Lei laboral que mudou período experimental está há um ano parada no Constitucional

Um ano depois da esquerda ter pedido a fiscalização das alterações feitas à lei laboral, o Tribunal Constitucional ainda não deu resposta. Enquanto isso, a pandemia trouxe à ribalta novas questões.

Um ano depois dos partidos mais à esquerda terem pedido a fiscalização sucessiva das alterações feitas ao Código do Trabalho, está ainda por conhecer a posição do Tribunal Constitucional. Bloquistas e comunistas lembram que não há prazo para a resposta, mas salientam que as mudanças feitas em 2019 à lei laboral vieram agravar a situação de muitos trabalhadores durante a crise pandémica, pelo que é urgente revertê-las.

Foi a 25 de setembro de 2019, que Bloco de Esquerda, PCP e PEV anunciaram que tinham enviado ao Tribunal Constitucional um requerimento para a fiscalização da constitucionalidade das alterações à legislação laboral. As bancadas mais à esquerda pediram especificamente “a declaração de inconstitucionalidade” da flexibilização dos contratos de muito curta duração, da caducidade da contratação coletiva e do alargamento do período experimental para os trabalhadores à procura do primeiro emprego e para os desempregados de longa duração.

Um ano depois, cresceu a preocupação da esquerda em relação a essas mudanças legislativas, com a pandemia a acentuar as fragilidades do mercado laboral português. É ainda mais urgente reverter o alargamento do período experimental, salientam BE, PCP e PEV, já que os trabalhadores nessas circunstâncias foram “as primeiras vítimas” da crise que se instalou por causa da Covid-19. A direita contesta e lembra que essa medida serviu de contrapartida à limitação da contratação a termo.

Apesar das divergências, em ambos os lados do hemiciclo, há um ponto em comum: a crise pandémica trouxe novos desafios a acrescentar aos demais, como a necessidade de regular o teletrabalho.

As mudanças feitas em 2019 ao Código do Trabalho foram aprovadas com o voto favorável do PS e a abstenção do PSD e do CDS-PP, tendo o PCP e o BE votado contra. “As alterações foram coordenadas pelo PS com a direita“, começa por lembrar José Luís Ferreira, do PEV, em conversa com o ECO.

Para o deputado, a revisão de 2019 da lei laboral padece, por isso, “de três pecados capitais”: Fragiliza ainda mais a contratação coletiva, ameaça a conciliação da vida familiar, pessoal e profissional e aumenta a precariedade ao alargar o período experimental.

Essa extensão foi, de resto, a medida que mais gerou polémica, tendo o Presidente da República deixado um recado à esquerda, referindo que o acórdão do Tribunal Constitucional que impediu, em 2008, o prolongamento do período experimental para os trabalhadores indiferenciados não se deveria aplicar aos trabalhadores à procura do primeiro emprego e aos desempregados de longa duração, alvos do alargamento aprovado no ano passado.

O aviso de Marcelo Rebelo de Sousa não foi, contudo, suficiente para evitar que PCP, BE e PEV pedissem a avaliação dos juízes do Palácio do Ratton. Apesar do pedido de fiscalização, os trabalhadores passaram a ter de cumprir, a partir de 1 de outubro de 2019, um período experimental de 180 dias e já não de 90 dias, o que deixou muitos numa situação de maior fragilidade especialmente durante a crise pandémica, salientam os partidos mais à esquerda.

Em declarações ao ECO, António Filipe salienta que é, por isso, imperativo alterar o Código do Trabalho para reforçar os direitos dos trabalhadores, até porque a pandemia está a ser usada para agravar as suas situações. O deputado comunista explica que, durante o período experimental, o trabalhador “pode ser simplesmente despedido”, o que causa “instabilidade tremenda”.

José Soeiro acrescenta: “Os primeiros trabalhadores a serem dispensados foram os que estavam em período experimental, porque puderam ser descartados sem fundamento ou compensação. Foram as primeiras vítimas. É uma figura de desproteção radical, até a trabalhadora grávida pode ser dispensada. É uma medida errada, injusta e, do nosso ponto de vista, inconstitucional”.

