Covid mais próxima de se tornar endémica em Portugal. 5 respostas sobre a nova fase

Apesar do elevado aumento de casos por Covid, o facto de os óbitos e as UCI não acompanharem esta subida, levou a que se começasse a discutir o fim da pandemia. O que significaria passar-se à endemia?

Quase dois anos após o início da pandemia, governos e comunidade científica acreditam que a variante Ómicron poderá marcar um ponto de viragem no combate à Covid-19. O facto de esta variante ser mais transmissível, mas também causar doença menos severa, aliada às taxas de vacinação, poderá fazer com que a gestão da doença seja mais gerível e que deixem de ser impostas restrições mais apertadas.

O diretor da Organização Mundial de Saúde (OMS) na Europa já veio sinalizar que “é plausível” que a pandemia termine na Europa em breve, dado que se estima que a variante Ómicron possa infetar até 60% dos europeus até março, pelo que “haverá, por algumas semanas ou meses, imunidade geral”. “Seja por causa da vacina ou porque as pessoas ficarão imunes devido às infeções, para além de uma quebra por causa da sazonalidade”, acrescentou Hans Kluge.

Ainda assim, o responsável reconhece, contudo, que ainda não foi atingido o estágio da endemia. Certo é que o caminho para lá chegar está cheio de incertezas. Mas, afinal, o que significaria passar-se a um estágio de endemia? O ECO preparou um guia de perguntas e respostas.

  1. O que é uma endemia?

Uma epidemia pressupõe que uma determinada doença se espalhe rapidamente num determinado local, ao passo que se torna uma pandemia quando se espalha globalmente ou numa uma área muito ampla. Já no que toca à endemia, não significa que exista o fim da circulação da doença, mas que esta continua presente numa determinada população, ainda que num nível mais baixo e mais controlado, isto independentemente de os casos poderem vir a aumentar em certas situações.

“Enquanto a endemia assume um conceito estrito de normalidade de circulação ou daquilo que é esperado, a pandemia diz que está a ocorrer acima do que é esperado”, afirma Bernardo Gomes, em declarações ao ECO. É o caso, por exemplo, do que acontece com a malária. Já no que toca à gripe trata-se de “um fenómeno sazonal epidémico”, dado que “há uma altura do ano em que há ocorrências superiores à norma por híper-circulação do vírus”, explica o médico de Saúde Pública e investigador do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP). Nesse sentido, o especialista prefere referir-se a “uma normalização” da doença, e consequentemente, da vida social, do que à passagem para uma fase endémica da Covid.

2. Quando é que Portugal poderá passar a uma fase endémica?

Para já, existem ainda muitas incertezas, no entanto, os cientistas esperam que quando um número alargado de pessoas tiver, pelo menos, alguma proteção contra o vírus, quer seja através das vacinas ou por infeção prévia, isso poderá ajudar a que, com o tempo, a Covid represente cada vez menos uma ameaça menor para a população em geral.

Tendencialmente vamos encontrar uma situação de equilíbrio entre o vírus e a população humana, na medida em que à semelhança de outras infeções respiratórias com as quais lidamos periodicamente este vírus também vai passar a fazer parte dos vírus respiratórios que vão estar em circulação”, começa por explicar Miguel Prudêncio, ao ECO. Por isso, a questão que se coloca, não é se vamos chegar a este equilíbrio, mas quando. “Esse equilíbrio será encontrado quando a presença do vírus não acarretar uma situação de descontrolo de infeções, que possa pôr em causa a vida e a saúde das pessoas e, consequentemente, também o sistema de saúde“, assinala o investigador do Instituto de Medicina Molecular (iMM).

Segundo Miguel Prudêncio, “a tendência para chegarmos a esse ponto já está em marcha”, dado que atualmente o vírus “já não tem os impactos na saúde e na vida das pessoas teve até agora”. E este “patamar” é alcançado quando “a maior parte da população tiver algum grau de imunidade contra o vírus e contra as consequências do vírus em termos de doença grave”, quer seja através da imunidade conferida pelas vacinas, quer “através das próprias infeções”.

Também Bernardo Gomes destaca que “o património coletivo imunitário” que está a ser construído pode ajudar a que se passe a uma fase de “normalização” da doença, sinalizado que para o efeito deve-se olhar para os indicadores que sempre guiaram a pandemia, nomeadamente “ocupação em unidades de cuidados intensivos”. Contudo, mais cauteloso, o médico de Saúde Pública alerta que ” é preciso ter algum cuidado”, não oferecendo “certezas”, dado que “há sempre a possibilidade de aparecer uma variante que oferece desafios particulares”.

3. A Ómicron pode ajudar a que se passe a uma fase endémica mais rapidamente?

Os dados conhecidos revelam que a variante Ómicron é bem mais transmissível do que as variantes anteriores, ainda que seja aparentemente menos severa, sobretudo em pessoas vacinadas. Assim, e tendo em conta que esta estirpe está a expor “em níveis nunca antes vistos uma grande parte da população”, este facto poderá ajudar a acelerar a transição para um estágio endémico. “De uma certa forma essa variante tem essa característica”, sinaliza o investigador Miguel Prudêncio.

