Social Good Summit: Pandemia acentuou relevância da saúde mental

Transversalidade da saúde mental acentuou-se com pandemia. Articulação entre SNS, empresas e projetos de inovação social é "fundamental", assinaram especialistas na Social Good Summit.

A saúde mental é, cada vez mais, um tema referido na área do bem-estar, empresarial e de saúde pública. A pandemia veio, por isso, acentuar a importância desta dimensão, ao mesmo tempo que os planos de contingência nos isolaram socialmente, do contacto fisicamente próximo com os outros.

Na Social Good Summit de estreia em Portugal, que decorre online esta quarta-feira, Ana Matos Pires, média psiquiatra, sublinha o facto de falar sobre estes temas passar uma mensagem “importante de transversalidade”. “Não há saúde sem saúde mental e ter saúde mental é muito mais do que não ter doença mental”, sublinha a médica psiquiatra. “Uma situação destas tem efeitos nas nossas capacidades de adaptação e no nosso aparelho cognitivo. O que aconteceu, no caso particular do Serviço Nacional de Saúde, foi tentar dar uma resposta adaptada a estas necessidades“, assinala a especialista sobre a resposta imediata do serviço público no contexto da pandemia de coronavírus.

Além de terem sido mantidas as habituais respostas — consultas, agora em registo não presencial, serviço de urgência e de internamento –, o SNS tratou de criar duas respostas direcionadas para a situação de crise decorrente da pandemia. “Foram criadas linhas de apoio em cada um dos serviços locais para os próprios profissionais do serviço e, por outro lado, apoio direto aos doentes com Covid positivo”, detalha a médica psiquiatra. Talvez por isso, Ana Matos Pires acredite que o impacto da pandemia vá muito além do tempo em que, confinados ao espaço, estejamos com os movimentos sociais limitados. Os efeitos da pandemia, acredita a médica psiquiatra, vão ser estruturais. “Vai ter de deixar marcas nas novas formas de trabalhar, nos cuidados de saúde primátios e também no envolvimento com estruturas complementares ao Serviço Nacional de Saúde. E traz uma enorme mais-valia: acordar de consciência de muitos sobre a importância da saúde mental, que servirá de arma contra o estigma, e também de alerta para aumentar a literacia e respostas para a saúde mental“.

Foi para democratizar esse acesso a cuidados de saúde mental que, logo depois dos primeiros dias de estado de emergência, cinco startups pertencentes ao hub Casa do Impacto criaram o projeto acalma.online, desafiados pela diretora do hub criativo, Inês Sequeira. “O projeto saiu porque todos sentimos, eu em especial, que a saúde mental ia ser uma questão, não só porque entre as pessoas próximas com depressão e ansiedade, iam aumentar os seus sinais e, depois, porque pessoas próximas que nunca tinham tido problemas de insónias e ansiedade, começaram com ataques de pânico”, conta Inês Sequeira. “Achei que faria sentido falar com estas startups da Casa do Impacto para que tivessem um modelo de intervenção em crise e ver como, de uma forma gratuita, podíamos dar acesso a psicólogos que nos dessem instrumentos que permitissem lidar com esta situação”, explica a diretora da Casa do Impacto.

Também o projeto Manicómio, criado há um ano, é exemplo de disrupção e de uma estrutura, complementar à resposta do SNS, que apoia e dá expressão ao termo “saúde mental”. “Nem tudo pode ser feito pelo Serviço Nacional de Saúde: depende de todos. Doentes, profissionais e da estrutura em si. Passa por estarmos dependentes da nossa identidade e não tanto do outro”, assinala Sandro Resende, fundador do projeto.

O espaço inserido no NOW Beato, é “quase um hub criativo, sendo as pessoas que o frequentam artistas com experiência de doença mental”, e permite uma nova forma de trabalhar, “sem estigmas e sem olhares” de artistas que tenham experiência de doença mental. “Era preciso uma coisa fundamental: reforçar a identidade das pessoas que lá trabalham, e o seu valor. E depois, sim, trabalharmos a doença. Quando trabalhamos o seu valor estamos já a trabalhar a doença”, explica Sandro Resende. “Estamos sempre de porta aberta (…) Mais do que tudo, chama-se dignidade. A transformação vem de todos nós, não só dos artistas. E o facto de as empresas trabalharem connosco como artistas e não como doentes”, esclarece Sandro sobre o sucesso do projeto que trabalha já com 15 artistas.

"Não há saúde sem saúde mental e ter saúde mental é muito mais do que não ter doença mental.”

Ana Matos Pires

Médica psiquiatra

Inês Sequeira assinala também que a importância de uma ação conjunta passa por conseguir não aumentar as desigualdades, seja em tempos de pandemia ou não. “É importante falar da saúde mental no sentido de não agravar desigualdades sociais. Todos nós, em algum momento na vida, lidámos com problemas de ansiedade e depressão que nos afetaram no dia a dia, como podemos ter acesso democrático à saúde mental? Os ODS podem mostrar que numa visão holística todos se cruzam. Sem saúde, não partimos todos do mesmo ponto de partida, nem a possibilidade de ter uma vida plena”, sublinha.

Por isso, para Inês Sequeira, “as questões de saúde mental não dizem só respeito ao SNS. Dizem respeito às empresas e a projetos de inovação social, também. A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa lida com milhares de utentes e quase todos eles têm problemas de saúde mental. E não vamos, quase nunca, à raiz do problema. Nunca resolvemos o problema de fundo, que é o da saúde mental. Enquanto não encararmos o problema, e formos resolvendo questões de pobreza e de habitação, por exemplo, vamos estar a resolver outros sem mudar a vida das pessoas”, assegura, sublinhando: “A inovação social é fundamental para dar acesso, para dar visibilidade e para articular pequenos projetos de dimensões distintas mas todos na área da saúde mental”.

Para Sandro Resende, é importante tanto as empresas terem psicólogos a trabalhar com os funcionários como ter projetos específicos. Talvez, por isso, a solução passe por integrar. “Se calhar passa por incluir. Levar o valor que estas pessoas têm — sejam doentes mentais, com autismo — e potenciá-lo ao máximo. E quando trabalhamos isto, a resposta é sempre positiva. E não estamos aqui a resolver problema nenhum, mas estamos a levar o valor destas pessoas para o lado bom”, assinala o fundador do Manicómio.

Sobre os grandes desafios do período pós-Covid, a opinião é comum. Se para Sandro Resende, “a grande dúvida é se a nossa memória vai ser tão elástica que permita voltar rapidamente aos afetos, coisas pelo qual o povo português é tão conhecido”, para Inês Sequeira, a pandemia vai mudar algo na sociedade. “Acho que vai mudar mas o ser humano está sempre em mudança. Da mesma forma que percebemos a importância dos afetos e nos adaptámos, acho que o pós-Covid, o ser humano tem a capacidade de esquecer muito grande. Vai ficar nas nossas memórias mas acho que voltaremos ao que sempre fomos”, assinala.

Já Ana Matos Pires, retira para já uma aprendizagem. “Das coisas que o vírus nos tem ensinado é que isolamento físico não é sinal de isolamento social. Passada esta fase de maior necessidade de contenção de manifestações afetivas, elas são o nosso DNA. Não é um viruzito que nos vai retirar essa característica”, acredita.

A Social Good Summit, da Fundação das Nações Unidas e curado em Portugal pela It’s About Impact, marca a estreia deste evento no nosso país, com esta edição dedicada ao pós-coronavírus. Pode continuar a acompanhar a cobertura do evento no ECO.

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