Uma imagem de computador por 70 milhões? Saiba o que são os NFT

Uma obra de arte digital da autoria de Beeple foi vendida por quase 70 milhões de dólares num leilão. Entenda como a tecnologia dos NFTs permite que alguém seja dono de um ficheiro de computador.

Quando uma imagem de computador é vendida por 69,3 milhões de dólares num leilão, é impossível não erguer o sobrolho. A obra em causa foi “Everydays – The First 5000 Days”, da autoria de Beeple, uma composição de imagens em formato JPEG que foi disponibilizada pela leiloeira Christie’s. A venda milionária fez de Beeple o terceiro artista vivo “mais caro” da história.

A operação só foi possível porque o ficheiro de computador estava associado a um NFT. De uma forma muito simples, é uma tecnologia que permite verificar a titularidade de um ficheiro digital, e que tem vindo a ganhar grande popularidade nas últimas semanas.

Até aqui, qualquer ficheiro, como uma imagem, podia ser copiado e colado vezes sem conta, gerando múltiplas cópias de um original desconhecido. Em contrapartida, um ficheiro associado a um NFT permite a qualquer pessoa saber qual é o ficheiro original. E, mais importante ainda, quem é o seu dono.

Pré-visualização de parte da obra de Beeple que foi vendida num leilão da Christie’s por quase 70 milhões de dólares.Beeple

Para ajudar a entender a questão, atente neste o exemplo: qualquer um de nós pode ir à internet ver e até descarregar uma imagem de Mona Lisa; mas é do conhecimento geral que a famosa obra de Leonardo da Vinci, La Gioconda, está exposta e faz parte da coleção do museu do Louvre, em Paris.

Descarregar a imagem da Mona Lisa da internet não faz de ninguém o dono da Mona Lisa. Nem a imagem descarregada é a Mona Lisa. O quadro original está bem guardado. E, por mais cópias digitais que faça, isso não faz de si o detentor de várias Mona Lisa.

A diferença é que, nesta fase, os NFT só funcionam para ficheiros na internet, pelo que a promessa é a de revolucionar os horizontes da arte e da cultura digitais.

Esta tecnologia recorre à blockchain, uma espécie de livro de registos virtual, para assegurar que a propriedade do ficheiro é imutável, publicamente verificável e até transmissível. Por isso, chegou o momento de lhe explicar que a sigla “NFT” significa Non-Fungible Token.

Não se assuste, porque é fácil de perceber através de outro exemplo. O dinheiro é fungível. Cinco moedas de um euro na sua carteira podem ser trocadas por uma nota de cinco. Pode ainda trocar cada moeda de um euro por outra moeda de um euro, sem perder qualquer valor.

A lógica dos NFT é exatamente a oposta: cada NFT é único, singular, e o ficheiro que lhe está subjacente é detido por uma só pessoa, cujo “nome” fica registado na blockchain, o tal livro de registos.

Ao registar um NFT na blockchain, passa a ser dono desse NFT. Isso permite várias coisas, incluindo que o ponha à venda na internet, como fez o artista Beeple. Até aqui, tal não era possível de outra forma, por não existir uma forma de garantir a escassez de um “objeto” digital.

Como é que se cria um NFT? Em primeiro lugar, é preciso ter uma carteira virtual de Ethereum — que é, simultaneamente, uma criptomoeda (ether) e uma rede pública de computadores (assente na blockchain). O ato de criar um NFT é designado por “mint” e existem sites que permitem a qualquer pessoa fazer “mint” de um NFT.

O Mintable é uma espécie de OLX para NFT e parece ser um dos mais populares, por ter um serviço em que é a própria plataforma a suportar os custos da operação. De outra forma, fazer “mint” de um NFT pode custar-lhe cerca de 100 euros, ainda que o preço varie, pois é pago em ether, a referida criptomoeda, cujo valor está sempre a subir e a descer (quem beneficia dessa receita são as pessoas que sustentam a própria rede, uma vez que não há qualquer entidade central).

Depois de criar o seu NFT, pode pô-lo à venda. Mas isso não fará de si um milionário do dia para a noite. A lógica da tecnologia não é necessariamente a da venda, mas sim a da detenção. Só no caso de ser um artista muito conhecido, ou de conseguir atrair a atenção de muita gente, é que poderá ter alguma sorte.

Tudo isto traz algumas vantagens para os criadores de conteúdos, desde a arte até à música. Desde logo, porque a blockchain permite definir royalties que ficam associadas para sempre ao trabalho do artista. Caso a pessoa A venda um NFT à pessoa B, e caso a pessoa B o venda à pessoa C, a pessoa A recebe automaticamente uma comissão.

Mas o sistema não está isento de importantes desafios. Estas novas possibilidades são conseguidas à custa de muitos milhões de computadores permanentemente ligados, a consumirem uma quantidade significativa de energia. Só assim é possível o funcionamento da rede Ethereum da forma que está desenhada atualmente.

Isto acontece porque, basicamente, o método de registo na blockchain é o mesmo que é usado na popular criptomoeda bitcoin e implica que estes computadores resolvam complexas equações. Para se ter uma noção da dimensão, a bitcoin consome anualmente 2,5 vezes a energia usada em Portugal durante o mesmo período.

Feitas as contas, qualquer transação nestas blockchains, seja de bitcoins ou de NFT, acarretam uma pegada climática que pode ser desproporcional face ao benefício da tecnologia, numa altura em que o mundo enfrenta uma emergência climática. Face a esta preocupação, está já a ser preparada uma nova versão da rede Ethereum que adotará um modelo diferente e que se espera que reduza o consumo energético desta rede mundial.

Nota: Este conteúdo foi publicado pela primeira vez na edição de 25 de março da newsletter ECO Tecnologia, com o título “O que são NFT (e como entender este nosso mundo)”.

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