O que o Governo dá no OE2022 e o que a esquerda ainda quer

O Bloco e o PCP assumiram que votam contra a proposta do OE 2022 se o Governo não fizer mais cedências na fase de especialidade. O que já "deu" o Executivo e o que é que a esquerda ainda quer?

No primeiro debate da sessão parlamentar na passada quinta-feira, António Costa disse aos partidos que iam ficar “mais descansados” quando vissem a proposta do Orçamento do Estado para 2022 (OE 2022). Na segunda-feira viram-na, mas se ficaram mais relaxados não o demonstraram. Pelo contrário: tanto o Bloco, que votou contra o OE 2021, como o PCP, que o tinha viabilizado há um ano, criticaram duramente o documento e prometeram chumbá-lo caso não haja mais cedências do Governo.

O foco está agora nas negociações até à votação na generalidade a 27 de outubro. As próximas duas semanas serão, por isso, marcadas por difíceis negociações entre a esquerda e o Partido Socialista, surgindo daí compromissos do que será viabilizado na fase de especialidade para que os parceiros parlamentares deixem, para já, o OE passar e seguir o seu caminho parlamentar. Mas o PS já avisou que não pode ser apenas o Governo a aproximar-se, exigindo uma convergência da parte dos seus interlocutores.

Na apresentação do OE 2022 esta terça-feira de manhã, o ministro das Finanças bem tentou vender o documento que construiu, após ter dito que não via razões para o chumbar. E deu quatro exemplos de aproximação do Governo aos “anseios” dos partidos: a melhoria do rendimento das famílias através da redução do IRS — depois de Leão ter mostrado reticências há meses em avançar com essa medida em 2022 –, o reforço dos abonos de família para 2022 e 2023, um novo aumento extraordinário de 10 euros das pensões a partir de agosto e a subida de 0,9% dos salários da administração pública — após a ministra ter dito inicialmente que não haveria nenhum aumento.

Porém, para o Bloco e o PCP tal não é suficiente e nem os três mil milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência, que permitem ao Governo prometer o maior nível de investimento público desde 2010, convencem os bloquistas e comunistas. O que é que o Governo já cedeu aos partidos e o que é que estes querem mais?

OE2022 é feito de “remendos”. Bloco focado na saúde, lei laboral e pensões

Nas últimas semanas, o primeiro-ministro tentou uma aproximação aos bloquistas, identificando recentemente uma “trajetória diferente” no Bloco nas negociações orçamentais, face ao ano anterior em que chumbou o OE2021, provocando no PS uma chuva de críticas ao partido que tinha sido parceiro desde 2016. Porém, do lado do Bloco, na reação ao OE2022, nada parece ter mudado: é uma “enorme desilusão” e um “autêntico balde de água fria”, classificou Catarina Martins, afirmando que nenhuma das medidas ou prioridades do Bloco encontram resposta na proposta.

Tal como no ano passado, os bloquistas apontam na simplificação da sua mensagem, definindo três prioridades: o Serviço Nacional de Saúde, a lei laboral e as pensões. Porém, na maioria dos casos, o que exigem está longe de ser aceite pelo PS, como ficou bem claro pela negociação do ano passado. Há um ano o Bloco apresentou 12 propostas, mas a maior parte foram chumbadas pelos socialistas, ao lado da direita. Este ano não se conhece ainda em pormenor todas as medidas apresentadas pelo Bloco, mas sabe-se quais são as suas intenções.

No SNS, o Bloco quer a exclusividade dos profissionais e a valorização das carreiras; nas pensões quer o fim do fator de sustentabilidade e o recálculo de pensões atribuídas entre 2014 e 2018; e na lei laboral quer a reversão das medidas da troika que ainda permanecem. Sem isto, o Bloco vota contra. Catarina Martins fez questão de dizer que não é contra, por exemplo, o alívio fiscal do IRS, o aumento da dotação para a saúde ou a subida extraordinária das pensões mais baixas. Porém, nas palavras de Mariana Mortágua, estas medidas são “remendos” que não resolvem as questões essenciais.

Em particular, a deputada do Bloco mostrou preferência, em vez da mexida nos escalões do IRS, por um alívio dos impostos indiretos (que não são progressivos, ao contrário do IRS), em particular do IVA da eletricidade. Este tema já esteve na mesa em Orçamentos anteriores, mas o Governo já veio dizer este ano que não haverá mexidas em 2022, optando por outros mecanismos para amparar o efeito da subida dos preços da eletricidade.

