Costa dá 6 chaves à esquerda para “abrir” aprovação do OE

O primeiro-ministro lembra a PCP e Bloco que “há mais vida além do Orçamento”, anunciando mexidas nos salários, nas leis laborais, na saúde ou na cultura ainda antes da primeira votação do OE.

Com a aprovação do Orçamento do Estado (OE) para 2022 em risco depois de o PCP e o Bloco de Esquerda assumirem que votam contra a proposta se o Governo não fizer mais cedências na fase de especialidade, António Costa veio esta quinta-feira não só defender o diploma entregue esta semana no Parlamento, como lembrar aos parceiros da esquerda que ele “está devidamente articulado com outros instrumentos de política”.

“Como dizia o saudoso Jorge Sampaio, há mais vida além do Orçamento”, reclamou esta manhã o primeiro-ministro, que decidiu sair da reunião do Conselho de Ministros para fazer uma longa intervenção de perto de uma hora perante o grupo parlamentar do PS. E mais do que as “prioridades certas” em matéria orçamental, explicitou – e até calendarizou – seis matérias que podem ser a chave para a aprovação do OE à esquerda.

  1. Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). António Costa destacou que o programa negociado com Bruxelas vai permitir uma “capacidade acrescida de investimento”. Os três mil milhões de euros do PRR permitem ao Governo prometer o maior nível de investimento público desde 2010.
  2. Agenda para o Trabalho Digno. “Este tema não é do OE, mas será tratado – e bem tratado – neste diploma que aprovaremos no próximo Conselho de Ministros [21 de outubro] para pôr em discussão pública e passar a projeto de lei”, prometeu Costa. Está em causa regular as plataformas digitais e o teletrabalho, dinamizar a contratação coletiva e atacar o “inaceitável” grau de precariedade, informalidade e desregulação nas relações de trabalho.
  3. Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Além da Lei de Bases já aprovada, o SNS tem de ter um estatuto próprio que “crie as devidas condições de organização para que, entre a complexidade das instituições da área da saúde, possa ter uma gestão articulada”. É nesse diploma, a aprovar igualmente no próximo conselho de ministros, que Costa promete “criar regras próprias para carreiras atrativas e condições para atrair e fixar duradouramente profissionais” de saúde.
  4. Estatuto Profissional do Artista. Depois do “quebra-cabeças” na pandemia para arranjar uma forma de apoiar a quebra de rendimentos dos diferentes agentes da cultura”, ajustada a formas de contratualização atípica – os artistas plásticos raramente terão um contrato de trabalho, exemplificou -, Costa diz que na próxima semana vai aprovar este diploma para “garantir a todos proteção social”.
  5. Aumento superior no salário mínimo. O montante exato da atualização do salário mínimo nacional para o próximo ano ainda não foi acertado em sede de concertação social, mas o chefe do Executivo abriu igualmente a porta a que fique acima da média dos anos anteriores. Com o argumento de que, estando a meta fixada nos 750 euros em 2023, há “boas razões para dar um novo impulso a essa trajetória e procurarmo-nos aproximar o mais possível desse objetivo, de forma a que o esforço em 2023 não seja excessivo relativamente àquilo que é a evolução da economia”.
  6. Regime de profissões reguladas. Depois de “nem a troika [ter sido] capaz de impor que o poder democrático fosse exercido sobre o poder corporativo”, promete que vai mesmo levar até ao fim a revisão das profissões reguladas, que “subverte a concorrência e limita a liberdade do exercício profissional, em particular para as novas gerações”. Costa frisa que esta reforma é uma das condições para que sejam libertadas as verbas do PRR.

Na sequência da apresentação do OE, do lado do Bloco e do PCP só vieram palavras duras: Catarina Martins disse que o OE é uma “enorme desilusão” e um “autêntico balde de água fria” e João Oliveira criticou a “resistência” do Governo em “assumir compromissos” fundamentais e que o OE só dá “respostas marginais”. Ainda assim, ambos deixaram aberta a porta das negociações até ao dia 27 de outubro, data da primeira votação da proposta do Executivo socialista.

“Humildade” para ouvir PCP e BE

Ao elencar várias propostas extra OE, António Costa está a ir ao encontro dos potenciais viabilizadores da proposta. Nomeadamente do PCP, que apresentou uma longa lista de prioridades e medidas que quer ver implementadas, incluindo algumas que ficam fora do OE, como a revisão das leis laborais. Mas há outras “matérias importantes” identificadas pelos comunistas, da urgência de subir salários a recuperar o poder de compra dos pensionistas (além dos 10 euros extra nas pensões mais baixas), passando por mudanças mais profundas nos impostos, incluindo no IVA da energia.

Já os bloquistas têm apostado na simplificação da mensagem, definindo três prioridades. No Serviço Nacional de Saúde, o Bloco quer a exclusividade dos profissionais e a valorização das carreiras; nas pensões quer o fim do fator de sustentabilidade e o recálculo de pensões atribuídas entre 2014 e 2018; e na lei laboral quer a reversão das medidas da troika que ainda permanecem.

Neste encontro com os deputados do PS, o primeiro-ministro fechou a intervenção a prometer que o Governo terá a “humildade para saber dialogar, ouvir e procurar ao longo do debate [quer nesta fase inicial, quer na especialidade] negociar para sair daqui sempre com um OE melhor” do que o que foi apresentado pelo ministro das Finanças, João Leão. Mas também lembrou que não abrirá mão das “contas certas”.

Os novos argumentos colocados em cima da mesa negocial por António Costa para a viabilização do OE surgem poucas horas depois de o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, se mostrar convicto de que o OE vai ser aprovado pela esquerda na Assembleia da República, mas admitir também um cenário de uma crise política que provoque eleições antecipadas, mostrando dúvidas sobre se um orçamento feito em abril seria muito diferente do atual.

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