O bloquista adianta que já pediu ao Governo dados sobre quantos trabalhadores foram dispensados durante a pandemia estando em período experimental, não tendo conseguido resposta. Isto porque “não é fácil” fazer esse apuramento, já que os empregadores não precisam de comunicar diretamente à Segurança Social a dispensa do trabalhador em período experimental. A única maneira de chegar a esses números é “por via dos subsídios de desemprego”, diz Soeiro, e muitos dos trabalhadores não cumprem os requisitos para receberem essa prestação social.

“Sabemos que o período experimental é de absoluta precariedade. A entidade empregadora pode despedir sem qualquer indemnização. A duplicação do período experimental remete os trabalhadores para uma situação de ainda maior precariedade”, concorda José Luís Ferreira.

O deputado do PEV diz que faz, portanto, “uma leitura muito negativa” da revisão do Código do Trabalho de 2019 e salienta que são urgentes novas alterações, sendo prioritária a diminuição do período experimental, a reposição do princípio do tratamento mais favorável, a reposição do valor das indemnizações em caso de despedimento e a revogação da caducidade da contratação coletiva.

Questionado sobre se este é o momento certo para fazer tais alterações — tendo em conta o impacto da pandemia no mercado laboral e no tecido empresarial — José Luís Ferreira frisa: “A justiça social é sempre oportuna. Viria repor algum equilíbrio entre empregador e trabalhador. Há forças políticas que consideram que nunca é oportuno alterar a legislação do trabalho para proteger os trabalhadores. Qualquer altura é oportuna”.

O PCP também considera importante fazer alterações à lei laboral no presente, limitando a possibilidade de os empregadores alterarem unilateralmente os horários, dignificando a contratação coletiva, valorizando em termos remuneratórios o trabalho por turnos e recuperando o princípio do tratamento mais favorável.

António Filipe salienta ainda que esta era uma “boa oportunidade” para voltar à semana de trabalho de 35 horas. Questionado sobre a abertura do Governo e do PS para avançar com estas alterações, o parlamentar declara: “Infelizmente, não temos tido essa indicação”.

E o que diz o Bloco de Esquerda? Há pouco menos de um ano, Catarina Martins sublinhava que a indisponibilidade do PS para mudar a legislação laboral e eliminar a herança da troika tinha posto fim à possibilidade de uma nova geringonça.

Agora, a líder bloquista tem avisado que a negociação do Orçamento do Estado para 2021 não poderá ser desligada da discussão do Código do Trabalho.

Ao ECO, o bloquista José Soeiro insiste nessa necessidade de rever a lei laboral, para reforçar a proteção do emprego e dos rendimentos. “Só evitando ao máximo os despedimentos e mantendo os rendimentos em empresas que têm apoios ou lucros é que se pode responder à crise”, sublinha o deputado, referindo que “para os patrões nunca é oportuno” fazer mudanças na legislação “quando se trata de reforçar os direitos dos trabalhadores”. “Mas foram os primeiros em 2012 a querer mexer na legislação para baixar salários“, atira.

Além da diminuição do período experimental, o Bloco de Esquerda gostaria de ver reforçada, numa eventual revisão do Código do Trabalho, a negociação coletiva e defende que é preciso abordar a questão dos estafetas das plataformas (como a UberEats), que não têm direito a contrato de trabalho ou a proteção social e que se relevaram essenciais durante o confinamento.

Da parte do PS e do Governo, tem havido, contudo, resistência para avançar com tais mudanças à legislação do trabalho, admitem os bloquistas. Há alguns sinais de abertura nas medidas de proteção social, mas resistência em “recuperar formulações que existiam antes da troika, revela José Soeiro, nomeadamente o valor das indemnizações em caso de despedimento e o princípio do tratamento mais favorável.

Reduzir agora período experimental prejudicaria trabalhadores, diz CDS-PP

À esquerda, há consenso: o alargamento do período experimental para os trabalhadores à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração deve ser revertido. À direita, o CDS-PP sublinha que tal seria “retirar uma parte do acordo” conseguido em Concertação Social que serviu de base à revisão de 2019 do Código do Trabalho.

Em conversa com o ECO, o centrista João Almeida sublinha que o alargamento do período experimental “teve como contrapartida a limitação da contratação a termo”, não fazendo sentido agora eliminar essa parte do acordo negociado entre os parceiros sociais.

Além disso, diz o deputado, avançar com tal reversão seria sinónimo de dificultar a contratação, o que não só não beneficiaria as empresas, como acabaria por prejudicar os trabalhadores, particularmente num momento de crise como o atual. “As empresas não vão arriscar” em novas contratações, com um período de experiência menor, diz.

