Fundo polémico que juntou BES, Montepio e José Guilherme vai para a insolvência

Tribunal decretou a insolvência do Invesfundo II na semana passada. Foi este o fundo que ligou o BES, o Montepio e o construtor José Guilherme para desenvolver terrenos na Amadora. Devia 85 milhões.

Foi para a insolvência um fundo imobiliário criado em 2005 para desenvolver projetos na Amadora e que chegou ao final de 2020 com dívidas de cerca de 85 milhões de euros ao Novobanco e também ao Banco Montepio, sendo que uma parte foi perdoada. Foi este o fundo que juntou o BES e o Montepio ao construtor José Guilherme, conhecido pela “liberalidade” de 14 milhões de euros a Ricardo Salgado, o antigo presidente do BES. O empreiteiro também foi investigado pelo Ministério Público por suspeitas de “luvas” de 1,5 milhões a Tomás Correia, ex-presidente do Montepio, em troca de financiamento bancário, o que negou dizendo que era para os filhos de um amigo já falecido.

A insolvência do Invesfundo II foi aprovada pelo tribunal da comarca de Lisboa na semana passada, depois do pedido feito pela sociedade gestora, a Gesfimo, no final do ano passado. Contam-se mais de duas dezenas de credores, incluindo o Novobanco e o Banco Montepio e ainda o Estado, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), a Gesfimo, e o próprio José Guilherme, de acordo com o processo consultado pelo ECO no Citius.

As dívidas ao Novobanco e ao Banco Montepio ascendiam a cerca de 85 milhões de euros no final de 2020. Mas as contas do fundo relativas a esse ano já só registavam créditos bancários de 66 milhões de euros junto destas duas instituições, na sequência do perdão de dívida que ficou acordado no plano de recuperação (PER) que os bancos aceitaram em 2018.

O PER foi considerado vital para manter a atividade do fundo, que tinha capitais próprios negativos em 16 milhões de euros, e contemplou uma redução imediata de quase 25% dos créditos, implicando um haircut de 21 milhões na dívida bancária. Ainda assim, o acordo deixou aberta a porta para que as instituições financeiras pudessem receber o montante perdoado, caso as vendas dos ativos imobiliários assim o permitissem. Ficou previsto que o fundo procedesse à alienação da totalidade dos ativos até final do ano passado, quando se extinguia o plano.

O que tem o fundo? Sobretudo lotes de terreno situados no Marconi Parque, no município da Amadora, comprados em 2005 ao Fundo de Pensões da Companhia Portuguesa Rádio Marconi. São mais de oito dezenas de lotes cujo valor líquido ascende, atualmente, a perto de 82 milhões de euros e que estão hipotecados aos bancos. Ou seja, com base nesta avaliação, os bancos recuperariam na quase totalidade os empréstimos concedidos.

Para 2021 estava previsto o Invesfundo II “continuar a desenvolver os esforços comerciais com vista à alienação do seu património”, seguindo o plano aprovado pelos credores, de acordo com o relatório e contas de 2020.

A sociedade gestora reconhecia, porém, que a pandemia veio colocar dificuldades significativas no processo de venda dos terrenos, sobretudo por causa das “perspetivas mais negativas” para a economia e para o mercado imobiliário de habitação e escritórios que subsistiam. Entretanto, com a recuperação da economia e os avanços na vacinação no ano passado, as perspetivas terão melhorado.

Com o tribunal a decretar a insolvência, o fundo está agora nas mãos do administrador de insolvência David Duque, a quem os credores terão reclamar as dívidas durante os próximos 30 dias.

Contactados pelo ECO, nem o Novobanco e nem o Banco Montepio responderam às questões até à publicação do artigo.

