Solução para as moratórias vai marcar empresas e castigar banca

Governo avançou com mil milhões em garantias públicas para o fim das moratórias. BCP critica tratamento dado às reestruturações pois empresas vão ficar marcadas no sistema financeiro.

Os bancos e as empresas estão preocupados com as condições da recém-criada linha de garantias públicas para o fim das moratórias. Isto porque os créditos reestruturados no âmbito deste programa vão ser considerados como uma reestruturação “normal”, o que vai ter sérias implicações para as duas partes. Vai exigir mais capital à banca e criará um estigma às empresas no sistema financeira. Por causa disso, pedem a intervenção do Governo para resolver o problema, intervindo junto de Bruxelas ou criando outras soluções.

O Banco Português de Fomento (BPF) anunciou na sexta-feira uma linha de garantias públicas no valor de 1.000 milhões de euros para reestruturações dos créditos empresariais que estão em moratória – acabam já na quinta-feira. As garantias vão cobrir até 25% do crédito em moratória que for reestruturado, até um máximo de 10 milhões de euros por operação.

A banca não está agradada com as regras da linha, como avançou o Jornal Económico, mas as reservas das instituições financeiras vão para lá da necessidade de partilhar colaterais dos clientes com o Estado nas operações que forem reestruturadas e vierem a beneficiar de garantias públicas.

Em causa está o facto de a linha não incluir uma exceção dos reguladores para um tratamento diferenciado destas reestruturações. Ou seja, os bancos vão ter de tratá-las como se fossem reestruturações normais (ignorando o impacto da pandemia), o que vai exigir um maior consumo de capital por via de mais imparidades e do agravamento do risco da carteira de crédito (ainda que em menor dimensão do que se não houvesse estas garantias).

Por outro lado, também há empresas a reclamarem contra aquilo que será a “estigmatização” de que vão ser alvo no futuro. Os créditos reestruturados com esta solução vão ficar marcados pelo menos durante dois anos e serão conhecidos por todo o sistema, e isso terá consequências no acesso a financiamento bancário, como acontece com as outras reestruturações.

“Os bancos e as empresas vão ter de pensar duas vezes antes de recorrerem a esta linha”, confessava uma fonte do setor ao ECO.

“Pressão forte” em Bruxelas

Miguel Maya foi um dos banqueiros que já verbalizou publicamente a insatisfação com esta situação, e pediu a intervenção do Governo para uma “pressão forte” em Bruxelas para mudar o rumo dos acontecimentos.

“Uma reestruturação que resulta de uma pandemia não tem nada a ver com capacidade de gestão, não tem nada a ver com competitividade de mercado, mas tem a ver com um tema específico e devia ser tratado de forma diferente porque ao tratar isto como uma reestruturação normal e de dificuldades financeiras, fica um registo que é extremamente negativo” para as empresas, afirmou esta segunda-feira o presidente do BCP na Conferência Dia Mundial do Turismo, organizada pela Confederação do Turismo em Portugal, que teve lugar em Coimbra.

“Isto é um tema da Autoridade Bancária Europeia e da Comissão Europeia, mas a nossa exigência com o Governo é de procurar uma pressão forte para que isto não seja desta forma e para não estigmatizar algumas empresas que não merecem ser estigmatizadas e que são alheias à crise que atingiu as suas contas”, disse Miguel Maya.

O gestor bancário disse que há “afinações” a fazer na linha, que as negociações com o Governo continuam, mas que também não estará à espera para agir: “Temos instrumentos para poder apoiar a economia”, assegurou.

"Isto é um tema da Autoridade Bancária Europeia e da Comissão Europeia, mas a nossa exigência com o Governo é de procurar uma pressão forte para que isto não seja desta forma e para não estigmatizar algumas empresas que não merecem ser estigmatizadas e que são alheias à crise que atingiu as suas contas.”

Miguel Maya

Presidente do BCP

Empresas apreensivas

Do lado das empresas, também há apreensão em relação a este assunto, sobretudo naquelas relacionadas com a atividade turística, pois o pico do negócio já passou e o inverno promete ser de mais dificuldades.

A Associação Rodoviária de Transportadores Pesados de Passageiros (ARP), organização que representa cerca de 130 empresas de transporte turístico, fez questão de sinalizar junto do Governo um problema que será transversal a todo o setor do turismo. Em carta enviada ao Ministério da Economia, a ARP relatou os contactos dos seus associados com a banca. E, para aparente surpresa, “verificou-se que, ao classificar-se o crédito ou contrato com “reestruturado”, será dado o “alerta” junto do Banco de Portugal, o que inevitavelmente trará implicações na concessão de créditos futuros”, revela a missiva.

"Considerando a laboração condicionada, a forte quebra de receitas e os inevitáveis custos fixos, torna-se premente a tomada de um conjunto de medidas alternativas às moratórias e que permitam às empresas sobreviver a esta conturbada e profunda crise.”

Associação Rodoviária de Transportadores Pesados de Passageiros

“Como sabe este é um setor que ainda não conseguiu retomar na plenitude, e que pela sua própria natureza entrará no próximo mês na chamada época baixa, retomando a atividades na Páscoa do próximo ano”, lembra a associação, que pede outras soluções ao ministro Siza Vieira.

“Considerando a laboração condicionada, a forte quebra de receitas e os inevitáveis custos fixos, torna-se premente a tomada de um conjunto de medidas alternativas às moratórias e que permitam às empresas sobreviver a esta conturbada e profunda crise”, escreveu Rui Pinto Lopes na missiva.

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