Danos segurados na tragédia de Beirute são ainda incertos, afirma AM Best
A explosão no porto de Beirute causou enorme destruição material. No Líbano, o seguro de propriedade e danos é pouco expressivo e o mercado concentrado é dominado por ramo Vida e automóvel.
Beirute foi palco de uma gigantesca explosão com número ainda incompleto de vitimas humanas, mas com danos materiais já estimados num patamar superior a 10 mil milhões de dólares. Enquanto se procuram sobreviventes no rescaldo da catástrofe, a agência AM Best afirma que o incidente está a ser investigado e, por isso, é cedo para uma avaliação das perdas seguradas, mas acrescenta que está em contacto com as seguradoras presentes no mercado, monitorizando a situação.
O incidente, a 4 de agosto, resultou da explosão de 2750 toneladas de nitrato de amónia – um químico usado no fabrico de fertilizantes e explosivos – que estiveram armazenadas num silo do perímetro portuário durante seis anos, depois de terem sido apreendidas de um navio.
Três dias depois do abalo que sacudiu Beirute sabe-se que a explosão devastou boa parte da zona circundante do porto de Beirute, uma área densamente habitada, e as estimativas dos estragos já subiram de 3000 milhões a 5000 milhões de dólares inicialmente adiantados pelas autoridades, para mais de 10 mil milhões de dólares, assumiu o governador da cidade, Marwan Abboud, citado na imprensa.
Declarado o “Estado de Emergência”, o presidente libanês, Michel Aoun, anunciou que o governo ordenou um inquérito para apurar as causas do incidente que fez número crescente de mortos, milhares de feridos e deixou cerca de 250 mil pessoas (mais de 10% da população de Beirute) sem poderem regressar a casa. A investigações centram-se, para já, no pessoal portuário e correm notícias de que 16 pessoas terão sido detidas para interrogatórios, fundamentados em suspeitas de corrupção.
Efeito da tragédia nos seguros é ainda “incerto”
Enquanto prosseguiam operações para encontrar sobreviventes sob amontoados de escombros, a estimativa de perdas materiais cresceu e, na perspetiva de danos eventualmente cobertos por seguros, a AM Best, agência de notação financeira referência mundial no setor de seguros, assume que o efeito da tragédia sobre a indústria local de seguros é, por agora, “incerto”.
Em comentário divulgado no dia seguinte ao terrível incidente na capital libanesa, a agência referiu que o incidente está a ser investigado e, por isso, é cedo para uma avaliação, mas está a monitorizar o desenrolar da situação.
As taxas de penetração dos seguros no Líbano, um país com uma economia baseada nos serviços e turismo (Beirute já foi um hub da banca no Médio oriente) são geralmente baixas e o seguro de propriedade representa apenas uma pequena parcela da indústria seguradora libanesa, que é dominada por três segmentos: vida, assistência médica e ramo automóvel. Com base nos dados mais recentes, estes segmentos representavam quase 85% do total de prémios brutos subscritos no Líbano em 2018.
Segundo refere a agência, o segmento de seguros de propriedade “tem sido uma linha em crescimento – representando 6% do total do volume bruto de prémios em 2018 – uma vez que as seguradoras têm aproveitado as suas relações com os segurados para compensar o desempenho mais fraco do negócio automóvel através da venda cruzada de produtos mais rentáveis”. Dada a extensão dos danos numa das regiões mais movimentadas e ricas do país, a AM Best reconhece que o incidente pesará sobre o já “desafiante setor de seguros do Líbano”.
Ambiente difícil para atividade seguradora
Noutro relatório da AM Best sobre o mercado libanês de seguros (“Lebanese Insurance Market Faces Mounting Uncertainty”), publicado em março de 2020, a agência assinalou que a agitação civil e a dívida pública crescente aumentaram o nível de incerteza económica, afetando negativamente a qualidade de crédito do mercado local de seguros.
Ainda, depois do catastrófico incidente no porto de Beirute, a AM Best reiterou que mantém contacto estreito com as empresas que acompanha no país, por via da sua missão de avaliação, e monitoriza continuamente a forma como evoluem naquele ambiente operacional “cada vez mais difícil”.
Dados produzidos pelo departamento de pesquisa económica e análise do Byblos Bank, citados no site Middle East Insurance Review (MEIR), indicam que o volume bruto de prémios de seguro no Líbano contraiu 5% em 2019, para cerca de 1,63 mil milhões de dólares (Vida e não Vida), depois de ter aumentado 3,6% em 2018.
A mesma fonte adianta ainda que, com base no relatório, a composição do ranking das 10 maiores manteve-se, de 2018 para 2019, embora com algumas trocas de posição na ordenação da lista.
Top5 das seguradoras no Líbano (por volume bruto de prémios)
As cinco maiores representavam 36,9% do mercado (Vida e não Vida) em 2019, contra um peso relativo de 16,2% no ano anterior. As 10 maiores respondiam por 62,3% dos prémios no ano passado. Por ramos de seguro, a concentração apresentava-se ainda mais forte, com 88% dos seguros Vida nas carteiras das 10 maiores (lideradas pela MetLife) num mercado operado por 32 companhias.
O volume de prémios em Vida caiu 9% face a 2018, totalizando cerca de 492 milhões de dólares em 2019. Mas o negócio não Vida pesava mais de dois terços do total de prémios emitidos.
Em termos da penetração dos seguros, o país apresentava uma taxa de 2,9% em proporção do pib (produto interno bruto). Já a taxa de densidade (prémios por habitante) rondava os 336 dólares, a retrair face aos 353 dólares de um ano antes.
Destruição do porto de Beirute pode agravar crise alimentar
O ministro da Saúde Hamad Hassan estimou que cinco mil pessoas ficaram feridas e precisam de tratamento hospitalar, a que junta um número ainda indeterminado de desaparecidos sob os restos de edifícios que desabaram. Equipas de busca internacionais estão no terreno, tentando resgatar eventuais sobreviventes dos escombros de diversos blocos de edifícios destruídos.
Vários países mobilizaram meios de auxílio logístico e técnico para ajudar em tratamento médico dos feridos e prestar socorro na tragédia que lembra a catástrofe de há cinco anos, no porto chinês de Tianjin, onde aconteceu uma gigantesca explosão de toneladas de TNT.
O incidente trágico vem complicar as dificuldades já conhecidas do Líbano, e em particular em Beirute, historicamente fustigada por tensão geopolítica (e guerra) na região e pela ausência de reformas num sistema político de influência militar que, 30 anos depois da guerra civil, continua a favorecer um governo ao serviço de fações dominantes e pouco recetivas aos apelos à mudança.
Além do impacto da pandemia, desemprego crescente e da crise financeira, e antes de encetar um enorme esforço de reconstrução, Beirute arrisca agora cair numa profunda crise humanitária e alimentar, por dificuldades de abastecimento de bens alimentares.
O gigantesco sinistro no maior porto marítimo do “país dos cedros” (o 2º é Tripoli, cidade costeira que partilha o nome da capital líbia), destruiu igualmente silos com mais de 10 mil toneladas de cereais ali armazenados (trigo, milho e cevada), uma situação que ameaça agravar a fome e já motivou apelos das agências das Nações Unidas (FAO e PAM) para obtenção de ajuda.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Danos segurados na tragédia de Beirute são ainda incertos, afirma AM Best
{{ noCommentsLabel }}