Litígios, atrasos e um PER até à insolvência

O Invesfundo II faz parte de uma “família” de fundos criados na década de 2000 no seio do Grupo Espírito Santo (GES) para diversas apostas no setor imobiliário. Eram nove os Invesfundos ao todo, quatro dos quais já foram fechados, e outros dois estão em processo de insolvência, incluindo este. Por exemplo, já aqui demos conta o processo relativo ao Invesfundo III, relativo a um megaprojeto imobiliário em Gaia, e que deverá resultar numa perda de 25 milhões de euros para o Novobanco, não obstante os esforços feitos na recuperação do dinheiro com a venda dos ativos. Também este está em liquidação, embora numa fase mais adiantada.

Em relação ao segundo dos Invesfundo, o caminho até aqui registou vários atrasos nas obras de urbanização dos terrenos, disputas no tribunal e alguns episódios mais peculiares. Como aconteceu em 2009, por exemplo, quando ameaçou ir para tribunal contra o Fundo de Pensões da Rádio Marconi por lhe ter adquirido um terreno adicional por oito milhões, quando o terreno em causa não pertencia ao fundo de pensões, mas a outra entidade.

Depois, em 2011 e 2012, teve de lidar com a falência da Infraurbe, contratada para realizar as obras de urbanização do loteamento, tendo avançado com uma ação judicial contra a empreiteira por causa dos defeitos que encontrou nas obras, o que atrasou todo o processo que culminaria com o início da comercialização dos lotes. Só em 2013 o litígio foi resolvido e as obras de conclusão foram retomadas apenas no início de 2015, depois de um novo financiamento de 12 milhões obtido junto do Novobanco e Montepio – acima dos 63 milhões já pedidos no final de 2010.

Foi neste ano que o Invesfundo entrou em desequilíbrio: passou a ter um capital próprio negativo de 16 milhões de euros, depois de ter revisto em baixa a avaliação dos terrenos.

Por esta altura, já há muito que José Guilherme e a sua ligação a Ricardo Salgado estavam na mira das autoridades, por causa da “prenda” de 14 milhões como fora justificado pelo ex-presidente do BES pelos bons conselhos de investimento. Mais tarde, o Ministério Público também estaria a investigar pagamentos a Tomás Correia de 1,5 milhões como contrapartida de um financiamento do Banco Montepio ao Invesfundo II.

A solução para o futuro do fundo passaria por um PER, negociado já em 2018 e homologado pelo tribunal já no início de 2019, depois de os bancos terem recusado outras vias. Uma das opções que esteve em cima da mesa foi a venda de terrenos a um investidor, mas o negócio não se concretizou. Com o PER foi perdoado um quarto da dívida da banca.

Em 2020, ainda prosseguiam as obras de urbanização, nomeadamente de requalificação da rede elétrica. Mas o fundo registou mais adversidades que comprometeram a conclusão das obras finais dentro do prazo: após uma visita dos técnicos municipais, verificou-se que o projeto de iluminação estava desatualizado de acordo com os protocolos energéticos, tendo sido necessário fazer novo estudo luminotécnico e instalar 220 novas luminárias, encargos que não estavam então previstos. Além disso, também se registaram roubos de equipamento como as tampas dos esgotos e grelhas dos sumidouros, com consequências económicas para o fundo.

Apesar do atraso na conclusão das obras por causa destas dificuldades, o Invesfundo II manteve-se a promover os terrenos e recebeu propostas. Contudo, o preço e as condições “especiais” do mercado levaram as negociações com os interessados a um desfecho desfavorável.

Novobanco quer apagar legado com José Guilherme

A insolvência do Invesfundo II, que tinha José Guilherme como um dos subscritores, surge depois de o Novobanco ter tentado vender a dívida de 121 milhões de euros do construtor numa carteira de crédito malparado no final do ano passado.

Contudo, a operação foi travada pelo Fundo de Resolução por causa do elevado desconto com que ia ser comprada e para não haver o risco de José Guilherme recomprar a dívida por um valor irrisório. Ia ser vendida com um desconto de 97%, por cerca de 3,9 milhões.

O Novobanco acabou por alienar a carteira “Harvey” nos últimos dias do ano passado ao fundo Deva e à Arrow por um terço do valor, mas o crédito de José Guilherme ficou de fora, permanecendo no balanço do Novobanco.

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