A opinião é partilhada pelo bastonário da Ordem dos Médicos, que adianta que “em fevereiro os casos, em princípio, vão começando a diminuir” e a partir daí as temperaturas começam a subir um pouco, pelo que “lá para março” “tudo isto vai ajudar que a doença fique, de facto, endémica”, disse, em declarações ao ECO. Recorde-se que o Presidente da República já tinha vindo sinalizar que acredita que o país estará “a passar à endemia”.

Contudo, há ainda outro fator a ter em conta: a vacinação. Nesse sentido, Bernardo Gomes alerta que em países com baixas taxas de vacinação, a Ómicron “tem levantado muitos problemas”, nomeadamente no que toca à sobrecarga dos sistemas de saúde em unidades de cuidados intensivos. “Esta variante pode-nos ajudar com maior exposição, mas tem que se ter cuidado no sentido de não assumir que a imunidade deixada por esta variante seja perene, ou seja, que dure muito tempo“, aponta o médico de Saúde Pública.

4. E todos os países vão passar a uma fase endémica ao mesmo tempo?

Não. Tal como referido anteriormente, a taxa de vacinação é um dos principais fatores a ter em conta nesta “equação” relativa ao património imunitário criado contra a doença. “Em países em que a taxa de vacinação seja muito diferente da nossa, esse processo de criar uma imunidade populacional que permita que o vírus circule sem se traduzir num número de casos graves de doença inaceitável é menor do que se tivermos uma população vacinada em larga escala como temos”, explica Miguel Prudêncio, destacando, que a elevada taxa de cobertura vacinal em Portugal, coloca o país “numa posição privilegiada”.

Neste contexto, o facto de haver países, sobretudo em África, com taxas de inoculação mais baixas, pode aumentar o risco de surgirem novas variantes, com capacidade para escaparem à imunidade conferida pelas vacinas. Além disso, outra das incógnitas diz respeito à duração da imunidade.

Não obstante, há já países, incluindo Portugal, que estão a ponderar alterar o modo como têm gerido a pandemia. É o caso de Espanha, cujo primeiro-ministro veio sinalizar que está na altura de se alterar o modo como lidamos com o vírus, estando, por isso, a ponderar utilizar um sistema de monitorização semelhante ao da gripe, deixando de registar todos os casos e de testar todas as pessoas que apresentem sintomas. Em Portugal, também o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) já veio admitir que está a trabalhar numa eventual integração da vigilância do SARS-CoV-2 nas redes-sentinela da gripe e outras infeções respiratórias. A alteração poderá ser levada a cabo já a partir da primavera/verão, mas ainda necessita do aval final da DGS, segundo revelou o Jornal de Notícias.

Também a Dinamarca anunciou que, a partir de fevereiro, vai deixar de considerar a Covid uma doença “crítica” para a sociedade, pelo que vai deixar cair o uso obrigatório de máscara em espaços fechados e terminar com as restrições em restaurantes, na vida social e cultural. Por outro lado, Reino Unido, Irlanda, Bélgica, França e Áustria já anunciaram um alívio das medidas.

Ainda pela Europa, também o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) encorajou os países a “fazer a transição de um sistema de vigilância de emergência para outros mais sustentáveis e orientados para objetivo”, incentivando os Estados-membros a relatarem apenas os casos sintomáticos, dado que “isso melhorará a comparabilidade” entre países, explica o organismo à Rádio Renascença. Fora do “Velho Continente”, também o presidente dos EUA disse acreditar que o vírus pode ser monitorizado com novas ferramentas.

5. Como é que vamos conviver com o vírus quando se passar à fase endémica?

A diminuição da imunidade, os não vacinados e o surgimento de novas variantes poderão levar a futuros surtos, mesmo quando se passar para uma fase endémica da Covid. Não obstante, quando se passar para este patamar o objetivo é “conviver com este vírus como convivemos com outros vírus respiratórios”. “O conviver com o vírus é no fundo saber que temos um grau de imunidade populacional que permite que a generalidade da população tenha alguma proteção contra as consequências mais graves da doença da infeção, sabendo que algumas pessoas vão apanhar a infeção e vão ter sintomas ligeiros, outras vão ter sintomas mais graves, como acontece com os outros vírus todos“, sintetiza Miguel Prudêncio.

Nesse contexto, para o investigador do iMM “o cenário possível” é que à semelhança da gripe, a vacinação periódica contra a Covid seja “recomendada e dirigida aos grupos de população mais vulnerável”, sendo que os países devem continuar a vigiar a doença e a monitorizar o surgimento de variantes.

Além disso, Bernardo Gomes assinala que “há conhecimento suficiente acumulado para sabermos como devemos reagir em momentos de maior circulação de vírus circulatório”, pelo que podem surgir recomendações mais específicas, relativamente aos cuidados a ter ou, por exemplo, ao uso de máscara e da ventilação dos espaços quando “chegarmos à época da gripe sazonal/ coronavírus sazonal”.

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