Pandemia não passou, mas bolsas parecem ter esquecido. Wall Street já ganha mais de 50%

A pandemia ainda não acabou, mas as bolsas já parecem ter esquecido. Nos EUA, os principais índices acionistas já sobem mais de 50% desde os mínimos tocados em março, acima dos ganhos na Europa.

Era ainda março quando se tornou claro que o coronavírus era um problema global, que levaria grande parte da população mundial a fechar-se em casa. As empresas foram obrigadas a parar atividade, as economias afundaram e os investidores entraram em pânico. A sangria nas bolsas foi profunda, mas passageira. Com os Estados ainda a lidar com a disseminação do vírus e uma crise profunda, as ações não só recuperaram como até parecem já ter esquecido.

“Não nos podemos esquecer que na esfera dos investimentos é normal uma certa discrepância relativamente ao que se passa na economia subjacente, já que os investidores olham sempre para o amanhã. Neste caso, podemos dizer que os ganhos em bolsa resultam de uma visão otimista. Apesar da crise colossal que atravessamos, a recuperação económica espera-se rápida. Analisando mais detalhadamente, detetamos vários fatores que têm contribuído para este sentimento”, explica Ricardo Evangelista, analista sénior da ActivTrades.

Wall Street é o caso mais expressivo dessa discrepância. Os Estados Unidos são o país do mundo mais afetado pelo vírus, com mais de 174 mil mortos e quase 5,6 milhões de infeções. No entanto, o rally vivido pelas principais bolsas não reflete a situação. O S&P 500 e o Dow Jones já sobem mais de 50% desde os mínimos tocados em março. Já no caso do tecnológico Nasdaq o ganho ultrapassa os 70%.

“Por um lado, as bolsas tendem a antecipar o ciclo económico e o que nos estão a dizer é que não estão a descontar o cenário de recessão prolongada. Mas há mais razões”, concorda Filipe Garcia, economista e presidente da IMF – Informação de Mercados Financeiros.

Além da expectativa de recuperação económica (após o maior tombo na atividade desde a segunda guerra mundial), os estímulos monetários dos bancos centrais têm sido o combustível para o rally acionista. Em concreto, a Reserva Federal norte-americana decidiu retirar os limites à compra de dívida em termos de valores e de entidades, o que foi “fundamental para evitar o pânico completo nos mercados”, segundo Evangelista.

"É normal uma certa discrepância relativamente ao que se passa na economia subjacente, já que os investidores olham sempre para o amanhã. Neste caso, podemos dizer que os ganhos em bolsa resultam de uma visão otimista. Apesar da crise colossal que atravessamos, a recuperação económica espera-se rápida. Analisando mais detalhadamente, detetamos vários fatores que têm contribuído para este sentimento”

Ricardo Evangelista

Analista sénior da ActivTrades

Apple e Amazon mais que duplicam de valor

Ambos analistas apontam um terceiro fator que tem impulsionado os índices. “As circunstâncias dos confinamentos ditaram condições ideais para o setor tecnológico registar fortes subidas, aumentando ainda mais o peso relativo dentro do S&P 500 e compensando as perdas registadas noutros setores”, aponta o analista sénior da ActivTrades.

“É preciso ter também em conta a grande concentração dos ganhos. São as FAANG — Facebook, Apple, Amazon, Netflix e Alphabet (dona da Google) — que estão a puxar pelos índices e sem o peso das grandes seria muito diferente. O S&P 500 renovou recordes, mas a generalidade das empresas não está em recordes“, sublinha igualmente o presidente da IMF.

Desde os mínimos tocados no sell-off da pandemia, em março, Apple e Amazon mais de duplicaram de valor, enquanto o Facebook está próximo do mesmo marco. A dona do iPhone tornou-se mesmo, esta quarta-feira, a primeira cotada em Wall Street a atingir uma capitalização de dois biliões de dólares. Já a Netflix e a Alphabet ganharam mais de 65% e 50%, respetivamente.

