Porque é que a EDP foi multada pela AdC? 15 perguntas e respostas

  • ECO
  • 18 Setembro 2019

O que são os CMEC? O que é que a EDP fez? E de que forma é que a elétrica lesou os consumidores, são algumas das questões que se colocam perante esta multa. Veja as respostas.

A EDP foi condenada a pagar 48 milhões de euros pela Autoridade da Concorrência (AdC). A multa diz respeito a abuso de posição dominante, que implicou a manipulação da oferta do serviço de telerregulação ou banda de regulação secundária. Segundo a autoridade, a EDP Produção conseguiu assim obter duplas compensações ao longo de cinco anos.

Dos Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) à coima aplicada à elétrica portuguesa, veja as perguntas que o vão ajudar a compreender melhor esta multa. As respostas foram dadas pela Autoridade da Concorrência.

1. O que são os CMEC?

Os Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual foram um mecanismo criado pelo Governo português no ano de 2004, para compensação das unidades de geração de energia, em troca da rescisão antecipada dos Contratos de Aquisição de
Energia (CAE) que tinham assinado com o Gestor Global do Sistema (GGS), a REN.

O objetivo dos CMEC foi, assim, garantir que as unidades de geração de energia elétrica obtivessem uma remuneração idêntica à que poderiam ter caso os CAE não tivessem sido rescindidos, traduzindo-se a respetiva remuneração num pagamento adicional sobre as receitas obtidas no mercado, para que a margem total angariável pela unidade geradora se aproximasse da que havia sido contratada nos CAE.

2. O que são serviços de sistema?

Trata-se de serviços necessários para a operação do sistema elétrico nacional, com adequados níveis de segurança, estabilidade e qualidade de serviço. Estes serviços permitem à REN, enquanto Gestor Global do Sistema (GGS), garantir o equilíbrio permanente entre a energia produzida e a energia consumida, gerindo os eventuais desvios entre a energia que foi programada fornecer nos mercados organizados e a energia que é efetivamente necessária à satisfação da procura em tempo real.

3. O que é a banda de regulação secundária ou telerregulação?

É um dos serviços de sistema ao dispor do GGS para garantir o equilíbrio constante entre produção e consumo, corrigindo os desequilíbrios num prazo entre 30 segundos e cinco minutos. O serviço oferecido ao GGS traduz-se na capacidade de variar produção numa determinada banda, sendo remunerado segundo a disponibilidade (reserva disponibilizada para baixar ou aumentar a produção) e a sua mobilização (energia efetivamente utilizada a baixar ou a subir).

A prestação deste serviço é assegurada normalmente por um regulador central automático, instalado no GGS, sobre os grupos geradores das centrais que se encontrem devidamente equipadas para o efeito.

4. A prática pela qual a EDP Produção foi condenada afeta a concorrência de que forma?

A EDP Produção foi condenada pela AdC por abuso de posição dominante, na forma de abuso de exploração. O comportamento da EDP Produção consistiu na limitação de capacidade de prestação de banda de regulação secundária das centrais em regime CMEC, com remuneração garantida, desviando a prestação desse serviço para centrais em regime de mercado da EDP Produção, aumentando desnecessariamente os custos para o Sistema Elétrico Nacional.

Esta prática conduziu, ainda, a um aumento dos preços da banda de regulação secundária, pago pelo GGS, que se repercutiu nos custos do sistema elétrico nacional, por sua vez refletidos nas tarifas incluídas nos preços da energia elétrica pagos pelos
consumidores finais.

5. Quantas e quais eram as empresas concorrentes da EDP Produção neste mercado?

As concorrentes da EDP Produção no mercado da banda de regulação secundária, entre 2009 e 2013, foram a REN Trading, a Iberdrola e a Endesa.

6. E os consumidores, como foram lesados?

O comportamento da EDP Produção foi duplamente lesivo para os consumidores. Por um lado, conduziu à obtenção, pela EDP Produção, de compensações públicas mais elevadas ao abrigo do regime CMEC, as quais se refletem nas tarifas de acesso às redes suportadas pelos consumidores. Por outro lado, levou ao aumento dos preços no mercado da banda de regulação secundária, refletindo-se tal sobrecusto neste mercado nos preços finais da energia pagos pelos consumidores.

