“Não estou descansado com o fim das moratórias das empresas”, diz Pedro Gouveia Alves
Pedro Gouveia Alves, presidente do Montepio Crédito, esperava aumento do incumprimento dos particulares, no fim das moratórias, mas isso não aconteceu. Foco agora está nas empresas.
À pandemia, Portugal, tal como o resto da Europa, respondeu com moratórias no crédito, para evitar uma crise ainda mais profunda. Houve muitas, das financeiras, dos bancos e do Estado, mas estão, aos poucos, a chegar ao fim. Se as concedidas para os créditos pessoais, ou ao consumo, acabaram sem efeitos secundários graves, o mesmo não se espera das moratórias dadas a muitas empresas que, apesar do desconfinamento, continuam a enfrentar fortes constrangimentos. Pedro Gouveia Alves teme o impacto. “Não estou descansado”, diz o presidente do Montepio Crédito.
“Estávamos à espera que houvesse um impacto maior do que o que houve com o fim das moratórias do crédito pessoal, as da ASFAC. Depois de dezembro estávamos à espera de um aumento do incumprimento mas isso não aconteceu”, começa por dizer o presidente da financeira especializada do Banco Montepio. E isto deixa-o “relativamente tranquilo no que diz respeito aos particulares, no caso do crédito do Montepio Crédito”, que não está exposto ao crédito à habitação.
Mas se os particulares não preocupam, o mesmo não acontece com as empresas. “Não estou tão descansado quanto às moratórias das empresas”, admite. “Mantemos as moratórias legais com as empresas”, terminando estas em setembro. O que vai acontecer no final desse prazo “vai depender da evolução do contexto do mercado”, diz.
“No caso do Montepio Crédito, apesar de tudo, comparando com outros bancos, o nível de moratórias é inferior a 6% da carteira de crédito, o que compara bem com níveis de dois dígitos” de outras instituições financeiras. “Diria que se há alguma coisa que tenhamos de focar a atenção será nas empresas”, atira, receando que muitas destas empresas possam não resistir, acabando por entrar em situação de incumprimento — após um período de uma certa “artificialização da manutenção das empresas”, em resultados dos apoios estatais.
Se [na análise de risco] o económico não tiver viabilidade, não podemos apoiar o financeiro sob pena de estarmos a incorrer em riscos que não vamos poder controlar.
Pedro Gouveia Alves explica ao ECO que quando é feita “a análise de risco das empresas, olhamos para a viabilidade financeira e a económica. A económica é: qual o setor, que desafios têm em termos da sua evolução a prazo, se tem viabilidade para, estando resolvido o problema financeiro, ela tem capacidade para subsistir ou não no médio longo prazo”. “O financeiro resolve-se. Agora, o financeiro, que é onde nos focamos para a atribuição de crédito no curto prazo… se o económico tiver viabilidade, nós apoiamos o financeiro. Se o económico não tiver viabilidade, não podemos apoiar o financeiro sob pena de estarmos a incorrer em riscos que não vamos poder controlar“, diz.
Em suma, e procurando contextualizar os seus receios com o fim das moratórias, Pedro Gouveia Alves diz que o que vai acontecer “vai depender muito do tempo da pandemia, nomeadamente em setores como o turismo, alojamento, restauração e outros que gravitam em torno do turismo, que representam 15% do PIB. E muito do emprego, até mais do que os 15%. Isto é algo que preocupa os empresários e o setor financeiro”.
“Há empresas que ainda não fecharam porque têm os apoios. Mas esse não duram”
O Montepio Crédito não está, ao contrário da generalidade dos bancos, muito exposto a empresas dos setores mais castigados. “Excetuando o segmento de rent a car, não temos praticamente exposição a estes segmentos”, conta o presidente da instituição financeira. “E no rent a car, por antecipação, e pela feliz coincidência de a pandemia ter iniciado numa altura de renovação de frota, em março de 2020. Praticamente não concedemos crédito a rent a car em 2020 e o que concedemos são créditos de curto prazo porque a renovação de frotas é sazonal”, recorda.
“Há instituições financeiras que têm esse risco deste segmento”, ligado ao turismo. “E neste segmento estamos a ver que há empresas que têm capacidade de manter a sua atividade mesmo com níveis de faturação próximos de zero durante um período de tempo, porque tinham bons rácios de autonomia financeira, estavam bem capitalizadas, tinham algum buffer que lhes permitia assegurar a atividade”, diz. “Agora, [a sua capacidade de resistência] vai depender do tempo da pandemia”, algo que não se sabe quando será. O processo de vacinação está a acelerar, mas as variantes da Covid-19 continuam a aumentar, tornando-se mais perigosas.
"Se estivermos a falar de mais um ano [de pandemia], ou mais seis meses em alguns casos, podemos ter situações em que as empresas deixam de ser economicamente viáveis.”
Neste sentido, deixa o alerta: “Se estivermos a falar de mais um ano, mais seis meses em alguns casos, podemos ter situações em que as empresas deixam de ser economicamente viáveis. Podemos passar a ter empresas que fecham para sempre. E algumas que só ainda não fecharam porque, em alguns casos, têm um conjunto de apoios que as mantém ativas, mas isso não durará muito tempo”. E “este é o grande desafio para os governantes”, atira.
Pedro Alves alerta para o risco para a banca, mas também para o Estado. É um setor que tem grande peso, nomeadamente os países do Sul da Europa. “O PIB ficará muito prejudicado com a redução da capacidade instalada destas empresas [ligadas ao turismo], aliás um pouco como aconteceu no setor da construção na crise financeira. Com a crise soberana, e com a redução de projetos de construção, houve empresas que desapareceram. E quando aumentou novamente a procura, deixamos de ter empresas portuguesas porque desapareceram. Deixámos de ter capacidade instalada. Pode acontecer o mesmo no turismo. Ou seja, termos capacidade que se vai na crise, temos um boom de turismo mais à frente para o qual não temos capacidade para aproveitar esse crescimento”. E isto é, conclui, “típico de uma catástrofe“.
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