Novo Banco nasceu nos “cuidados intensivos” e sem meios para ser cuidado, diz ex-administrador

Após a resolução do BES, em 2014, o ex-administrador José Honório disse que recebeu "um paciente em cuidados intensivos, mas sem os mecanismos para reabilitar". Falava do Novo Banco.

O então governador do Banco de Portugal Carlos Costa convenceu José Honório a integrar o conselho de administração do BES, em julho de 2014, depois de lhe ter assegurado que o banco, já em dificuldades, poderia recorrer a linha de capitalização pública da troika se tivesse algum percalço. Honório aceitou o convite, mas acabou surpreendido com a medida de resolução aplicada a 3 de agosto e que criou o Novo Banco numa situação muito delicada. “Deram-nos um paciente em cuidados em intensivos mas sem os mecanismos para reabilitar”, disse esta quarta-feira o ex-administrador do banco na comissão de inquérito, com críticas duras à forma como se aplicou a resolução.

Depois das audições de João Moreira Rato e Vítor Bento, os deputados inquiriram agora outro antigo membro da equipa do BES que transitou para o Novo Banco: José Honório. O responsável começou por contar que aceitou a “missão patriótica” de ir para o BES depois de o governador o ter tranquilizado em relação a eventuais problemas no banco naquela altura pois poderia sempre recorrer à linha disponibilizada pela troika de 12 mil milhões para recapitalizar a banca. Carlos Costa vai ser ouvido pelo Parlamento depois da Páscoa.

Este tema já tinha sido abordado nas outras audições, tendo sido explicado que o Governo não terá autorizado o acesso à linha. “Na conversa que tivemos com o governo [no Ministério das Finanças no final de julho de 2014] ficou claro para nós que não ia tomar nenhuma decisão“, confirmou José Honório. Seguiu-se a resolução do BES com a criação do Novo Banco, acontecimento que apanhou de surpresa toda a equipa de Vítor Bento, incluindo José Honório. E aqui entram as críticas à forma como o processo foi conduzido, em particular à criação do Novo Banco.

“Pergunto aos senhores deputados se queriam ter uma conta num banco de transição? O banco tinha um prazo de vida de dois anos. (…) Qual é a empresa credível que quer ter conta num banco com dois anos de vida?”, questionou José Honório.

Era um nado morto ou um morto vivo, em que estávamos a empurrar a maca sem os meios e sangue…“, disse. “Por alguma razão deixou de se fazer resoluções como a do BES”, apontou.

José Honório também confirmou aquilo que os seus ex-colegas da administração disseram: que a capitalização inicial de 4,9 mil milhões de euros era insuficiente para os riscos do banco (como as operações de crédito duvidoso que apresentavam sinais “contabilidade criativa”) e que a reestruturação da instituição nunca poderia ser feita em dois anos.

Tínhamos a certeza, com sete anos de avanço, que a história do Novo Banco ia acabar mal“, notou José Honório. “Se não tínhamos cinco anos, se não tínhamos capital, a história ia correr mal. Era como vender apartamento que não tem as janelas, o chão está empolado e as paredes têm humidade. Eu não tenho dinheiro para recuperar o apartamento, mas tenho de o vender”. Honório disse que a história do que aconteceu a seguir lhe veio dar razão, “com muito pesar”.

Em relação à garantia angolana de 5,7 mil milhões ao balanço do BES Angola, que foi revogada no dia a seguir à resolução do BES o ex-administrador do Novo Banco estranhou que o Governo português não tivesse envolvido. “Dada a intervenção pessoal do Presidente angolano, dado o montante, acho que o tema era de importância política”, sublinhou. “Não nos iludamos: estes três ou quatro mil milhões de euros… quem acaba por ser penalizado é o povo português, não é mais ninguém. Porque o dinheiro sai de algum lado, não é? Nós não somos um país rico para poder passar uma fatura destas e não olhar para trás“, disse, reclamando uma maior intervenção de Lisboa junto de Luanda.

José Honório também considerou que se fez um mau negócio ao vender o Novo Banco ao fundo Lone Star em 2017 nas condições em que foi feito. Em causa está o mecanismo de capital contingente que obrigou o Fundo de Resolução, que ficou com 25% do banco e sem estar no conselho de administração, a injetar 3.000 milhões de euros. “Se alguém me propusesse ficar com 25% de uma empresa nestas condições, pensaria que estaria a passar-me um atestado de menoridade“, disse.

(Notícia atualizada às 19h52)

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