Caso GES. São 777 páginas em que Salgado refuta a acusação de 4 mil feita pelo Ministério Público

A defesa de Salgado pediu a abertura da instrução de um dos maiores casos da Justiça: o 'monstro' GES passa agora para as mãos de Carlos Alexandre ou Ivo Rosa, que decidem se Salgado vai a julgamento.

A defesa de Ricardo Salgado — que chama os ‘lesados do BES de lesados do Banco de Portugal — considera que a responsabilidade do colapso do BES, em agosto de 2014, foi do poder político (Governo da coligação) e dos reguladores, não poupando críticas a Carlos Costa (governador do BdP à data do colapso do BES), cita o Relatório final da mais recente Comissão de Inquérito da Assembleia da República ao Novo Banco ao chamar esta resolução de ‘fraude política’. E dedica ainda especial atenção ao crime de associação criminosa de que Ricardo Salgado é acusado, referindo-se aos outros investidores que aproveitaram o legado do Grupo Espírito Santo nos últimos anos (Espírito Santo Saúde, Tranquilidade, Hotéis Tivoli e Herdade da Comporta) para explicar que a história do BES-GES não pode ser reduzida a uma associação criminosa liderada pelo arguido como, “de uma forma escandalosamente infundada”, o Ministério Público nos faz crer.

O requerimento de abertura de instrução, a que o ECO teve acesso — entregue na segunda-feira pelos advogados de defesa Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squillace — conta com 777 páginas que rejeitam as quase quatro mil páginas de acusação (3.852) do caso BES/GES – um dos maiores da história da Justiça portuguesa e que conta já com sete anos ‘em cima’. E refuta todos os crimes de que Ricardo Salgado é acusado com os argumentos jurídicos e técnicos que preenchem uma das maiores aberturas de instrução que será agora avaliada por Ivo Rosa ou Carlos Alexandre.

A defesa considera ainda que o arguido, e ex-líder do banco com 140 anos de história, sabia que o seu destino seria passar os anos que lhe restavam da sua vida “numa luta incessante – e muitas vezes solitária – contra os poderes do Estado que não hesitariam em centrar na sua pessoa todas as responsabilidades pelo colapso do GES“, pode ler-se no pedido de abertura de instrução. E confirmam o quadro clínico de Alzheimer do seu cliente — alegando esse quadro clínico para dizer que a sua capacidade de defesa está afetada.

E assumem ainda que a história do BES não é só a história de Ricardo Salgado, mas também de “muitas pessoas e empresas – em particular PMEs – que sempre tiveram neste Banco um parceiro, nos bons e nos maus momentos e que, enquanto o Arguido esteve na liderança da Comissão Executiva do Banco, foram sempre protegidas e nunca deixaram de ser reembolsadas pelos seus investimentos”.

O ex-presidente do BES está acusado de 65 crimes, incluindo associação criminosa, corrupção ativa no setor privado, burla qualificada, branqueamento de capitais e fraude fiscal, no processo BES/GES. Salgado foi acusado de um crime de associação criminosa, em coautoria com outros 11 arguidos, incluindo Amílcar Pires e Isabel Almeida. E também de 12 crimes de corrupção ativa no setor privado e de 29 crimes de burla qualificada, em coautoria com outros arguidos, entre os quais José Manuel Espírito Santo e Francisco Machado da Cruz. O processo conta ao todo com 25 arguidos, acusados num total de 348 crimes.

O documento acusa ainda o Ministério Público de desprezar a história do BES-GES e do seu papel na economia portuguesa ao longo de décadas, apresentando “uma versão deturpada de um Grupo que fez parte da vida de milhares de colaboradores e de milhões de clientes. Um grupo que, mesmo depois da tragédia de 2014, conseguiu deixar um valioso legado entregue, ‘por tuta e meia’, a investidores estrangeiros”.

Os advogados deixam adivinhar ainda a dificuldade deste processo “monstruoso” pela extensão das provas, com centenas de volumes e anexos, escutas telefónicas, documentos contabilísticos, financeiros, regulatórios, bancários, societários (entre outros), dispersos por milhões de ficheiros informáticos e apensos, relativos a vários países que não só Portugal.