João Almeida salienta, além disso, que qualquer alteração à legislação do trabalho deve resultar de um acordo conseguido em sede de Concertação Social, para que seja estável. A deputada social-democrata Clara Marques Mendes concorda: “O PSD mantém a posição que sempre tem defendido, ou seja, estas matérias devem ser devidamente debatidas e concertadas em diálogo social com os parceiros sociais”.

O deputado do CDS-PP defende, ainda assim, que há um ponto da lei laboral que carece de alterações e aprofundamento: o teletrabalho. Essa regulamentação, afirma, tem de ser “equilibrada entre a proteção dos trabalhadores e a viabilidade das empresas“, não ameaçando o emprego a médio prazo.

Os centristas querem ver, assim, alterações no sentido de abrir ao máximo as possibilidades de trabalhadores e empregadores, com soluções que permitam a conjugação do trabalho presencial e remoto. “Achamos que o trabalhador beneficiaria de uma visão mais moderna da relação de trabalho“, afirma João Almeida.

Clara Marques Mendes sublinha que também sobre esta questão deve ser promovido “um diálogo social alargado para avaliar a necessidade de serem introduzidas alterações ao Código do Trabalho“. “As medidas de distanciamento social em resultado da Covid-19 originaram mudanças também no modo de trabalhar. Pelo que, pode haver necessidade de fazer ajustamentos, melhoramentos à lei. Contudo, essa é uma avaliação que deverá ocorrer em diálogo social”, frisa a deputada.

“Houve melhorias em 2019, mas não compensaram agravamento”

Nem todas as mudanças feitas em 2019 ao Código do Trabalho merecem nota negativa dos partidos que pediram a fiscalização sucessiva da lei laboral, mas estes salientam que as alterações positivas não chegaram para “compensar” as demais. “A alteração ao período experimental foi de tal modo grave que não compensa”, salienta António Filipe.

Uma das medidas que veio proteger os trabalhadores foi a limitação dos contratos a termo, que passaram a ter como duração máxima dois anos em vez de três, no caso dos contratos a termo certo, e quatro anos em vez de seis anos, no caso dos contratos a termo incerto. José Luís Ferreira salienta, contudo, que se continua a registar uma proliferação dos contratos a prazo, tendo os trabalhadores vínculos precários embora estejam a dar resposta a necessidades permanentes.

O saldo entre umas medidas e outras não permite celebrar. De facto, limitaram-se algumas formas de precariedade, como a contratação a termo e o fim do banco de horas individual. Essas medidas apoiamos. O problema é que o Governo negociou com os patrões um conjunto de contrapartidas“, acrescenta o bloquista José Soeiro.

No mesmo sentido, e em conversa com o ECO, a líder da CGTP reconhece que a revisão de 2019 do Código do Trabalho trouxe “ligeiras melhorias”, mas acabaram por ser ofuscadas pelas medidas colocadas em práticas “a favor do patronato”.

Isabel Camarinha considera “muito negativo” o Tribunal Constitucional ainda não ter dado resposta ao pedido de fiscalização enviado pelo PCP, BE e PEV, já que esta é “uma matéria que exigia muita urgência”, especialmente face à crise pandémica e ao seu efeito no mercado laboral português. Que o digam os trabalhadores que estavam no período experimental de 180 dias e ‘que foram mandados fora'”, salienta a sindicalista, que refere também como prioridade a eliminação da caducidade das convenções coletivas e a reposição do princípio do tratamento mais favorável.

Do lado dos patrões, a posição generalizada é a de que não é oportuno rever a lei laboral no presente, defendendo-se que a prioridade deve ser “salvar as empresas e o emprego”.

Não podemos estar sempre a rever a legislação laboral. Todos os anos, por vezes várias vezes ao ano, fazemos alterações. É um mau princípio, cria insegurança. Temos muitas reservas em relação a alterações, neste contexto”, detalha a secretária-geral da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), ao ECO.

Para Ana Vieira, as alterações à lei do trabalho seriam positivas se trouxessem alguma flexibilidade. Por exemplo, a reposição do banco de horas individual “por mais algum tempo” (medida que também o CDS-PP entende como positiva para as empresas durante a pandemia). “No contexto político atual, não tenho a certeza que isso vá acontecer”, remata a responsável.

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