Argentina volta a negociar com FMI para evitar “default”
Equipa negocial técnica da Argentina chega a Washington e os analistas antecipam uma desvalorização da moeda.
A Argentina envia este sábado uma missão técnica a Washington para abrir negociações formais com o Fundo Monetário Internacional (FMI), pressionada pela escassez de dinheiro no Banco Central, pela expectativa de desvalorização da moeda e por vencimentos da dívida.
“A comitiva que a Argentina envia deve levar um plano económico a ser negociado com os técnicos do FMI para depois passar pelo aval do Parlamento argentino. A pressa é quanto ao horizonte de vencimentos da dívida para os quais não há dinheiro para pagar. A Argentina precisa descomprimir essa situação para ter algum oxigénio no meio do sufoco. A questão é o que o FMI vai exigir e o que a Argentina está disposta a conceder”, avalia à Lusa a economista Marina Dal Poggetto, diretora da consultora Eco Go.
Em 2018, o FMI e a Argentina firmaram o maior empréstimo já concedido pelo organismo a um país: 57 mil milhões de dólares, dos quais foram desembolsados 44 mil milhões. O acordo prevê pagamentos de 19.020 milhões de dólares em 2022, de 19.270 milhões em 2023 e de 4.856 milhões em 2024. Os vencimentos começam em março, horizonte limite para a Argentina chegar a um acordo sem entrar em default.
“Até março, esse acordo tem de sair. Nem a Argentina quer um default, nem o FMI quer um incumprimento. A Argentina pressiona porque sabe que o FMI está atolado pelo acordo que fez com a Argentina: muito dinheiro a um país que não pode pagar. Isso pode permitir um acordo sem muitas exigências”, acredita Dal Poggetto.
As reservas do Banco Central da Argentina chegam a 41.500 milhões de dólares, mas esse montante está inflado por uma contabilidade que inclui depósitos compulsórios, empréstimos de contingência, títulos públicos e outros instrumentos sem liquidez imediata.
Os economistas de referência no país calculam que, de reservas líquidas, aquelas que podem ser usadas para intervir no mercado, oscilem entre 3.400 milhões de dólares e zero, dinheiro insuficiente para as importações de apenas um mês. “Não sabemos quanto, mas, no acordo com o FMI, haverá alguma desvalorização e aumento de tarifas”, prevê Dal Poggetto.
Até março, esse acordo tem de sair. Nem a Argentina quer um “default” nem o FMI quer um incumprimento.
“É muito provável que uma desvalorização seja inevitável. A Argentina tem tomado medidas loucas para conter uma desvalorização e para reter os poucos dólares no Banco Central, mas a solução deve passar por uma desvalorização”, indica à Lusa o economista Fausto Spotorno, diretor da consultora Orlando Ferreres.
Nos últimos dias, o Governo proibiu o financiamento de passagens aéreas internacionais e de serviços de turismo no exterior justamente quando os argentinos se preparavam para definir as férias. Ao mesmo tempo, obrigou os bancos a venderem as suas reservas privadas de dólares.
As medidas que restringem ainda mais o acesso aos dólares foram interpretadas como uma prova da escassez das reservas. Durante a semana, houve uma incipiente fuga de depósitos privados dos bancos e o Banco Central precisou emitir uma nota para esclarecer que “os depósitos bancários dos argentinos não correm risco” de serem confiscados, a exemplo do que aconteceu a exatamente 20 anos.
A Argentina acumula uma inflação anualizada de 52,1%, mesmo com as tarifas de serviços públicos congeladas há dois anos. O peso argentino perdeu 200% do seu valor nos últimos dois anos. O país convive com fuga de empresas, crescentes controlos cambiais, restrições ao movimento de capitais, congelamento de preços e intervencionismo em diversos setores.
“Já não há mais por onde conter a saída de moeda estrangeira. A próxima medida já seria a proibição total. Estamos no campo das ideias loucas que levariam a uma questão judicial por inconstitucionais. Estamos no limite”, aponta Spotorno. Nas duas últimas semanas, as castigadas ações das empresas argentinas no exterior caíram mais 30%, fazendo as companhias encolherem em 22.000 milhões de dólares os seus ativos.
A Argentina pressiona porque sabe que o FMI está atolado pelo acordo que fez com a Argentina: muito dinheiro a um país que não pode pagar. Isso pode permitir um acordo sem muitas exigências.
A taxa de risco-país superava os 1.900 pontos-base, quando, na quarta-feira, o Governo anunciou a missão ao FMI. O anúncio trouxe um alívio imediato, recuando a taxa a 1.800 pontos, mas num nível ainda de default. Para o mercado, o acordo com o FMI é condição necessária, mas não suficiente.
“Estão todos a esperar que um entendimento com o FMI seja a solução dos problemas, mas o acordo não vai resolver nada porque não implica dinheiro adicional. Vai apenas renovar os vencimentos. Com 1800 pontos, o mercado está a dizer que a Argentina é insolvente”, explica à Lusa o economista Roberto Cachanosky.
A agência Moody’s vê a Argentina num labirinto. Sem acesso a novos financiamentos, a Argentina não conseguirá rolar a dívida e entrará em novos incumprimentos por mais que renegoceie as suas dívidas, a exemplo da reestruturação da dívida com credores privados em agosto do ano passado.
“O mercado entende que a Argentina terá de reestruturar a sua dívida novamente dentro de dois anos. Por isso, mantemos a classificação da Argentina num nível consistente de ‘default’ porque não terá como pagar as suas dívidas”, afirmou o vice-presidente da Moody’s e analista de risco para a Argentina, Gabriel Torres, em conferência com a imprensa nesta semana.
E quanto a um acordo com o FMI, há dúvidas se a Argentina cumprirá com as metas que pactuar.
“A grande pergunta é se o Governo vai cumprir porque um plano com o FMI de consolidação fiscal quando o país terá eleições em 2023. Não há confiança no Governo para continuar com uma redução do défice fiscal. Assim, um acordo permite a Argentina a aguentar um tempo até as reservas voltarem a cair e forçarem uma brusca desvalorização com salto inflacionário. Sair desse ciclo não é fácil”, adverte Torres.
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