Timmermans: o socialista que quer importar a geringonça para Bruxelas e que o grupo de Visegrado rejeita

Novo modelo de distribuição de cargos em cima da mesa pode garantir liderança da Comissão Europeia ao socialista Frans Timmermans. Mas quem é? E porque razão Hungria ou Polónia lhe resistem?

“Hoje o Reino Unido parece a ‘Guerra dos Tronos’ com esteroides.” A frase é de Frans Timmermans e não surgiu por acaso no debate entre os vários candidatos de cada família política europeia na campanha para as últimas europeias. O candidato dos socialistas europeus falava da estratégia política de “dividir para conquistar”, identificando-a no Reino Unido, no processo que levou ao ‘Brexit’, mas também no discurso dos partidos políticos mais nacionalistas que foram pululando pela Europa nos últimos anos.

E foi também à conta da posição mais dura que foi assumindo nos últimos anos face ao crescimento de partidos nacionalistas e a surtos antidemocráticos de governos atualmente em funções na União Europeia do século XXI que o “candidato comum de todos os socialistas europeus”, como lhe chamou Pedro Sanchéz, que o nome de Timmermans deu por si afastado da corrida à Comissão Europeia logo nas etapas iniciais das negociações pós-Europeias de maio. Contudo, o impasse aparentemente insanável em que caíram as negociações nas (e para as) cúpulas ‘bruxelianas’ obrigaram à recuperação do holandês como candidato viável.

Ainda que não de forma expressa, também a ideia que Angela Merkel, chanceler alemã, deixou passar de que aceitaria Timmermans para liderar a CE desde que ‘recebesse’ como moeda de troca a nomeação do alemão Jens Weidmann para o BCE e de outro alemão para o Parlamento Europeu — Manfred Weber — ajudou à recuperação da candidatura. Isso e o facto de Weber, o “grande candidato” do PPE à Comissão Europeia, ser visto como alguém de reduzida experiência política — nunca foi primeiro-ministro ou sequer ministro. Ao contrário de Timmermans.

Quem é Frans Timmermans?

Começando de forma cronologicamente inversa ao normal, em maio de 2019. A vitória dos socialistas holandeses nas Europeias deste ano foi uma das maiores surpresas do sufrágio a nível europeu. Apesar de a vitória ter sido obtida com apenas cerca de 19% dos votos, este resultado compara com os 9% de 2014 e foi contra todas as previsões — muito provavelmente graças à elevada participação dos eleitores holandeses no ato eleitoral. O mérito pela surpresa e pelo bom resultado foi atribuído a Frans Timmermans que, ao sair vitorioso na Holanda, consolidou a sua candidatura à Comissão Europeia.

Com uma campanha assente numa forte mensagem pró-europeia, o que acabou por impulsionar todos os partidos holandeses pró-UE, que em conjunto recolheram 70% dos votos expressos, o socialista foi “obrigado” a liderar duas campanhas, uma no campo doméstico, e outra no campo europeu, já que fez questão de também ter ações de campanha em diferentes países europeus, num périplo que o levou um pouco por toda a UE28 e que ficou conhecido como o ‘Tour de Frans’.

A nível europeu, o holandês iniciou a campanha em outubro de 2018, na sua cidade natal, Heerlen, tendo passado também por Portugal já a menos de um mês das Europeias, tendo estado em Viseu, numa ação focada em mensagens para as classes mais jovens, a “geração mais bem preparada”, mas também aquela “mais desafiada” pelos tempos atuais, explicou então.

Sobre Portugal, a posição então manifestada por Timmermans não podia ter sido mais clara. Exportar o modelo da geringonça para a Europa é o caminho a trilhar. O plano de António Costa “está a dar bons resultados em Portugal”, sublinhou na altura, nomeando o caso português como um exemplo de como o socialismo pode ser o caminho: “Se alguém vos disser que o socialismo não pode funcionar, que é muito caro, que eles são despesistas, digam-lhes: vão a Portugal”, disse aos viseenses presentes no lançamento da campanha de Pedro Marques.

 

Sendo socialista, e não tendo tido quaisquer pruridos em criticar e promover sanções aos países da UE28 que nos anos mais recentes violaram as regras comunitárias com pulsões autoritárias, naturalmente que Timmermans não é visto com bons olhos pelo chamado grupo de Visegrado — Polónia, Hungria, República Checa e Eslováquia –, que se opôs de forma firme à sua nomeação, numa oposição liderada pela Polónia e pela Hungria. Foram estes quem, no seio dos Populares Europeus quiseram bloquear desde o primeiro dia a indicação de Timmermans para a CE — já que serão ainda mais sancionados caso decidam por mais avanços antidemocráticos.

Mas há outras razões para a direita europeia olhar com desconfiança para Timmermans. Com a Comissão Europeia dominada desde 2004 pelo Partido Popular Europeu, ver Bruxelas ser liderada por alguém que, entre outros pontos, defende a recuperação da força dos sindicatos depois do ataque que sofreram durante os anos da austeridade, ou que procura promover a criação de regras comuns para salários mínimos a nível comunitário e a imposição de uma taxa mínima de 18% de imposto sobre as empresas para vigorar em todos os países da UE, sem exceção, é visto como uma ameaça ao status quo que foi sendo desenhado na última década e meia pelo PPE.

Timmermans foi nos últimos quatro anos vice-presidente da Comissão Europeia, assumindo para si as pastas das Relações Interinstitucionais, e as associadas ao acompanhamento do respeito pelo Estado de Direito e pela Carta dos Direitos Fundamentais na União Europeia. Desde 2014, foi responsável a nível comunitário pela Estratégia por uma Economia Circular e pela primeira estratégia do mundo para combater a poluição causada pelos plásticos, votada recentemente pelo Parlamento Europeu, tendo proposto legislação para melhor licenças parentais, promover igualdade do género — desde as desigualdades salariais, ao reforço do total de mulheres em posições de liderança.

