Teletrabalho pode “achatar curva” da mobilidade e acabar com hora de ponta
Produtividade aumentou com o teletrabalho. As horas perdidas no trânsito "estão a ser aproveitados para outras coisas, incluindo trabalhar", dizem os especialistas.
As horas perdidas no trânsito das grandes cidades transformaram-se em tempo produtivo com o confinamento ditado pelo Covid-19 e o teletrabalho é agora visto como instrumento para “aplanar as horas de ponta” na curva da mobilidade, defendem especialistas.
Em declarações à Lusa, Paula Teles, especialista em Mobilidade, encontrou na expressão “aplanar a curva”, tantas vezes repetida pela Direção-Geral de Saúde relativamente à pandemia, a melhor explicação para o que faz falta à mobilidade: acabar com os picos das horas de ponta, sendo o teletrabalho uma das estratégias, a par de novos horários laborais, modos suaves (bicicleta, por exemplo) e serviços indispensáveis a distâncias a pé de zonas residenciais.
Álvaro Costa, professor na Universidade do Porto, considera o teletrabalho “uma grande solução”, que poderá deslocar pessoas para “cidades de média dimensão”, onde mais facilmente circulam a pé, sobretudo se o “atual receio de contágio nos transportes públicos” aumentar o uso do automóvel, “bloqueando as grandes cidades”.
“Não acho que vá haver menos congestionamentos, mesmo mantendo algum teletrabalho”, avisa.
Para o especialista, “atualmente o transporte público só é viável se aumentar muito a oferta para as pessoas se sentirem confortáveis”.
Modos suaves de deslocação, como a bicicleta, “não são alternativa” para Álvaro Costa: “As pessoas vão ficar mais pobres, o transporte público e uma maior oferta têm mesmo de ser a solução”.
Rosário Macário, professora e investigadora do Instituto Superior Técnico, aponta o “transporte partilhado”, entre vizinhos ou amigos, como solução para “o problema sério de receio” de circular nos transportes públicos.
Para a especialista em Transportes, o teletrabalho vai permanecer com “uma utilização muito mais intensa”, nomeadamente em “reuniões internacionais”.
“As ferramentas estavam disponíveis. A resistência era cultural. O Covid-19 trouxe essa evidência: em menos de 48 horas toda a gente se adaptou ao teletrabalho”, destaca.
Antes da pandemia, uma percentagem significativa da população perdia “uma 01:00 a 01:30 para cada lado em transportes”, com custos “económicos, de qualidade de vida e desgaste, com impacto na produtividade”, nota Rosário Macário.
“A perceção dos especialistas é que a produtividade aumentou com o teletrabalho. O desgaste e as horas perdidas estão a ser aproveitados para outras coisas, incluindo trabalhar”, assinala.
Paula Teles é acérrima defensora da bicicleta e da circulação a pé. Aponta-os como “o futuro”, assim se criem corredores seguros para esta opção dois-em-um, que poupa emissões de carbono e exercita o corpo.
Em todo o caso, sustenta que o teletrabalho “veio para ficar”, até por ser “uma das áreas em que se pode atuar rapidamente”.
Outra solução é “mudar horas de trabalho” e Paula Teles defende que “o Estado tem de dar o exemplo”, colocando quem não tem filhos ou já os tem autónomos com horários distintos dos restantes funcionários, para “aplanar as horas de ponta”.
Urgem também “políticas de planeamento urbano mais multidisciplinar”.
“Seja nas cidades dormitório, seja nas grandes cidades, devem existir minicidades com tudo: café, farmácia, papelaria, mercearia… Pequenas áreas de proximidade para, pelo menos por alguns dias, não sair da nossa zona de conforto”, descreve.
O momento para agir é agora. “As pessoas foram para casa [devido ao Covid-19] e as cidades ficaram transformadas em monstros. No betão onde agora faltam carros, que se implementem outras soluções”, sustenta.
A especialista refere a criação de corredores para modos suaves de deslocação, “sem grandes custos” ou perspetivas definitivas.
“Não podemos estar todos a tratar dos doentes e dos enfermos”, critica.
“Estamos em guerra. Quem tem competências no ordenamento do território e proteção do ambiente já devia estar a trabalhar. O excesso de deslocações motorizadas é um problema de saúde pública. As cidades têm de mudar, tornar-se mais resilientes, e este é o tempo para o fazer. Não precisam de medidas eternas”, propõe.
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