Mais de 80% dos empregadores pretendem recrutar em 2022. Mas há menos portugueses interessados em mudar de emprego
É o valor mais elevado alguma vez apurado pela Hays. Mas as pessoas não estão tão dispostas a mudar de emprego, fruto das medidas de retenção e da externalização de processos de recrutamento.
O clima é de otimismo, pelo menos entre os empregadores portugueses, que revelam fortes intenções de contratar novos colaboradores durante o próximo ano: 84% pretende recrutar, mas, depois de dois anos de aumento do interesse em mudar de emprego, em 2022 o interesse dos trabalhadores em mudar de emprego perde algum fôlego, revela o “Guia do Mercado Laboral”, da Hays a que a Pessoas teve acesso.
“Se analisarmos as intenções de recrutamento ao longo dos últimos anos vemos que esta é uma tendência que tem vindo a crescer, isto é, tem sido um crescimento constante. Temos cada vez mais empresas a querer recrutar de ano para ano. Este aumento deve-se ao crescimento das atividades económicas e ao forte (e contínuo) investimento estrangeiro em Portugal. Temos cada vez mais empresas estrangeiras a transferir os seus centros de competências para Portugal, e este foi um investimento que nunca abrandou nem deixou de existir, mesmo em contexto pandémico”, explica Paula Baptista, managing director da Hays Portugal, à Pessoas.
A intenção de contratação dos empregadores nacionais — o valor mais elevado alguma vez registado nos inquéritos no “Guia do Mercado Laboral” da Hays — parece deparar-se com um problema: disponibilidade dos colaboradores em mudar de emprego, que recua quatro pontos percentuais, para 74%.
A exceção é no turismo. Se por um lado o setor enfrenta um grave problema de escassez de talento e, por outro lado, regista valores altos no que toca a profissionais que pretendem mudar de emprego (ou até mesmo de setor). Já os salários, à boleia da falta de mão-de-obra — que afeta alguns setores e vários cargos em específico — deverão aumentar.
As intenções de contratação para 2022 são mais do dobro das apuradas em 2012 (33%), o valor mais baixo desde, pelo menos, 2011. Este clima de otimismo é global e afeta, também, as perspetivas de aumento da atividade das empresas, que são “bastante elevadas”, acrescenta a líder da Hays Portugal.
Já os profissionais disponíveis no mercado deverão assumir, no próximo ano, uma postura mais cautelosa. Depois de o interesse em mudar de trabalho ter aumentado quase dez pontos percentuais durante os últimos dois anos, marcados pela pandemia da Covid-19, os profissionais parecem estar agora mais satisfeitos com o seu empregador atual.
Ainda assim, ainda 74% dos profissionais qualificados demonstram abertura para novas oportunidades de carreira. A percentagem contrasta com os 79% e 78% verificados em 2021 e 2020, respetivamente. Antes da pandemia, em 2019, esta percentagem situava-se nos 70%.
Estratégias de retenção começam a dar frutos… E externalização de processos de recrutamento também
Paula Baptista considera que os esforços das organizações em matéria de retenção de talento — uma das principais dificuldades na gestão de RH em 2021, a par da atração de talento (ambos com 44%) e seguida da motivação dos colaboradores (39%) — podem finalmente estar a dar resultados. Mas não só.
“Nos últimos anos temos verificado um forte empenho e investimento dos empregadores em melhorar e criar estratégias de retenção de talento. Ora, isso também se reflete nos dados deste guia quando analisamos, por um lado, a diminuição das intenções em mudar de emprego e o aumento global da satisfação dos colaboradores com os parâmetros todos que analisámos”, esclarece.
“A verdade é que o mercado está diferente, mais flexível e os profissionais parecem estar mais satisfeitos com esta nova realidade e as empresas têm tentado corresponder a esta novas necessidades”, continua.
Mas, além do investimento das companhias em estratégias de retenção de talento, Paula Baptista salienta também que a consultora tem notado que há cada vez mais empresas a externalizar os seus processos de recrutamento, devido à dificuldade de abordar os candidatos certos.
A verdade é que o mercado está diferente, mais flexível e os profissionais parecem estar mais satisfeitos com esta nova realidade e as empresas têm tentado corresponder a esta novas necessidades.
“Temos mais empresas a querer recrutar do que profissionais disponíveis para mudar e um mercado cada vez mais liderado pelo candidato, onde chegar ao perfil ideal é difícil. É importante ter conhecimento de mercado, acompanhar as tendências, ter uma boa rede de contactos e saber as estratégias exatas para abordar os profissionais com o perfil e as características chave”, considera.
