“Setor da hotelaria pode ter perdido profissionais e vai ser agora um desafio reconquistá-los”, diz administrador do Vila Galé
Embora o verão tenha sido uma pequena amostra do que esta área era antes da pandemia, a escassez da mão-de-obra ainda marca o setor da hotelaria, que tem pela frente o desafio de atrair pessoas.
O problema não é novo, mas a pandemia espoletou a conjuntura perfeita para dificultar ainda mais o acesso ao talento por parte do setor da restauração e turismo, um dos mais sacrificados pela Covid-19. E, embora a atividade tenha reaberto e o passado verão tenha sido uma pequena amostra do que esta área era antes da pandemia, há marcas que ainda duram. “O setor pode ter perdido profissionais”, e vai ser um desafio atraí-los de novo, afirma Gonçalo Rebelo de Almeida, administrador da Vila Galé Vila Hotéis, no 52.º Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Gestão de Pessoas (APG), que decorre até 5 de novembro.
“A situação [de falta de mão-de-obra] agravou-se por um conjunto de fatores. Por um lado, pelos atrasos sucessivos no arranque da atividade, o que não ajuda ao planeamento. Temos uma atividade que varia entre taxas de ocupação de 10% a 15% e picos de 90%. Temos uma estrutura estável, mas depois necessitamos sempre de reforços sazonais. Antes, a nossa estratégia de RH era contratar o mais cedo possível, logo em fevereiro ou março e prolongar até novembro. O adiar do arranque acabou por atrasar este processo de contratação. E todo o setor fez isto. De repente estavam todas as empresas do setor em junho e julho a tentar recrutar. Foi difícil porque havia muitas vagas“, explica o gestor na mesa redonda A Tradição como Ativo Potencial para a Inovação.
Por outro lado, as próprias pessoas — que nos hotéis Vila Galé estiveram em alguns casos entre seis a oito meses em casa, sem trabalho — acabaram por começar a procurar áreas onde o risco fosse menor. “Os estudos indicam que há um conjunto de pessoas, ainda não totalmente quantificado, que terá abandonaram o setor”, afirma.
Em França saiu recentemente um primeiro estudo com números, no qual se estima que entre 20% a 25% dos colaboradores da área da hotelaria e turismo tenham mudado de atividade durante a pandemia.
“Alguns deles admito que regressem, mas o setor, no seu todo, pode ter perdido profissionais e vai ser agora um desafio reconquistá-los. Vamos ter de voltar a trazer pessoas de outros setores para o setor da hotelaria, bem como reter os que já cá estão. Vai haver falta de recursos humanos, e o mercado nacional não corresponde”, considera, dando como exemplos também a necessidade de estabelecer parcerias com outros países e promover a imigração responsável para colmatar a falta de talento.
No setor dos brinquedos, Miguel Pina Martins, CEO da Science4You, admite não ter sentido essa escassez ao nível da mão-de-obra, mas mostra-se preocupada com a evolução do setor, ditada pelo ritmo da pandemia. “Enquanto não houver festas de aniversário, a compra de brinquedos vai estar sempre muito limitada”, diz, durante a sua intervenção na mesa redonda, moderada por Ana Marcela, diretora executiva da Pessoas.
“É um tema complexo e que não vai passar assim tão depressa”, continua Miguel Pina Martins, relembrando o encerramento da esmagadora maioria das lojas da Disney na Europa, enquanto nos Estados Unidos vai fechar 60, deixando em operação apenas duas dúzias.
Onboarding virtual pode ter impacto no turnover
Apesar de todas as dificuldades, a PwC não deixou de contratar durante a pandemia — a semelhança de muitas outras empresas –, mas o processo de acolhimento e integração teve forçosamente de mudar. Se, antes da Covid-19, o onboarding de novos colaboradores passava por atividades em grupo fora de Lisboa, durante os últimos dois anos, as atividades migraram para o ecrã e, no limite, para uma encomenda em jeito de presente que os novos membros recebiam em casa.
“Não foi fácil. Nós somos muito uma empresa formadora. Anualmente entram centenas de new-joiners — que são pessoas sem experiência profissional, que acabam de sair das universidades e entram na empresa — e nós temos essa necessidade de recebê-las, acolhê-las e aculturá-las dentro daquilo que são os valores e o propósito da organização”, diz Nuno Simões, diretor de recursos humanos da PwC em Portugal, Cabo Verde e Angola.
“Tínhamos uma série de programas montados em que as pessoas iam para locais fora de Lisboa para estarem juntas e criarem essa ligação presencial. Não conseguimos fazer isso durante estes dois anos, tivemos de fazê-lo de forma virtual. O desafio foi cativar pessoas que nunca sequer foram ao escritório”, continua, acrescentando que houve uma fase de pre-onboarding, que contou com jogos e concursos onde os novos colaboradores se inseriram na cultuar da empresa, e posteriormente, um welcome pack, que além do computador e de todo o equipamento necessário para o teletrabalho, continha também alguns presentes e mensagens de boas-vindas.
De uma maneira geral a avaliação é positiva, as pessoas gostaram, sentiram-se bem e integradas, mas sentimos que pode haver um desligamento mais fácil da organização, e isso pode ter algum impacto, mais tarde, no turnover [taxa de rotatividade].
O feedback dos colaboradores foi positivo, mas Nuno Simões mostra-se receoso. “De uma maneira geral a avaliação é positiva, as pessoas gostaram, sentiram-se bem e integradas, mas sentimos que pode haver um desligamento mais fácil da organização, e isso pode ter algum impacto, mais tarde, no turnover [taxa de rotatividade]“, admite.
Por outro lado, Nuno Simões confessa também que a área da consultadoria, tal como outras áreas mais tradicionais, enfrentam atualmente um desafio enorme no sentido de manter a atratividade. “Há uns anos, a PwC e outras entidades deste setor eram uma referência, eram quase um patamar que as pessoas queriam atingir. Hoje em dia, isso está muito mais nivelado. A concorrência por talento passa pela Amazon, pela Google e por aí fora… Mas passa também por startups e empresas muito pequenas que são formadas em hubs de estudantes“, refere.
Essa é a concorrência atual da empresa, tanta na área de business como na área de IT, onde o problema é ainda maior: “Vemos um mercado completamente desequilibrado, onde as pessoas podem escolher onde querem trabalhar e movem-se quase a projetos.” O desafio é, agora, manter a atratividade que caracterizava o setor há uns anos, “manter-nos apetecíveis”, finaliza.
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