Fora do grupo das estrelas da tecnologia, mas em grande destaque está igualmente a Tesla. A empresa do carismático Elon Musk acumula um ganho de 440% desde março fazendo com que o fundador não pare de subir no ranking dos mais ricos do mundo: já vai na quarta posição.

Dona do iPhone é a cotada mais valiosa do mundo

Fonte: Reuters

À Europa, falta-lhe a tecnologia

E as tecnológicas são a chave para perceber porque é que os ganhos na Europa não são tão expressivos como nos EUA. “Na Europa, também há uma política monetária muito expansionista, mas não há tanta concentração de ganhos em poucas empresas. Faltam aos índices europeus a Apple, a Google ou a Amazon. Os índices europeus não refletem esses ganhos. É como se fossem os norte-americanos, mas sem estes gigantes”, refere Garcia, apontando para o maior peso de setores penalizados pela pandemia como a banca ou a indústria.

A par da diferenciação setorial, a maior atratividade do mercado norte-americano, a quebra do dólar face ao euro (com a moeda única em máximos de maio de 2018) e as maiores quedas do PIB em cadeia na Europa que nos EUA também estarão a ter impacto. Aliás, esta semana foi exemplo do impacto da fragilidade económica nas bolsas europeias e, após as últimas sessões terem sido negativas, o Stoxx 600 acumula uma valorização de 36% desde os mínimos de março, enquanto o português PSI-20 avança 24%.

“As cotadas do setor da tecnologia têm, neste momento, um peso relativo de 27,5% nos EUA, enquanto na Europa representam menos de 8%, o que ajuda, em grande parte, a explicar a discrepância”, concorda Evangelista.

"Por mais estranho que possa parecer face à incerteza económica, não há nenhum indício de que o rally tenha de terminar. Nas ações, o fundo é zero, mas o topo não tem limite… É evidente que haverá uma correção mais tarde ou mais cedo. Vamos ter um evento de risco que são as eleições nos EUA e o mercado neste momento não está a olhar muito para isso. Penso que até novembro, podemos vir a ter uma correção, mas não sei quando.”

Filipe Garcia

Economista e presidente da IMF - Informação de Mercados Financeiros

Rally ainda tem combustível para continuar

Com a escalada do preço das ações, tanto a Tesla como a Apple estão a preparar stock splits. Na prática, significa que cada ação vai dividir-se em cinco ou quatro, respetivamente, e o valor divide-se pelos novos títulos. Matematicamente não fará diferença para os investidores que ficam com o mesmo valor, mas dividido por mais títulos. Mas poderá ter impacto num índice específico.

Enquanto o S&P 500 e o Nasdaq são índices ponderados pela capitalização de mercado, o Dow Jones é ponderado pelo preço de cada ação. Ou seja, na prática nenhum dos dois primeiros é influenciado por estas operações, mas o último sofrerá o efeito do stock split da Apple, que passará a ter menos peso e, assim, a puxar menos pela totalidade do índice.

No entanto, nem esse efeito deverá quebrar o rally e as perspetivas são otimistas, pelo menos para já. “Penso que existe margem para as subidas continuarem. As condições que ditaram os recentes ganhos mantêm-se, particularmente no setor tecnológico, que, de momento, é o mais relevante”, diz analista sénior da ActivTrades.

O presidente da IMF concorda, dizendo que “por mais estranho que possa parecer face à incerteza económica, não há nenhum indício” de um fim de rally. “Nas ações, o fundo é zero, mas o topo não tem limite…”, diz. Lembra, no entanto, que há um fator de risco no horizonte. “É evidente que haverá uma correção mais tarde ou mais cedo. Vamos ter um evento de risco que são as eleições nos EUA e o mercado neste momento não está a olhar muito para isso. Penso que até novembro, podemos vir a ter uma correção, mas não sei quando”, acrescenta.

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