Fazendo uma comparação anual, em 2021, a satisfação dos profissionais aumentou de forma global em todos os fatores, exceto nos horários e equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Já a insatisfação com as perspetivas de progressão e com o pacote salarial, que vinham aumentando desde 2018, desceram este ano, 12 e 15 pontos percentuais, respetivamente. O mesmo se verifica em relação aos prémios de desempenho, à formação, à cultura empresarial e à chefia direta, onde os três primeiros desceram 8% e o descontentamento com a chefia direta, 10%, revelam os dados do guia da Hays Portugal.
Ainda assim, apesar de as intenções de mudar de trabalho terem caído de forma global, vale a pena salientar que, analisando cada setor separadamente, há áreas que contrariam esta tendência. É o caso do turismo, onde perto de 80% dos profissionais afirmar querer mudar de emprego. “Aliás, esta é uma área onde muitos profissionais, não só mudaram de emprego, como de área”, alerta a managing director da Hays Portugal.
Tecnologia e turismo mais afetados pela escassez de talento
A dificuldade em encontrar o perfil certo para as oportunidades de trabalho é mais notória, sem grande surpresa, no setor das tecnologias da informação, um mercado que já é liderado pelo candidato. No entanto, também vai ser mais visível no turismo, devido à conjuntura que o setor enfrenta.
Já noutros setores, não se trata propriamente de uma dificuldade em recrutar de forma global, mas sim de contratar perfis mais específicos. “Na área de indústria temos engenheiro de automação, engenheiro eletrotécnico, engenheiro de higiene e segurança no trabalho; na construção e imobiliário, diretor de obra – construção civil, encarregado de obra; na banca e seguros, analista de risco, atuário; no retalho senior digital, analyst e chefe de secção; em life sciences, regulatory affairs manager, clinical research associate e key account manager e-retail“, exemplifica.
Talvez seja um fator cultural, mas ainda não é comum falar-se de abertamente sobre salários. Mas sem dúvida que o mercado de trabalho está a mudar, por isso, acredito que num futuro próximo este tema ganhe relevância e comece a ser discutido e até mesmo aplicado de outra forma.
Perante esta dificuldade, Paula Baptista admite que “é natural” que a pressão salarial aumente. Uma tendência que é mais comum no mundo das tech, mas que “está a estender-se a outras áreas e setores”, com as áreas de IT, shared services (finance e HR) e e-commerce a serem apostadas como aquelas que terão mesmo de “abrir os cordões à bolsa” durante o próximo ano.
Ainda sobre a questão dos salários, o estudo da Hays aponta também para a crescente importância da transparência, um tema que tem vindo a ganhar destaque nos últimos tempos. A Finlândia já anunciou que planeia deixar que os trabalhadores saibam o salário dos colegas. Já em Portugal, embora considere que começa a haver mais abertura para falar sobre níveis salariais, Paula Baptista considera que ainda estamos perante um “tema tabu”.
“Talvez seja um fator cultural, mas ainda não é comum falar-se de abertamente sobre salários. Mas sem dúvida que o mercado de trabalho está a mudar, por isso, acredito que num futuro próximo este tema ganhe relevância e comece a ser discutido e até mesmo aplicado de outra forma”, defende.
Indefinição em relação a políticas de teletrabalho
O tema do teletrabalho também merece destaque no “Guia do Mercado Laboral 2022”, que indica que este é já um dos fatores mais questionados pelos profissionais em contexto de entrevista. O inquérito revela que 60% profissionais valorizam esta modalidade como benefício, e apenas 9% não faz questão de usufruir de qualquer tipo de teletrabalho.
Do lado dos empregadores, 54% disponibilizam algum tipo de modalidade de teletrabalho. No entanto, lê-se no estudo, “denota-se ainda alguma indefinição em relação a políticas ou regras de implementação dentro das estruturas”.
Outro tema quente é a semana de quatro dias de trabalho, que já algumas empresas em Portugal testaram ou estão a testar. É o caso da Feedzai, do Doutor Finanças e da Happytown, por exemplo. E, segundo os resultados obtidos pela Hays, 98% dos profissionais consideram que esta medida seria uma boa ideia. No entanto, mais de metade (62%) acredita que nunca será uma realidade generalizada.
Os empregadores, por sua vez, revelam-se também recetivos a este conceito: a grande maioria acredita que é uma boa ideia, sendo que apenas 8% diz ser contra. Contudo, também os empregadores revelam algum ceticismo quanto à sua efetiva implementação, com 62% a indicarem que, apesar de concordarem com a ideia, nunca será algo generalizado. Ainda assim, 30% dos inquiridos acreditam que será inevitável no futuro.
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