As almofadas que Centeno pode utilizar até ao Orçamento retificativo

O ministro das Finanças garante que as medidas anunciadas até ao momento podem ser enquadradas no OE 2020. O excedente de 2019 também dará um melhor ponto de partida, mas retificativo está à vista.

Apesar de já ter admitido que esta crise terá impacto nas contas públicas, na ordem de “alguns” pontos percentuais do PIB, e que poderá haver um Orçamento retificativo em breve, o ministro das Finanças tem insistido, nas conferências de imprensa que tem dado nas últimas duas semanas, que há margem de manobra no Orçamento do Estado para lidar, numa fase inicial, com a pandemia e o seu impacto económico. Que almofadas financeiras são essas?

Mário Centeno disse esta quarta-feira que, para já, as medidas anunciadas — as garantias para as linhas de crédito, por exemplo, não terão impacto imediato no saldo, como o ECO já escreveutêm uma “execução orçamental que está dentro dos limites previstos”, o que sugere que, no imediato, não haverá Orçamento retificativo. Ainda que admita que o desafio da execução orçamental será “extraordinariamente maior” em 2020, o ministro argumentou que o Estado tem margens orçamentais que poderá usar.

Desde logo, a equipa do Ministério das Finanças recebeu esta quarta-feira uma boa notícia quando o Instituto Nacional de Estatística (INE) anunciou que houve um excedente orçamental de 0,2% (404 milhões de euros) do PIB em 2019. O Governo tinha previsto um défice de 0,1% (-171 milhões de euros) pelo que o ponto de partida para 2020 acaba por melhorar. O Orçamento do Estado para este ano tinha previsto um excedente de 0,2% (533 milhões de euros), o que tinha implícito uma consolidação de 707 milhões de euros que, com o excedente, passou a ser de apenas 129 milhões de euros. Em termos simples, se a melhoria do do saldo orçamental de 2019 tiver um efeito “carry-over” para 2020 (por exemplo, uma base tributável maior), poder-se-ia dizer que o OE (assumindo tudo o resto constante) começava com uma folga de 578 milhões de euros (quase 0,3% do PIB).

Mas a realidade, neste momento, é outra e bem mais complexa. A economia vai entrar em “recessão”, assumiu Centeno, e os estabilizadores automáticos “funcionarão livremente”, isto é, as receitas fiscais e as contribuições vão cair e os gastos com apoios sociais, como o subsídio de desemprego, vão subir. Ou seja, os pressupostos do OE já estão desatualizados ainda antes de entrar em vigor e a evolução prevista para a receita e para a despesa não se vai concretizar. Face a este panorama, para o economista Pedro Braz Teixeira, “dada a diferença que vai haver entre o saldo de 2019 e o de 2020, não é importante a ‘novidade’ [o excedente] trazida por estes números”.

Além do melhor ponto de partida, há alguns amortecedores que a equipa de Mário Centeno poderá usar, como o próprio já disse que fará, para amparar o “choque” do vírus na economia e nas contas públicas. Exemplo disso é que há partes da despesa pública que estão centralizadas no Ministério das Finanças e que poderão ser utilizadas até que o recurso ao Orçamento retificativo ou “suplementar”, como apelidou Rui Rio (que já garantiu que o PSD votará a favor), se torne uma realidade. Estes são instrumentos usados para travar a execução da despesa, sob controlo político, que podem ser usados para ocasiões inesperadas como esta e que cuja utilização aumentou com Centeno.

A dotação provisional (330 milhões de euros em 2020), as cativações (1.053 milhões de euros em 2019, sendo ainda desconhecido o valor de 2020) e a reserva orçamental (515 milhões de euros em 2020) são as três principais dotações orçamentais que estão sob controlo do Ministério das Finanças, mas há outras (que têm objetivos específicos). Segundo a UTAO, em 2020, o conjunto das dotações (excluindo cativações) no OE 2020 é de 1.805 milhões de euros — o equivalente a 0,9% do PIB —, mais 361 milhões de euros face a 2019. Somadas as cativações, esta possível “almofada” poderá ser superior a 1,5% do PIB.

No caso das cativações, estas derivam não só da lei do OE 2020 que já foi aprovada mas também do decreto-lei de execução orçamental que deverá ser publicado após a entrada em vigor do Orçamento a 1 de abril. Nesse decreto-lei Mário Centeno poderá aplicar cativações adicionais, optando por apertar os cordões à bolsa em algumas áreas da despesa para compensar o aumento dos gastos na saúde e na economia.

Apesar das margens orçamentais que possa ter, o mais provável, dada a dimensão e a duração do impacto do vírus — as quais ainda estão por determinar –, é que Mário Centeno venha a entregar o seu primeiro Orçamento retificativo ao Parlamento para aumentar os limites máximos de despesa autorizados pelos deputados, o que contrasta com o passado recente. Nos últimos anos, o ministro das Finanças tem sido criticado à esquerda e à direita por não executar toda a despesa que planeia, ficando aquém do que é aprovado pelos deputados e conseguindo “brilharetes”. Isso aconteceu, por exemplo, com o investimento público, o qual poderá também a ajudar amparar a deterioração das contas públicas em 2020 se se mantiver o padrão.

Ainda assim, face ao que poderá vir a ser o aumento dos gastos públicos, já é admitido como inevitável um défice expressivo que, para já, a incerteza impede de estimar com rigor. Neste campo, Portugal contará com a flexibilização proposta pela Comissão Europeia e aprovada pelos Estados-membros: a suspensão das regras orçamentais ao nível europeu, tendo sido dada a ordem para gastar o que for necessário. Não só o valor do défice será “ignorado” como as despesas relacionadas com esta pandemia serão consideradas temporárias (“one-off” no jargão europeu) e, por isso, excluídas do cálculo do saldo estrutural.

Porém, independentemente de contar ou não para as regras europeias, o desequilíbrio das contas públicas e a queda do PIB deverão levar à subida do rácio da dívida pública, o indicador mais vigiado por investidores e agências de rating, temendo-se o regresso de uma crise das dívidas soberanas como a que ocorreu após a crise financeira de 2008. As medidas já tomadas pelo Banco Central Europeu (BCE) têm como objetivo evitar esse cenário, mas há economistas a pedir mais, nomeadamente a emissão de títulos de dívida comunitários (eurobonds ou coronabonds) com partilha de risco entre os Estados-membros, com um desenho que não comprometa um país em particular.

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