O Bloco não reagiu ao novo regime para substituir o recurso a médicos tarefeiros ou a autonomia dos hospitais para substituir pessoal, duas medidas do OE2021, mas pelas declarações dos bloquistas tal não deverá ser suficiente.

OE2022 só tem “respostas marginais”. PCP focado nos salários, pensões e impostos

Ao contrário do Bloco, o PCP tem uma longa lista de prioridades e medidas que querem ver implementadas, tornando mais difícil perceber o que determinará ou não uma mudança no sentido de voto anunciado pelos comunistas. São várias as “matérias importantes” identificadas pelos comunistas e em que o Governo “resiste” a assumir “compromissos” e que, por isso, levam o PCP a assumir a hipótese de votar contra: da urgência de subir salários ao recuperar o poder de compra dos pensionistas (além dos 10 euros extra nas pensões mais baixas), passando por mudanças mais profundas nos impostos, incluindo no IVA da energia.

Um passo atrás. Além das quatro medidas elencadas por João Leão, as quais apelam às preocupações de vários partidos, o Ministério das Finanças cedeu em matérias caras aos comunistas, como é o caso do fim do pagamento especial por conta. Contudo, dado que este deixou de ser obrigatório em 2019, o efeito prático da proposta já é diminuto, tal como fez questão de dizer Duarte Alves, deputado do PCP, na noite do Orçamento na RTP3. O OE só tem “respostas marginais”, disse João Oliveira, líder parlamentar do PCP, quando anunciou o voto contra, mesmo deixando a porta aberta a mais negociações.

Ou seja, mesmo no que o Governo cedeu, o PCP não se mostra satisfeito, seja pela sua dimensão seja pela forma como a medida é concretizada, como é o caso do desdobramento dos escalões do IRS e do englobamento obrigatório para as mais-valias de curto prazo. O OE 2022 “não responde aos objetivos de um progressivo desagravamento dos rendimentos de trabalho mais baixos e intermédios e dos impostos indiretos e não afronta seriamente os grandes lucros e património, adiando a justiça fiscal e privando o Estado de milhares de milhões de euros de receita“.

É, aliás, na área dos impostos que há uma convergência entre as exigências dos comunistas e dos bloquistas: também o PCP defende uma redução do IVA na eletricidade, mas acrescenta que também deve haver um “controlo e regulação dos preços” face à escalada dos valores nos últimos meses. A isto soma-se a “valorização expressiva e inadiável das carreiras e salários dos seus profissionais” do SNS, o objetivo de se ter “creches gratuitas para todas as crianças”, o acesso à habitação (o congelamento das rendas antigas por mais um ano não foi suficiente para o PCP) e, claro, as mexidas na legislação laboral que o PS viabilizou inicialmente no Parlamento mas sem se comprometer.

Nos próximos 15 dias uma das dúvidas em cima da mesa é se haverá uma cedência no dossier dos CTT. João Oliveira relembrou-o na conferência de imprensa, dizendo que é preciso “recuperar controlo da empresa em vez de renovar a concessão” dos correios. No ano passado, em entrevista ao ECO, o vice-presidente do grupo parlamentar do PS, João Paulo Correia, sinalizou que o Governo estava a negociar o controlo público dos CTT com o PCP: “Se o momento para tomar a decisão [de o Estado comprar uma posição nos CTT] é este Orçamento ou é posteriormente, é aquilo que certamente estará em análise”, disse, a propósito do OE2021.

PAN acha Orçamento “pouco ambicioso”. PEV nota duas falhas

Se os votos do Bloco chegam para o PS ter o Orçamento viabilizado, os do PCP não são suficientes e necessitam da ajuda de outros partidos, daí a necessidade dos socialistas também negociarem com o PAN e o PEV, os quais não reagiram de forma tão dura, deixando o sentido de voto em aberto.

Em reação ao OE2022, o PAN notou que este é “pouco ambicioso”, nomeadamente no alívio fiscal do IRS, e lamentou que não seja desta que esteja previsto “o fim das isenções sobre os produtos petrolíferos”. Não é visível, para já, que bandeiras do PAN possam ter sido satisfeitas, à exceção do desdobramento dos escalões que desde o início das negociações foi reivindicado por Inês Sousa Real. Na sua intervenção, a porta-voz do PAN também lembrou que é preciso executar mais do atual Orçamento e de que disso depende a confiança do partido nos compromissos firmados pelo Executivo.

Do lado do PEV, o sentido de voto também fica em aberto, mas identifica-se já duas lacunas que têm de ser resolvidas na especialidade: o aumento do mínimo de existência, o qual poderá ser efetuado na fase de especialidade como aconteceu no ano passado, e a atualização dos escalões do IRS à taxa de inflação.

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