Lisboa escapa a indemnização de 240 milhões à Bragaparques. É uma “vitória” para a cidade

Depois de ter sido condenada a pagar uma indemnização de 239,6 milhões de euros à Bragaparques pelo processo Parque Mayer/Feira Popular, a autarquia recorreu da decisão e venceu.

A Câmara de Lisboa (CML) escapou ao pagamento de uma indemnização de cerca de 240 milhões de euros, como parte de um processo que se arrasta há duas décadas. Em causa está um negócio feito com a Bragaparques e que envolve os terrenos do Parque Mayer e da antiga Feira Popular. Fernando Medina diz que este processo foi “um dos problemas mais pesados” que herdou e que esta decisão é uma “vitória” para a cidade.

Hoje é o dia de uma grande vitória de Lisboa e dos lisboetas, do interesse público sobre o particular e de uma gestão pública criteriosa face a uma gestão municipal incapaz de fazer valer a defesa do interesse público”, começou por dizer o autarca esta terça-feira, em conferência de imprensa.

“Terminando um longo contencioso legal sobre a permuta dos terrenos do Parque Mayer efetuada pelo município há quase 20 anos, o Tribunal Central Administrativo Sul deu razão à CML e anulou a decisão que obrigava a autarquia a pagar 239 milhões de euros à Bragaparques. Esta decisão não é passível de recurso e, como tal, a CML não terá de pagar qualquer verba à Bragaparques”, refere a autarquia, em comunicado, confirmando a notícia avançada hoje pelo Observador.

Para Fernando Medina, o valor da indemnização fixado é “completamente injusto”. Em conferência de imprensa, o autarca afirmou que esta decisão representa um “ponto muito importante num dos principais conflitos que arrastou o município de Lisboa para uma situação degradada”, resultado de uma “gestão imponderada da última governação do PSD”. “Era dos problemas mais pesados que herdei do que foi uma gestão de má memória”.

O próximo passo, explicou o autarca, é avançar com o concurso de concessão dos terrenos da antiga Feira Popular, reconhecendo, contudo, que este não é o melhor momento devido à pandemia. “Neste momento toda a área de diversão está a ser fortemente atingida. Estamos a avaliar qual o melhor momento para podermos criar uma nova oportunidade de investimento”, notou.

Está, agora, nas mãos do Tribunal Arbitral definir o valor a pagar pela CML referente ao ajuste face ao valor de mercado atual, não tendo a autarquia qualquer valor definido. “Não há nenhum cálculo feito sobre isso. Tudo voltou à estaca zero e será possivelmente dentro desse âmbito que se venha a provar melhor (…) que os negócios de 2005 não se deveriam ter realizado”, disse Fernando Medina, em resposta a uma pergunta do ECO.

Com esta decisão — num processo conduzido e ganho pelos advogados Nuno Ferreira Lousa e Ricardo Guimarães, da Linklaters, enquanto do lado da Bragaparques esteve Raposo Subtil –, a CML pode, agora, canalizar esse montante para outras iniciativas, sobretudo num ano de pandemia. De acordo com Fernando Medina, será mesmo isso que vai acontecer: vai arrancar a terceira fase do programa de apoios a fundo perdido às empresas da cidade.

Uma história que dura há mais de duas décadas

Em 2001, conta o Observador, Pedro Santana Lopes, na altura presidente da CML, propõe à Bragaparques uma permuta de 46.500 metros quadrados dos terrenos da antiga Feira Popular pelos terrenos do Parque Mayer, mas recebeu um “não” como resposta. Em 2004, já com Carmona Rodrigues à frente da autarquia, é feita uma nova proposta e, em 2005, essa proposta é revista em baixa: 61.000 metros quadrados dos terrenos da antiga Feira Popular (criando dois lotes, um segundo que iria a hasta pública).

A proposta foi aceite, mas a Bragaparques enviou uma carta a Carmona Rodrigues onde afirmava ter “direito de preferência na aquisição” do segundo lote da antiga Feira Popular, que iria a hasta pública (teria apenas de igualar a proposta mais alta). A proposta da autarquia foi ratificada pela Assembleia Municipal de Lisboa (AML), mas a carta de aceitação da Bragaparques, que estava anexa, passou despercebida.

O na altura presidente da AML, Modesto Navarro, afirma que esta carta nunca foi aprovada, enquanto Carmona Rodrigues acusou Navarro de ter escondido o documento aos deputados municipais, diz o Observador. E, com a aprovação dada à carta, ficou ainda acordado que a Bragaparques não teria de pagar taxas e compensações urbanísticas no valor total de mais de 13,3 milhões de euros.

Nesse mesmo ano, a 5 de julho de 2005, é assinada a escritura de permuta entre a CML e a Bragaparques e, dez dias depois, acontece a hasta pública do Lote 2 da Feira Popular. A Bragaparques exerceu o acordado direito de preferência ao oferecer 61,95 milhões de euros por 120.000 metros quadrados dos terrenos da antiga Feira Popular.

Em janeiro de 2009, já com António Costa na liderança da CML, a autarquia aprova uma deliberação que diz que a operação de loteamento dos terrenos da Bragaparques da Feira Popular é nula porque viola o Plano Diretor Municipal (PDM) de Lisboa. Consequência? Os contratos de permuta feitos entre a CML e a empresa eram igualmente inválidos, assim como a hasta pública. Em 2010, o Tribunal Administrativo de Lisboa declarou nulos todos esses atos, uma decisão que acabou confirmada pelo Tribunal Central Administrativo dois anos mais tarde.

Partes chegam a acordo, mas não sobre os prejuízos

Mas, em 2014, António Costa anunciou um acordo com a Bragaparques, ficando estipulado que a autarquia iria compensar a empresa num total de 101.673.436,05 euros. Contudo, ficou nas mãos do Tribunal Arbitral outras questões que ficaram por resolver. Questões como o valor a pagar pelo Parque Mayer e prejuízos por não terem sido desenvolvidos os projetos, como explicou na altura o então autarca, à Lusa.

Contudo, o administrador da Bragaparques, Domingos Névoa, avançou com uma ação a exigir à autarquia lisboeta 350 milhões de euros pelos prejuízos causados. “O acordo não está fechado, ainda vai a procissão no adro. 100 milhões de euros é um terço daquilo a que temos direito pelo prejuízo direto e indireto que deram à minha empresa”, disse, na altura, o responsável.

De acordo com a Lusa, em 2016, o Tribunal Arbitral fixou a indemnização a pagar pela CML em menos de metade: 138 milhões de euros. Este valor, somado aos mais de 101 milhões de euros acordados em 2014 com a própria CML, perfaziam um total de 239,6 milhões de euros em indemnização. Mas a autarquia discordou do valor definido pelo Tribunal Arbitral e apresentou recurso ao Tribunal Central Administrativo Sul. A decisão saiu esta segunda-feira, dando razão à autarquia e não permitindo que a Bragaparques apresente recurso.

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