Já havia pressão na despesa pública antes do Covid-19, alerta a Comissão Europeia
A despesa do Estado já estava sob pressão antes da pandemia, alerta a Comissão Europeia no relatório da última missão a Portugal, antecipando que tal se intensifique com os gastos inesperados.
A Comissão Europeia veio a Portugal numa missão em fevereiro antes de o surto chegar à Europa e a território nacional. Nessa análise, que foi publicada esta quarta-feira, os técnicos de Bruxelas já identificavam “pressões” na despesa pública, ainda sem contar com as despesas relacionadas com a pandemia. Apesar disso, o relatório faz um raio-x à economia portuguesa pré-Covid-19 e a conclusão geral é que a evolução estava a ser positiva.
“Independente das medidas do Covid-19, há pressões no lado da despesa do orçamento, em particular nos salários dos funcionários [públicos], assim como nas pensões e na despesa com os cuidados de saúde“, alertam os peritos no relatório da última missão de monitorização pós-programa a Portugal, o qual foi fechado a 6 de março, antes da situação da pandemia agravar-se em território nacional.
Apesar de alertarem para essa pressão nos gastos públicos, a qual vai aumentar significativamente por causa da despesa relacionada com a pandemia, a Comissão Europeia nota que as finanças públicas estavam num bom caminho, aproximando-se de um excedente orçamental, o que veio a acontecer já em 2019, como o INE divulgou recentemente. Da mesma forma, a dívida pública foi reduzida “a um ritmo razoável”, ainda que continue em níveis elevados e, por isso, perigosos para a sua sustentabilidade face a choques como o desta pandemia.
Para o futuro, os técnicos de Bruxelas continuam a pedir reformas orçamentais estruturais, nomeadamente com a introdução da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) — a qual foi adiada de novo recentemente –, para “reforçar o controlo da despesa e a relação custo-eficácia”. “Isto iria criar margem [orçamental] para despesa ‘amiga do crescimento’, particularmente investimento público de alta qualidade“, defendem.
Tal como em relatórios anteriores, a Comissão Europeia continua a identificar problemas na orçamentação na área da saúde dada a acumulação de pagamentos em atraso. Ainda assim, os peritos elogiam o reforço do orçamento inicial do SNS no Orçamento do Estado para 2020 e o plano para melhorar a sustentabilidade do sistema, o qual é uma “iniciativa promissora”, especialmente se for implementado “rápida e veementemente”.
Quanto ao crescimento da economia, que deverá passar a recessão em 2020, Bruxelas nota como Portugal tem crescido “bem acima” da média da Zona Euro, ainda que esteja em desaceleração. “As taxas de emprego e desemprego já estão perto do seu melhor histórico ainda que a criação de emprego tenha travado”, destaca. No entanto, os riscos relacionados com o enquadramento externo continuam a ser um desafio para o desempenho das exportações portuguesas e a pandemia irá exacerbar esse risco.
“O surto e a propagação do coronavírus de Covid-19 irá ter um impacto nos desenvolvimentos económicos e orçamentais em Portugal assim como noutros Estados-membros da União Europeia”, assume, sem surpresas, a Comissão Europeia. Contudo, tal como os economistas têm notado frequentemente, “o impacto económico e orçamental irá depender da duração e da magnitude da disrupção mundial e regional e na resposta política” pelo que “isto [o impacto] não pode ser quantificado no prazo de 6 de março de 2020 deste relatório”.
Dívida portuguesa “vulnerável” a choques. Bancos aumentam risco de contágio
Com Portugal a entrar num ano em que os custos com financiamento continuavam a cair, a Comissão Europeia elogiava o uso desta margem para reduzir a dívida pública e considerava que o Estado tinha uma “sólida” capacidade de fazer face às obrigações junto dos credores. No entanto, alertava que “o elevado rácio de dívida face ao PIB torna Portugal vulnerável a choques económicos”.
Ainda antes de a pandemia gerar pânico nos mercados financeiros e gerar uma forte subida nos juros da dívida, Bruxelas antecipava esta possibilidade. “Devido ao elevado rácio de dívida face ao PIB, as yields mantém-se vulneráveis. A curto prazo, a capacidade de Portugal reembolsar dívida mantém-se sólida, com yields baixas e estáveis, um calendário de amortizações relativamente suave e necessidades brutas de financiamento em declínio, bem como uma almofada financeira sólida”.
“A longo prazo, progressos na consolidação orçamental e reformas orçamentais estruturais seriam importantes para fortalecer ainda mais a sustentabilidade orçamental de Portugal e a capacidade de reembolso do país”, alerta.
O risco dívida vai além da capacidade de financiamento do Estado devido à elevada exposição da banca à dívida pública. Bruxelas volta a alertar que este é um risco de contágio entre o sistema financeiro no caso de crise. “Devido ao contexto de excesso de liquidez, os bancos estão gradualmente a aumentar a exposição a dívida soberana, o que aumenta a vulnerabilidade a potenciais correções no mercado de obrigações”.
Este ambiente deve-se às políticas excecionais do Banco Central Europeu (BCE), que causa igualmente pressão sobre as margens financeiras do setor. “A rentabilidade do sistema bancário português está a alcançar a média da Zona Euro, mas a sustentabilidade das melhorias continua incerta”, diz a Comissão Europeia.
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