Rutura no Livre. Quanta legitimidade tem Joacine como deputada sem partido?

Não é a primeira deputada não inscrita, mas é a primeira vez que um partido que conquistou representatividade parlamentar perde-a após as eleições. Quanta legitimidade mantém Joacine Katar Moreira?

Joacine Katar Moreira perdeu a confiança política do Livre e deverá passar a deputada não inscrita no Parlamento. Não é a primeira a ter este estatuto, mas é a primeira vez que um partido que elegeu um representante para o Parlamento perde essa representatividade.

O sistema eleitoral funciona por círculos distritais e o mandato entregue aos deputados pertence à pessoa, não ao partido. Ainda assim, quando votam em legislativas, os portugueses colocam a cruz num partido. Face a isto, quanta legitimidade política tem a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira?

Para o politólogo António Costa Pinto, investigador coordenador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, a questão “tem duas dimensões”. “A primeira remete para o sistema eleitoral: os portugueses votam em partidos. A segunda tem a ver com a seleção dos deputados nas listas”, explica.

António Costa Pinto aponta para a forma “altamente centralizada” com que são definidas as listas dos partidos, “negociadas entre o secretário-geral, a direção nacional e, em alguns casos, as comissões distritais”. Se fosse o caso, os deputados não inscritos, diz, “não têm legitimidade política” para ficarem, no caso da perda de confiança.

Mas a questão é diferente no caso de partidos como o Livre, que optaram por “novas formas de seleção” dos candidatos nas listas. Foi o que aconteceu com Joacine Katar Moreira, eleita para cabeça-de-lista do Livre pelo círculo eleitoral de Lisboa, numa espécie de “primárias internas”. Isso confere à deputada Joacine Katar Moreira uma “legitimidade acrescida”, defende.

“Muito embora não possamos ilustrá-lo ou prová-lo, tudo indica que o ‘efeito Joacine’ foi importante para ela ser eleita”, frisa. Por isso, “é inegável que a deputada Joacine Katar Moreira tem alguma legitimidade para ficar no Parlamento”, diz. Conclusão rápida? Joacine Katar Moreira “tem maior legitimidade do que a média dos deputados atuais” para ficar como deputada não inscrita na Assembleia da República (AR).

Muito embora não possamos ilustrá-lo ou prová-lo, tudo indica que o ‘efeito Joacine’ foi importante para ela ser eleita.

António Costa Pinto

Politólogo

João Cardoso Rosas, professor associado de Filosofia Política na Universidade do Minho, prefere analisar a questão pela ótica do sistema eleitoral, lembrando que “não é a primeira vez” que há deputados não inscritos no hemiciclo. Para o politólogo, a rutura entre Joacine Katar Moreira e o Livre “causa alguma perplexidade”, mas que isso deriva do sistema eleitoral e do facto de este “não permitir a escolha de pessoas”.

Sobre se um eleitor se pode sentir defraudado pela perda de representatividade do Livre na AR, e se Joacine Katar Moreira mantém legitimidade política como deputada não inscrita, João Cardoso Rosas reconhece que “é intuitivo que as pessoas pensem assim”. “Devemos procurar responder a essa intuição através de uma reforma do sistema eleitoral, quer por uma via que não comprometa a atual forma de representatividade, quer por uma via que inclua círculos uninominais”, indica.

“Essa é uma discussão tão antiga em Portugal e é tão recorrente que já teve vários episódios. Já houve diversos momentos noutras legislaturas, em que se tentou fazer essas reformas. Mas não foi possível alcançar o consenso necessário para a aprovação”, diz. “Há uma verdadeira oposição à mudança dentro dos quadros dos partidos. Uma oposição fortíssima. As pessoas que estão dentro do sistema estão confortáveis”, salienta.

O caso do Livre “é muito peculiar” para o politólogo, por ser “um micropartido”. Por isso, a questão da perda ou manutenção da legitimidade de Joacine Katar Moreira “faz todo o sentido”.

Joacine Katar Moreira tem legitimidade para continuar a fazer um trabalho político, mesmo sem a confiança do Livre.

José Adelino Maltez

Politólogo

José Adelino Maltez, professor catedrático da Universidade de Lisboa, tem uma opinião diferente e não vê qualquer dúvida sobre a legitimidade de um deputado não inscrito. “Há uma lei democrática que prevê expressamente esse caso. Nessas circunstâncias, passa a deputado não inscrito”, refere.

O politólogo acredita que Joacine Katar Moreira manterá uma “representação descritiva” no Parlamento, em detrimento de uma representatividade formal. “O meu representante formal são os deputados do partido em que eu votei. E outra coisa é a representação descritiva”, explica, nomeadamente, por exemplo, uma minoria. “O que estamos a assistir na democracia portuguesa é muitas vozes a quererem ser representantes descritivos”, refere.

“Se Joacine ficar [no Parlamento] e tiver forças, vai tentar uma representação descritiva e insistir em temas. Ela tem legitimidade para continuar a fazer um trabalho político, mesmo sem a confiança do Livre. Mas vai dar trabalho”, conclui.

Para já, como deputada não inscrita na AR, Joacine Katar Moreira passa a ter direito a apenas duas declarações políticas de um minuto cada por sessão legislativa (na prática, por ano), sem poder intervir em debates quinzenais, do Estado da Nação ou do Programa de Governo. Pode ainda ingressar em algumas comissões a pedido, mantendo o direito de ser informada sobre as ordens de trabalho da Conferência de Líderes no próprio dia.

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