Câmara de Lisboa partilhou dados de manifestantes anti-Putin com governo russo. O que se sabe?

Autarquia liderada por Fernando Medina lamentou a partilha de informações pessoais de manifestantes anti-Putin com embaixada e governo russo. Oposição pede demissão do presidente da Câmara de Lisboa.

A Câmara de Lisboa enviou por e-mail informações pessoais de três organizadores de uma manifestação anti-Putin à embaixada da Rússia em Lisboa e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, de acordo com o Expresso e o Observador (acesso pago).

Para organizar a “Concentração em Solidariedade com Alexei Navalny e apelo à sua libertação imediata”, que decorreu no dia 23 de janeiro deste ano, os três manifestantes (dois deles com dupla nacionalidade, russa e portuguesa) fizeram o pedido à câmara lisboeta. Queriam manifestar-se contra a detenção do ativista Alexei Navalny. No pedido feito à autarquia, cinco dias antes do protesto, tiveram de enviar dados pessoais, o nome, a morada, um número de identificação e um contacto telefónico por e-mail.

Estes dados foram partilhados com as autoridades no dia 20, ou seja, três dias antes da concentração.

Como é que se descobriu o envio dos dados?

Ao jornal Expresso, Knesia Ashrafullina, um dos organizadores do protesto anti-Putin, disse que descobriu por acaso que os seus dados pessoais (que havia fornecido à câmara) tinham sido enviados às autoridades russas.

“Na troca de e-mails sobre as regras da manifestação apareceu uma mensagem reencaminhada, com o meu nome e email e um ficheiro PDF em anexo com os dados das três pessoas que se tinham proposto a organizar a manifestação”, contou ao jornal. “Não quis acreditar quando vi que o documento tinha sido enviado para embaixada e o Ministério, na Rússia”, disse ainda.

Confrontou a câmara com a partilha da sua informação, mas não obteve resposta. E só depois de uma queixa feita no site da autarquia é que recebeu uma explicação. “Um bocado caricata. Disseram que não deviam ter partilhado em demasia os nossos dados. A segunda parte, reencaminharam para mim o documento PDF enviado à embaixada russa para retirarem os meus dados”, disse à RTP.

Câmara admite partilha com autoridades russas

Em reação à polémica, autarquia liderada por Fernando Medina já veio esclarecer que os serviços técnicos partilharam as informações com a PSP e Ministério da Administração Interna de Portugal e também com a entidade/local de realização da manifestação, “no caso, embaixada de serviços consulares da Rússia), conforme procedimento geral adotado para manifestações”.

A Câmara de Lisboa referiu ainda que desencadeou “os procedimentos internos com vista à análise da situação”, tendo comunicado à embaixada russa para “proceder à eliminação dos dados”.

Em comunicado, também adiantou que o caso levou os serviços da autarquia a “alterar os procedimentos internos desde 18 de abril”, assegurando que nas manifestações que aconteceram depois (Israel, Cuba e Angola) “não foram partilhados quaisquer dados dos promotores com as embaixadas”. Por fim, rejeitou “de forma veemente quaisquer acusações e insinuações de cumplicidade com o regime russo”.

Organizadores vão reagir

Os três promotores da manifestação estão a preparar uma ação judicial contra a autarquia da capital. Knesia Ashrafullina disse ao Expresso que se tratou de acontecimento “muito grave”. “A probabilidade de isto fazer disparar um algoritmo, um aviso num aeroporto, é grande. Não posso voltar ao meu país. É terrorismo de Estado, terrorismo é quando não se sabe quem será a vítima, é aleatório”, disse ao jornal.

Oposição pede a demissão de Medina

A polémica surge a meses das eleições autárquicas. Carlos Moedas, candidato do PSD, já veio dizer que Fernando Medina (também ele candidato) não “tem condições para continuar” à frente da autarquia lisboeta, acusando-o de cumplicidade com Putin, citado pelo Observador. No Twitter, Moedas foi direto: “A confirmar-se, Fernando Medina só tem uma saída: a demissão”.

O presidente do PSD, Rui Rio, também reagiu: “Se o PS e Fernando Medina o fizeram não é grave, é gravíssimo. A ser verdade, teria de ter consequências consentâneas com uma atitude absolutamente inqualificável em democracia. Custa-me muito a acreditar que isto possa ter mesmo acontecido assim. Tem de ser esclarecido.”

Também no Twitter, a candidata do Bloco, Beatriz Gomes Dias, disse que vai pedir explicações ao presidente da Câmara de Lisboa, falando numa “inadmissível violação da lei”.

A Iniciativa Liberal também condenou a partilha de informações pessoais com a Rússia. “A entrega pela Câmara Municipal de Lisboa de dados pessoais de três participantes numa manifestação às autoridades russas constitui uma violação gravíssima de direitos individuais e de regras fundamentais das relações internacionais”, disse em comunicado.

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