Constâncio defende mudança nos limites da dívida e do défice na UE

Na Cimeira da Recuperação, Vítor Constâncio fez uma forte crítica às atuais regras orçamentais, pedindo uma mudança no limite de 60% do PIB da dívida pública e de 3% do défice orçamental.

O ex-vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE) não tem dúvidas: as regras orçamentais da União Europeia que estão inscritas nos tratados já não fazem sentido económico e têm de ser mudadas agora. Em causa está o limite de 60% do PIB da dívida pública e de 3% do PIB do défice orçamental que deverão regressar em 2023, após três anos de suspensão das regras por causa da crise pandémica. Além disso, Vítor Constâncio defendeu mais estímulos orçamentais na UE.

As regras “não estão adequadas aos desafios atuais” e “não fazem sentido económico nenhum”, disse Constâncio esta quarta-feira na sua intervenção na Cimeira da Recuperação num painel sobre o futuro da governação económica na UE. Para o economista, o “paradigma mudou” dado que a economia está numa “situação completamente diferente da dos anos 90”, altura em que as regras foram definidas.

As diferenças são “estruturais”, sublinhou, e não foram provocadas pelas crises. Em causa estão mudanças como a crescente desigualdade, os padrões de poupança, o envelhecimento da população, a mudança da estrutura da economia para ativos intangíveis relacionados com a tecnologia, entre outros fatores.

Perante este cenário, o “Pacto de Estabilidade tem de ser totalmente revisto” uma vez que até ao momento foram “pró-cíclicas” (em vez de contra cíclicas, como é o objetivo original) e foram “responsáveis pelo grande erro de 2011-2013” que levou à crise das dívidas soberanas. Fazer o mesmo nesta crise seria “repetir o mesmo erro” da crise anterior.

“Países como Espanha, França e Itália não podem aceitar voltar” às regras orçamentais que existem, disse Vítor Constâncio, realçando que é aí que recai a sua esperança para que de facto haja uma mudança. E o que deveria mudar? O ex-vice-presidente do BCE aconselha uma regra sobre a trajetória da dívida pública e um indicador operacional que passe pelo crescimento da despesa pública líquida de gastos cíclicos (como o subsídio de desemprego), ou seja, da despesa estrutural.

Nesse desenho deixaria de existir a necessidade de ter uma regra do défice anual, disse, mas admitiu que esta pudesse continuar. “O que não pode sobreviver é a regra para convergir para o absurdo rácio de 60%” do PIB no caso da dívida pública”, afirmou Constâncio, questionando até a utilidade deste rácio dado que o PIB é anual e a dívida é para pagar durante vários anos. “A dívida não se paga num só ano”.

Vítor Constâncio pediu ainda aos líderes europeus que aumentem a dose de estímulos orçamentais na Zona Euro, citando um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) em que se calculava que para regressar à trajetória do crescimento pré-pandemia é preciso mais 3% do PIB de investimento. Além disso, disse ser necessário criar um mercado “considerável” de ativos “seguros” europeus, como a dívida emitida pela Comissão Europeia em nome da UE para financiar a “bazuca”, de “pelo menos três biliões” de euros.

Regras falharam no passado, mas é possível mudá-las?

Na abertura desta segunda sessão, Paul De Grauwe, vice-presidente do Conselho das Finanças Públicas, deu respaldo ao que viria a dizer Vítor Constâncio: “As regras numéricas não têm base científica” e os “objetivos numéricos falharam”. Para o economista um dos pontos mais importantes na mudança das regras orçamentais é a necessidade de aumentar e preservar o nível de investimento público, uma preocupação partilhada por outros economistas.

Contudo, o otimismo sobre a hipótese de haver mudanças não é vasto. Zsolt Darvas, senior fellow do think tank Bruegel, assumiu mesmo ter “muito pouca esperança de que algo significativo vá acontecer” às regras orçamentais da UE dado que as alterações têm de ser aprovadas por unanimidade no Conselho.

Já Richard Baldwin, economista e professor que é editor-chefe do VoxEU.org, notou que “nenhuma crise deve ser desperdiçada” na ótica de promover mudanças discutidas há anos pelos países. Baldwin considera que a “perspetiva política” mudou com a pandemia: “O impossível tornou-se mainstream em apenas alguns meses”, disse, referindo-se ao acordo para emitir dívida comum na UE para financiar a “bazuca”.

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