Estima-se que a prática da EDP Produção tenha gerado para o sistema elétrico nacional e, portanto, para os consumidores, um dano de cerca de 140 milhões de euros.

7. Como foi detetada esta prática?

Em 13 de março de 2013, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) dirigiu à AdC um ofício, acompanhado de um Estudo, analisando a evolução e formação de preços dos serviços de sistema, com especial incidência no mercado da banda de regulação secundária.

A ERSE suscitou à AdC a análise e identificação de eventuais práticas anticoncorrenciais, tendo qualificado o comportamento da EDP Produção subjacente às respetivas estratégias de oferta no mercado da banda de regulação secundária como uma “atuação em uso do poder de mercado”, potencialmente restritiva da concorrência.

8. Se os factos dizem respeito ao período entre 2009 e 2013, porque é que a AdC só abriu um inquérito em 2016?

No seguimento da análise da referida participação da ERSE, matéria que a AdC já vinha, aliás, a acompanhar em sede de supervisão, a AdC emitiu, em 25 de novembro de 2013, uma Recomendação ao Governo relativa ao regime CMEC. Na sequência da participação da ERSE e da Recomendação da AdC, o Secretário de Estado da Energia impôs, por Despacho n.º 4694/2014, de 1 de abril, a adoção de um conjunto de medidas para corrigir os problemas identificados no mercado da banda de regulação secundária.

O mesmo Despacho mandatou ainda a REN para a realização de uma auditoria, tendo por objeto apurar e quantificar as distorções no mercado da banda de regulação secundária decorrentes da atuação das centrais em regime CMEC. A referida Auditoria veio a ser realizada pela consultora internacional The Brattle Group, tendo sido concluída apenas em junho de 2016. O inquérito da AdC foi aberto na sequência dos resultados da Auditoria.

9. A condenação da EDP Produção diz respeito à existência dos CMEC?

A decisão condenatória da AdC diz respeito ao comportamento da EDP Produção no mercado da banda de regulação secundária, em particular através da limitação da oferta de capacidade das respetivas centrais em regime CMEC. Não está em causa a existência dos CMEC, mas antes a utilização (abusiva) que foi feita do respetivo regime em favor da empresa e em prejuízo dos consumidores.

10. Se os CMEC foram definidos pelo Estado português, porque é que a empresa não podia beneficiar deles?

Na perspetiva da AdC, a EDP Produção não se limitou a beneficiar dos CMEC, tendo-se servido efetivamente do sistema regulatório para explorar a sua posição dominante no mercado da banda de regulação secundária em Portugal Continental, com vista à adoção de uma estratégia de restrição de oferta de capacidade, que lhe permitiu beneficiar de preços e compensações públicas mais elevadas, com evidente prejuízo dos consumidores nacionais.

À luz do Direito da Concorrência, um sistema regulatório, como o regime CMEC, apenas pode isentar uma empresa de responsabilidade se o comportamento ilícito lhe for imposto, exigido ou determinado pela legislação nacional. No presente caso, a EDP Produção manteve integralmente a sua autonomia de conduta, tendo sido por sua própria iniciativa e decisão que adotou uma conduta abusiva de restrição da oferta de banda de regulação secundária.

11. O procedimento sancionatório da AdC esteve relacionado com a Comissão Parlamentar de Inquérito aos CMEC? E com o processo que o Ministério Público tem em curso?

O objeto do procedimento sancionatório da AdC restringiu-se à apreciação, à luz do Direito da Concorrência, da identificada limitação da oferta de capacidade de banda de regulação secundária pela EDP Produção, em particular nas suas centrais em
regime CMEC. Não existe, nesse sentido, sobreposição com a investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito aos CMEC ou com o inquérito criminal do Ministério Público.

12. É expectável que, depois desta coima, a fatura da eletricidade baixe?

