Subsídio de férias pode obrigar Parlamento a mudar lei dos duodécimos

Sem novo Orçamento em vigor em junho, o Governo admite que pode ser necessário uma mudança na lei dos duodécimos para pagar subsídio de férias aos funcionários públicos.

Se o novo Orçamento do Estado para 2022 (OE 2022) não estiver em vigor a 1 de junho, o subsídio de férias dos funcionários públicos pode ficar em causa, implicando uma mudança na lei que rege os duodécimos. Não há consenso entre os especialistas em finanças públicas sobre se tal será necessário, mas o ECO sabe que no Ministério das Finanças a convicção é de que será preciso uma alteração à lei aprovada na nova Assembleia da República.

Na opinião das Finanças, não existe folga orçamental dentro do regime dos duodécimos — em que o limite mensal de gastos equivale à despesa aprovada em 2021 dividida por 12 — para pagar os subsídios de férias aos funcionários públicos no final de junho. Assim, a convicção é de que ou há um novo Orçamento do Estado em vigor a 1 de junho ou o Parlamento tem de mudar a Lei de Enquadramento Orçamental (LEO).

Esta última hipótese não deve ser difícil uma vez que o PS tem maioria absoluta, ou seja, não precisa de deputados de outros partidos, nomeadamente os da esquerda, para aprovar esta alteração legislativa. Mas será mesmo preciso esta mudança legislativa, seja a nível orçamental ou em termos jurídicos? O ECO questionou especialistas em finanças públicas, mas não há um consenso.

Paulo Trigo Pereira, ex-deputado socialista e economista especialista em finanças públicas, considera que “os duodécimos não são suficientes para pagar o subsídio” de férias no final de junho, mas argumenta que há duas hipóteses. “Ou aprovar atempadamente o Orçamento do Estado, o que acho viável, ou arranjar alguma engenharia financeira como usar a reserva [orçamental] ou a dotação orçamental do Ministério das Finanças ou dos Ministérios setoriais“, explica o também professor catedrático de economia do ISEG.

Rui Nuno Baleiras, coordenador da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), aponta para esta última possibilidade, mas refere que também é possível autorizar o reforço da rubrica de despesa com pessoal, retirando dinheiro de outras rubricas, ou ainda utilizar as “sobras” da execução dos meses anterior (normalmente a despesa autorizada nunca é utilizada totalmente). Perante estas hipóteses, o especialista em finanças públicas que lidera a UTAO considera que o pagamento dos subsídios de férias em duodécimos “não é um problema”. Porém, ressalva: “Admito que possa não estar na posse de toda a informação prática e operacional”.

Outro especialista em finanças públicas, que preferiu não ser identificado, considera que um compromisso do Estado como é o pagamento dos salários dos funcionários públicos sobrepõe-se ao regime de duodécimos.

Ao contrário do que aconteceu em 2020, o regime transitório de execução orçamental aprovado para 2022 pelo Ministério das Finanças não exclui dos duodécimos as despesas destinadas ao pagamento de despesas com pessoal nem dá o poder ao ministro das Finanças para autorizar “a antecipação de duodécimos através da antecipação temporária de fundos disponíveis”.

Por outro lado, a execução orçamental em duodécimos este ano até é ajudada pela despesa extraordinária relacionada com a pandemia em 2021, como o próprio ministro das Finanças reconheceu: “Como o regime de duodécimos do próximo ano vai vigorar com base no Orçamento de 2021, que estava preparado com verbas previstas para o combate à pandemia, dá-nos uma ajuda para fazer face a essa dimensão”, disse.

Finanças ainda acreditam em OE para 2022 em vigor a 1 de junho

O ECO sabe que dentro do Ministério liderado por João Leão — que pode não ser reconduzido como ministro das Finanças — ainda se acredita que o OE2022 esteja em vigor em junho, o que colocaria um ponto final na incerteza relativa ao pagamento dos subsídios de férias dos funcionários públicos.

Matematicamente não é impossível: se o Orçamento for entregue na primeira semana de abril, será aprovado no final de maio e poderá entrar em vigor a 1 de junho. Porém, tudo teria de ser feito com o pé no acelerador, nomeadamente a redação final feita pelos serviços do Parlamento e a promulgação do Presidente da República, e sem nenhuma interrupção.

Mas há várias razões para acreditar que tal não será possível. Apesar de os serviços do Ministério das Finanças já estarem a adaptar a proposta do OE2022, segundo as instruções dadas pelo primeiro-ministro, ainda falta conhecer o défice orçamental de 2021 em contabilidade nacional, o qual será divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) esta sexta-feira. Normalmente, estes dados devem fazer parte das previsões macroeconómicas e orçamentais do Governo para o resto de 2022.

Acresce que António Costa alterou a organização do Governo, eliminando Ministérios e criando novos com nomes diferentes, o que exige uma alteração em dezenas de páginas da proposta do Orçamento, podendo haver serviços que mudam de Ministério. O calendário dependerá da velocidade a que tal seja feito pelos serviços da Direção-Geral do Orçamento, mas fontes conhecedoras do processo apontam para a necessidade de vários dias de trabalho.

E ainda há a questão sobre o que nasce primeiro (o ovo ou a galinha?), neste caso o OE2022 ou o Programa de Estabilidade. O coordenador da UTAO argumentou recentemente, em entrevista ao Jornal de Negócios, que seria melhor conhecer o Programa de Estabilidade (que tem de ser entregue até 15 de abril no Parlamento), numa ótica de médio prazo, e só depois o OE2022, numa ótica de curto prazo: “Há um argumento legal, e um argumento económico-técnico para que, antes de a proposta de OE ser submetida à AR sejam apresentados o Programa de Estabilidade e a proposta de lei das Grandes Opções“, disse Rui Nuno Baleiras. Para que a discussão não fosse em simultâneo, o Orçamento só poderia ser entregue no final de abril ou início de maio.

(Notícia atualizada às 11h06, corrigindo informação desatualizada sobre a formação do Governo)

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