Culpa dos juros negativos é da Alemanha, diz Constâncio em entrevista ao Der Spiegel

Para o antigo vice-governador do BCE, o governo alemão deve deixar a política de equilíbrio orçamental, aumentar os seus gastos e endividar-se mais. "Assim resolveria vários problemas de uma só vez."

“Quem é o responsável pelas taxas de juro negativas na Zona Euro?” A pergunta foi feita pelo jornal alemão Der Spiegel (conteúdo em inglês, acesso livre) ao antigo vice-governador do Banco Central Europeu (BCE) Vítor Constâncio, com o responsável português a rejeitar qualquer responsabilidade do banco central pelo atual ambiente de juros abaixo de zero em muitos países, culpando, ao invés, a política económica de equilíbrio orçamental da Alemanha. “A postura alemã não faz sentido do ponto de vista económico”, criticou Constâncio.

O português esteve em Frankfurt nos últimos oito anos, tendo o seu mandato de número dois do BCE terminado em maio de 2018. E pode agora falar “livremente” sobre a economia e política monetária sem que os mercados fiquem em sobressalto, como lembra o Der Spiegel, que entrevistou Constâncio, este fim de semana, a propósito dos “tempos difíceis” que vivem os aforradores alemães.

Na semana passada, o presidente da Associação Alemã de Bancos escreveu uma carta ao presidente do BCE, Mario Draghi, acusando-o de ter “abolido das taxas de juro” nos depósitos. Vítor Constâncio concorda com esta posição?

“Não penso que seja assim”, começou por responder o economista português. “Em primeiro lugar, não espero que haja taxas de juro negativas nos depósitos do retalho. E, em segundo lugar, os bancos centrais ou o BCE não estão sozinhos por detrás de toda esta tendência de juros cada vez mais baixos. Os juros estão baixos em todo o lado. (…) Tudo isto resulta de um fenómeno que os economistas chamam de estagnação secular: nas economias desenvolvidas, há falta de procura agregada — ou, noutras palavras, um excedente de poupanças face aos investimentos planeados”, explicou depois.

"Os bancos centrais ou o BCE não estão sozinhos por detrás de toda esta tendência de juros cada vez mais baixos. Os juros estão baixos em todo o lado. (…) Tudo isto resulta de um fenómeno que os economistas chamam de estagnação secular: nas economias desenvolvidas, há falta de procura agregada — ou, noutras palavras, um excedente de poupanças face aos investimentos planeados.”

Vítor Constâncio

Antigo vice-presidente do Banco Central Europeu

O Der Spiegel interpretou a resposta como uma crítica aos alemães, que “estão a poupar demasiado e a não gastar o suficiente”. Constâncio concordou com essa interpretação. E questionado depois sobre se os juros na Zona Euro voltarão a níveis de 3%, 4% ou 5% novamente, como era “comum há dez anos”, o português disse que espera que sim.

“Mas para atingirmos isso, empresas e governos têm de investir mais para aumentar a procura económica global. Os bancos centrais estão a tentar ajudar com isto: eles querem estimular os gastos para que a inflação normalize adequadamente. É o seu o seu mandato”, referiu o antigo vice-governador.

Constâncio explicou que os governos devem endividar-se porque fizeram ajustamentos orçamentais nos últimos anos, não estão a gastar tanto quanto deviam para impulsionar a economia e estão a emitir menos dívida, o que leva a que os investidores tenham de pagar para emprestar dinheiro aos governos. Por outro lado, o facto de o mercado estar mais conservador do que nunca desde a crise financeira e à procura de ativos seguros como as dívidas soberanas, a tendência será a de juros cada vez mais baixos nas dívidas públicas.

Solução para Constâncio? “A criação de uma obrigação europeia segura — sem que os Estados tenham de ser mutuamente responsáveis uns pelos outros”, disse.

“Mas a ideia de Eurobonds não é muito popular na Alemanha”, ripostou o jornalista. Resposta de Constâncio: “Esse ativo europeu seguro é diferente das Eurobonds que foram propostas no passado, porque não implica qualquer mutualização da dívida [não há partilha do risco entre os países]. Mas, claro, mais dívida do Governo alemão também ajudaria a aumentar a oferta de instrumentos financeiros seguros”.

"Não acho que essa postura faça sentido do ponto de vista económico. Se o setor privado quer poupar mais do que quer investir, três coisas poderão estar a acontecer. Primeiro, há um excedente na conta corrente. Segundo, as taxas de juros ficam cada vez mais baixas e os preços dos ativos, incluindo os preços do imobiliário, sobem de forma acentuada. E terceiro, o Estado pode entrar em défice para compensar o “excesso” de poupança privada.”

Vítor Constâncio

Antigo vice-governador do Banco Central Europeu

Foi neste ponto que o português criticou a política económica da Alemanha de equilíbrio orçamental. “Não acho que essa postura faça sentido do ponto de vista económico. Se o setor privado quer poupar mais do que quer investir, três coisas poderão estar a acontecer. Primeiro, há um excedente na conta corrente. Segundo, as taxas de juros ficam cada vez mais baixas e os preços dos ativos, incluindo os preços do imobiliário, sobem de forma acentuada. E terceiro, o Estado pode entrar em défice para compensar o “excesso” de poupança privada”, disse.

Quando isto acontece, explicou Constâncio, “o Estado deve expandir o seu défice e aumentar os seus investimentos, assim como a oferta de obrigações do governo. Isto também deverá levar a taxas de juro mais elevadas e a um excedente da conta corrente mais baixo”. “A Alemanha poderia assim resolver vários problemas de uma vez”, disse ainda.

Lembrou ainda que o excedente muito grande na conta corrente “também leva a reações hostis de outros países, especialmente dos EUA. Isso implica o risco de retaliação contra a Europa como um todo e a Alemanha em particular. E esse perigo aumentou recentemente”.

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