A Recomendação da AdC de 25 de novembro de 2013 conduziu à cessação gradual da prática investigada e agora sancionada, com impacto positivo para o Sistema Elétrico Nacional e para os consumidores, uma vez que permitiu a redução do preço de mercado da banda de regulação secundária, das compensações CMEC à EDP Produção e, por conseguinte, do valor total da fatura da eletricidade.

A presente decisão condenatória e a coima aplicada tiveram por fim punir a conduta da EDP Produção no mercado de banda de regulação secundária em Portugal Continental entre 2009 e 2013, a qual constitui uma infração ao regime jurídico da concorrência.

13. Como foi determinada a coima a pagar pela EDP Produção?

Na determinação da coima aplicada à EDP Produção, a AdC usou a metodologia definida nas suas Linhas de Orientação para o cálculo de coimas, de acordo com a Lei da Concorrência, que prevê um máximo de 10% sobre o volume de negócios da empresa condenada no ano anterior à decisão. Foram particularmente considerados os seguintes critérios: a gravidade da infração, a natureza e a dimensão do mercado afetado pela infração, a duração da infração e a colaboração prestada à AdC até ao termo do procedimento.

14. Tendo em conta a estimativa de prejuízos para os consumidores no valor de 140 milhões de euros, será suficiente uma coima de 48 milhões de euros?

O valor da coima aplicada pela AdC neste processo é uma das mais elevadas alguma vez aplicadas pela AdC a uma empresa individual. Por outro lado, importa desde logo esclarecer que os procedimentos sancionatórios da AdC e, por conseguinte, as coimas aplicadas não têm por objetivo ressarcir danos, mas sim, punir violações do regime jurídico da concorrência, dissuadindo as empresas de futuras infrações, bem como pôr fim às práticas em causa.

Note-se que, atualmente, na sequência da transposição da Diretiva Private Enforcement para o quadro jurídico português, perante uma decisão condenatória da AdC, uma empresa enfrenta, não só o pagamento da coima, mas também a possibilidade de qualquer pessoa (singular ou coletiva) que tenha sofrido danos causados por uma violação do Direito da Concorrência recorrer aos tribunais para procurar obter o respetivo ressarcimento. A Decisão da AdC constitui, nesta sede, um importante instrumento no acionar das ações indemnizatórias.

Por outro lado, é de referir que os benefícios para a EDP Produção que advieram de uma sobrecompensação no âmbito do regime CMEC foi objeto de auditoria realizada pela Brattle, que resultou de uma recomendação da AdC em novembro de 2013. Os resultados da auditoria confirmaram uma sobrecompensação nas centrais CMEC e não-CMEC da EDP Produção, em prejuízo dos consumidores. A Comissão de Acompanhamento à Auditoria, da qual fez parte a AdC, recomendou “Equacionar, nos termos do n.º 4 do artigo 5º do Despacho 4694/2014, de 1 de abril, uma devolução no âmbito da revisibilidade CMEC do valor da sobrecompensação estimado pelo Auditor”.

15. Que tipo de atuação pode ter a AdC ao detetar práticas anticoncorrenciais?

A AdC tem poderes sancionatórios das infrações à Lei da Concorrência e ao Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) essencialmente no que diz respeito a dois tipos de prática correspondentes aos artigos 101 e 102 do TFUE: as concertações entre empresas e os abusos de posição dominante, como é o presente caso.

A deteção de práticas lesivas da concorrência pode ser alcançada através de denúncia ou por iniciativa própria da AdC perante indícios num determinado mercado. Para tal, contribuem essencialmente os estudos económicos que podem ter como resultado recomendações dirigidas ao Governo ou a outros responsáveis públicos no sentido repor as condições de concorrência num determinado mercado. Vejam-se os exemplos recentes do Issues Paper sobre Inovação Tecnológica e Concorrência no Setor Financeiro, os estudos sobre Ecossistemas Digitais, Big Data e Algoritmos ou ainda a Recomendação sobre Liberalização do
Serviço de Transportes Ferroviários de Passageiros.

A concorrência nos mercados é ainda garantida por limitações às aquisições de empresas, de modo a impedir a criação de monopólios ou a criação de empresas com excessivo poder de mercado, o que é feito através da análise às operações de concentração notificáveis à AdC ao abrigo da Lei da Concorrência.

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