O combate à discriminação, e a todas as formas de extremismo e de racismo, também surgem no CV de Timmermans, que ao longo da sua vice-presidência coordenou também o trabalho da Comissão em prol do combate ao antissemitismo e à discriminação contra muçulmanos. Não por acaso, e entre a mensagem pró-europeia, anti-extremista e denunciadora de abusos antidemocráticos no seio da UE28, o socialista teve de enfrentar algumas resistências para conseguir levar a sua ‘Tour de Frans’ à Hungria.

Mas avancemos. Ou antes, recuemos. É que agora que já apresentámos algumas ideias-chave do escolhido para cabeça de lista dos socialistas europeus, podemos então inverter a cronologia e voltar ao início.

Frans Timmermans nasceu em 1961, em Heerlen, na região de Limburg na Holanda, é casado e tem quatro filhos — e dois cães. Fã de futebol e música, diz-se adepto do Roda JC, clube de que chegou a ser dirigente, e da AS Roma, com as preferências musicais a recaírem para Bruce Springsteen.

Licenciou-se em Literatura Francesa em 1985, na Universidade de Nijmegen, tendo realizado estudos pós-graduados nos dois anos seguintes, não só reforçando a componente de Literatura Francesa, como em Direito Europeu. Interessou-se pela política pouco depois de terminado o percurso académico, entrando no Ministério dos Negócios Estrangeiros holandês em 1987, de onde saiu para a Embaixada da Holanda na Rússia, aquando do desmantelamento da União Soviética.

Foi eleito seis vezes para o Parlamento Holandês como deputado do Partido Trabalhista, com mandatos entre 1998 e 2007, e de 2010 a 2012, tendo sido ministro dos Negócios Europeus (2007-2010) e dos Negócios Estrangeiros (2012-2014) nos interregnos como deputado. A estreia na hierarquia europeia deu-se em 1994, como assistente do comissário Hans Vandenberg, curiosamente um ex-eurodeputado do Partido Popular Europeu, voltando a Bruxelas para servir como vice-presidente de Juncker no final de 2014.

Timmermans por Timmermans

Nos últimos meses, especialmente depois de ter surgido como o candidato dos socialistas europeus, para as eleições de 2019, o holandês multiplicou-se em entrevistas. Deixamos, na primeira pessoa, algumas das posições que foi transmitindo:

Austeridade e futuro europeu:

  • “Está na hora de acabar com a política de austeridade. Já mudámos a maneira como fazemos muito do nosso trabalho: concentramo-nos mais nos grandes temas. Mas para fazermos o que queremos, precisamos de ter mais força. Precisamos criar uma aliança progressiva e garantir uma maioria progressista no Parlamento Europeu. É um trabalho lento e difícil, mas podemos lá chegar e avançar para o que é urgente, como a reforma fiscal.
  • “Precisamos fazer com que as grandes multinacionais, que ganham muito dinheiro na Europa, comecem a pagar impostos. O que não acontece agora. Para isso, precisamos da Europa. Individualmente, os Estados membros não podem fazê-lo. Também precisamos que os salários aumentem, na Europa.”

Sistema financeiro e extremismo:

  • A subida da extrema-direita, em muitas regiões da Europa, tem a ver com o comportamento do setor financeiro. As pessoas estão fartas de verem milhões e milhões de euros do dinheiro dos contribuintes servirem para resgatar bancos, que voltam a portar-se mal.”
  • “As pessoas veem que os bancos têm bons resultados mas não estão a sair da crise. Por isso, é extremamente importante concluir a união bancária, para que os bancos em apuros não voltem a pedir dinheiro aos cidadãos. Também temos de reforçar as regras das transações financeiras e da maneira como os bancos operam. Quase todos os dias há novos escândalos e isso é inaceitável e está a criar um fosso na sociedade.”

Protecionismo e multilateralismo:

  • “A União Europeia é vista no resto do mundo como a protetora do sistema multilateral. Fomos nós que criámos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas e fizemos com que fossem aceites. Fomos nós que conseguimos reunir todas as nações no Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas.”
  • “Temos um enorme legado e uma enorme responsabilidade para salvaguardar esse sistema — ainda mais na era Trump. Veja-se, por exemplo, as discussões recentes com o Japão ou com a China. Há uma predisposição em todo o mundo para seguir o caminho europeu do multilateralismo.”
  • “Mas também temos uma luta interna na União Europeia, face à tentação de um regresso às fronteiras nacionais — por desespero ou por falta de perspetiva. Temos de lutar contra essa tendência. Não podemos criar uma sociedade melhor para os nossos cidadãos, se recuarmos para as fronteiras nacionais. Isso não irá levar-nos a lado nenhum.”

Boris Johnson a primeiro-ministro britânico?

  • “Por amor de Deus! Não!”

Poluição, clima e CO2:

  • “Precisamos de uma taxa de CO2 a nível europeu. Essa é a principal mudança que levará os produtores a perceberem que é preciso mudarem a maneira como produzem. Também precisamos aumentar o comércio de carbono, aumentando o preço dos direitos de emissão.”
  • “O que introduzimos, por exemplo, na legislação sobre plásticos é que os produtores também são responsáveis ​pelos resíduos que criam. Portanto, se não se pode reutilizar nem reciclar e se tornar um desperdício, os custos para os produtores aumentarão. Então é assim que se obriga os produtores a serem mais responsáveis ​pelos desperdícios que criam.”

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