seus estabelecimentos e limpar diariamente a zona circundante, assim como “as empresas que gerem os transportes públicos”, que devem ser obrigados a colocar cinzeiros nas paragens e plataformas de embarque.
Também as próprias tabaqueiras devem ser puxadas para este esforço, pede o PAN. De acordo com a diretiva comunitária sobre resíduos, os produtores de cigarros devem ficar com a “responsabilidade alargada” de “suportar os custos dos sistemas de recolha públicos para as pontas de cigarros, incluindo a infraestrutura necessária como recetáculos adequados para esses resíduos nos locais de recolha de lixo comum” — leia-se cinzeiros –, devendo para isso pagar uma ecotaxa para “custear ações de sensibilização, formação, limpeza e recuperação de ecossistemas”.
Mais do que combater um mau hábito, o PAN justifica a proposta com o impacto ambiental das beatas de cigarros, lembrando que estas demoram até dez anos a degradar-se, são o resíduo que mais se encontra nas zonas costeiras e que além de “todas as substâncias químicas utilizadas no cultivo do tabaco, entre as quais herbicidas e pesticidas”, estas pontas de cigarro contêm igualmente “alcatrão, nicotina, arsénio, monóxido de carbono, cianeto de hidrogénio, benzeno ou acetona”, além de “acetato de celulose, ou seja, plástico”.
Mas mesmo sem a proposta do PAN são já vários os regulamentos e leis que tentam travar comportamentos menos cívicos.
Leis, recomendações e regulamentos
No início de janeiro, a Câmara Municipal de Lisboa anunciou ter feito alterações ao Regulamento de Gestão de Resíduos, Limpeza e Higiene Urbana incluindo a criação de novas contraordenações, entre as quais para quem lançar beatas ou pastilhas elásticas ao chão, com uma coima que pode ir até 1.500 euros para singulares, ou a proibição de copos de plástico descartáveis.
E Lisboa não está sozinha. Funchal e Leiria adotaram medidas semelhantes embora com multas inferiores às da capital: 50 euros na Madeira e, no máximo, 500 euros, em Leiria, segundo um levantamento feito pela Deco Proteste em outubro de 2018.
As leis em vigor são essencialmente municipais, não existindo por isso uma matriz comum a nível nacional. Por exemplo, a proibição de derramar água na via pública fora de certos horários só é punível em algumas regiões do país. Em Oeiras, a rega de plantas em varandas que impliquem derramar água na via pública não pode ser feita entre as 7h e as 00h, ao passo que no Porto é proibida “qualquer operação de limpeza doméstica ou rega de plantas das quais resulte o derramamento de águas para a via pública, quando efetuadas entre as 8h00 e as 23h00”, refere o mesmo artigo. À imagem da rega de plantas, também sacudir tapetes à janela pode dar direito a coima em alguns municípios.
Há também comportamentos que são apenas penalizados em alguns municípios, como ter ares condicionados a verter líquido, que em Matosinhos dá direito a uma coima específica, e comportamentos que são penalizados quase unanimemente, como o deixar os sacos do lixo fora do contentor, que em Lisboa pode custar até 772 euros de coima. Também não apanhar os dejetos de cães da via pública dá direito a coima.
Outro tipo de comportamentos que são punidos nos principais municípios do país são cuspir e urinar na via pública, atos que podem dar direito a multa no Porto, Oeiras, Lisboa ou Matosinhos. Nesta cidade do Norte, a contraordenação pode mesmo atingir o equivalente a dez salários mínimos. A utilização de fogareiros a carvão, por prejudicarem vizinhos, também é punível em algumas zonas do país. Para evitar infrações, o melhor mesmo é consultar o regulamento do município.
Mas há também leis nacionais para gerir as relações entre vizinhos, nomeadamente ao nível do ruído. É proibido fazer barulho com obras entre as 20h00 e as 8h00, mas também durante todo o dia aos sábados, domingos e feriados. E as conversas ruidosas ou a música alta podem dar multa entre as 23h e as 7h.
E apesar das coimas, há hábitos que persistem, como alimentar pombos. Mas nem sempre isso foi visto com maus olhos. Antes pelo contrário.
Os pombos: uma “cruzada humanitária” que virou proibição
“A crise de alimentação, que se faz sentir um pouco por toda a parte, afecta também os pombos de Lisboa. Porque tenha encarecido o milho? Não. Simplesmente, porque se esgotaram as reservas da União Zoófila, a entidade que tomou para si o encargo de prover ao sustento diário dos graciosos columbídeos (…).
Que pretende, portanto, a União Zoófila, a braços com o grave problema da alimentação das simpáticas aves que animam com a sua presença alada algumas praças de Lisboa? Que as almas bem formadas a auxiliem, quer directa, quer indirectamente, nesta cruzada humanitária. Os pombos de Lisboa estão ameaçados de passar fome.”
O excerto é 1956 e surge na primeira página do Diário de Lisboa de 25 de julho, numa época em que alimentar pombos era visto como uma necessidade e até mesmo uma “cruzada humanitária”. No dia anterior, a 24 de julho de 1956, os problemas dos columbídeos ocupavam o mesmo espaço, para dar conta da sede das aves. “Nestes dias ardentes de Verão, muitos deles não têm um bebedouro onde se possam dessedentar”, alertava o jornal lisboeta.
Cerca de 60 anos depois, muito mudou na relação entre os portugueses e os pombos. Alimentar estas aves é um hábito enraizado, mas agora é punido por Lei. Os riscos da reprodução descontrolada e a multiplicação dos dejetos, que transmitem doenças, levou gradualmente à imposição das proibições. Segundo o apanhado da Deco Proteste, Lisboa, Sintra e Porto são concelhos que o proíbem, com a capital a prever coimas até 106 euros a quem alimentar os pombos da cidade.
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