E sublinham que seriam necessários muitos meses (ou mesmo anos) de dedicação exclusiva a este caso para que pudessem dominar –” com a plenitude necessária – a integralidade do conteúdo do processo”. E lembram que os autos do processo demonstram que ao Ministério Público nunca faltaram meios, já que a acusação foi assinada por sete Magistrados do Ministério Público, sem prejuízo de outros que ainda ajudaram.

Leia aqui alguns dos pontos transcritos do RAI:

  • Ainda no inquérito, o arguido deparou-se com um Juiz de Instrução muito mais “acusador” do que o próprio Ministério Público;
  • De facto, o Meritíssimo Juiz de Instrução (Carlos Alexandre) discordou do Ministério Público quando no interrogatório judicial realizado em 24 de Julho de 2015, o titular da acção penal requereu a aplicação de medidas de coacção não privativas da liberdade (que, como demonstra a história do processo, foram sempre suficientes).
  • Nesse caso, quando foi para agravar a situação processual do Arguido, o Juiz de Instrução discordou do Ministério Público e decidiu aplicar a um Arguido (que nunca teve um mínimo acto que fosse no sentido de “fugir” à Justiça e que até se deslocou para esse interrogatório voluntariamente e pelos seus próprios meios) uma medida de coacção privativa da liberdade;
  • Portanto, salvo o devido respeito, mas com toda a assertividade que o exercício do direito de defesa impõe, cabe recordar que o Juiz de Instrução Criminal conhecido no Estado de Direito Democrático é o “Juiz das liberdades” (como garante das liberdades e garantias) e não o Juiz da “Privação das Liberdades”.
  • O arguido chega a esta fase processual com o peso de quase uma década de permanentes
    violações dos seus direitos: fugas cirúrgicas ao segredo de justiça para alimentar as capas de alguns jornais com teses acusatórias “bombásticas”, difamações permanentes da sua pessoa e da sua família, condenações “sumárias” na praça pública, arrestos indiscriminados (dos seus bens e de bens de terceiros), incluindo do relógio que usava no pulso;
  • Nas condições de saúde em que se encontra, confrontado com uma Acusação “monstruosa” e um processo “monstruoso”, a opção provavelmente mais fácil seria a de prescindir desta fase processual facultativa. No entanto, ainda que em condições pessoais e de contexto extremamente difíceis, o arguido entende que tem o dever de se defender em todas as fases processuais previstas na Lei.
  • Com total desprezo pela história do BES-GES e do seu papel na economia portuguesa
    ao longo de décadas, a Acusação apresenta uma versão deturpada de um Grupo que fez
    parte da vida de milhares de colaboradores e de milhões de clientes;
  • Um Grupo que, mesmo depois da tragédia de 2014, conseguiu deixar um valioso legado
    entregue, “por tuta e meia”, a investidores estrangeiros. Hoje sabemos que a Espírito Santo Saúde – uma das mais inovadores e principais empresas de prestação de cuidados de saúde do país – se transformou em Luz Saúde do Grupo chinês Fosun.
  • Hoje sabemos que a Companhia de Seguros Tranquilidade – uma das grandes seguradoras
    do mercado – tornou-se parte de um dos mais reconhecidos grupos seguradores internacionais (Grupo Generali), depois de ter permitido ao Fundo Apollo uma avultadíssima mais-valia (estima-se que na ordem dos EUR 600 milhões).
  • Hoje sabemos que os Hotéis Tivoli – uma das maiores cadeias hoteleiras do mercado – vendido em 2016 ao Minor Group por EUR 294 milhões – já permitiu a este grupo tailandês um encaixe de 461 milhões com a venda de apenas 5 das suas unidades hoteleiras em Lisboa e Algarve.
  • Hoje sabemos que para a “única” Herdade da Comporta existem projectos ambiciosos de
    desenvolvimento;
  • Pretende tão-só ilustrar – com pequenos exemplos – que a história do BES-GES não pode ser reduzida a uma “associação criminosa” liderada pelo arguido como, de uma forma
    escandalosamente infundada, faz a acusação;

 

 

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